quinta-feira, 14 de maio de 2015

Irene Lisboa e a Educação... E os professores de hoje...


Irene Lisboa nasceu perto de Lisboa, na zona dos saloios, na Quinta da Murzinheira, concelho de Arruda dos Vinhos, em 25 de Dezembro de 1892 e morreu em Lisboa em 25 de Novembro de 1958. 
Não vou falar da escritora e poetisa maravilhosa. Hoje falo da educadora.

Estudou em Lisboa, onde fez o Magistério primário. Estudou Ciências da Pedagogia, na Bélgica, na França e na Suíça. Licenciou-se em Ciências da Educação, na Escola Normal Primária de Lisboa, fundada por D. Luís I, em 1862, e “encerrada” em 1930, pelo Estado Novo e substituída por outro tipo de escola e de ensino. 
Foi re-criada em 1979, com o nome de Escola Superior de Educação de Lisboa.
Irene Lisboa trabalhou no ensino pré-primário, foi “orientadora” e "inspectora" do ensino primário.
Recordemos um pouco da vida dela: em 1932, teve o cargo de Inspectora Orientadora do ensino primário. “Mas o programa de tal departamento desenhado por Irene Lisboa reformulava de alto a baixo as funções de um órgão estatal até aí consagrado exclusivamente ao controlo ideológico, administrativo e disciplinar dos docentes.” (1)

Por isso Irene Lisboa foi afastada do cargo: "primeiro, posta em funções burocráticas no Instituto de Alta Cultura e, depois, em 1940, definitivamente afastada de todos os cargos oficiais por – alegadamente- recusar um lugar em Braga. Na verdade, foi uma forma de exílio para uma pedagoga incómoda pelas suas ideias avançadas.”

Com a sua preparação, outros caminhos estariam certos para ela. Mas não no "salazarismo" bolorento dos anos em que viveu! Não na Lisboa do seu tempo de que tão bem falou, nem na província das pequenas aldeias da Serra em que ensinou.

Conheceu de perto os métodos educativos “novos”, entusiasmou-se com o belga Ovide Decroly (1871-1932), ou a italiana Maria Montessori (1870-1952) ou com a escola daltoniana da americana Helena Parkhurst (1877-1973). E esteve em Genebra onde trabalhou com Claparède e encontrou Jean Piaget.


E com John Dewey (1859-1952), claro - “pai” deles todos e da moderna Pedagogia. 

 Encontrei aqui por casa, um livrinho precioso de Irene Lisboa, da Biblioteca Cosmos, intitulado “Modernas Tendências da Educação”, de 1942.
Ali vamos descobrir quão duro foi o percurso para renovar um ensino “caduco”, uma escola triste, com salas escuras e tristes, com livros desinteressantes e professores desiludidos à partida. Muitos desses ensinamentos já os intuíra ela, como professora e como pessoa interessada pela educação e pela cultura verdadeira.
É um prazer ler o que escreve sobre a Educação (com letra grande). Muitas coisas mudaram, felizmente para nós, o nosso ensino evoluiu, a aprendizagem e diferente, consideram-se os “centros de interesse”, as aulas “vivas” ( a que preço!), mas há coisas que ainda hoje se aprendem e têm de continuar a ser “estudadas”: o mundo evoluiu (ou involuiu?), não podemos ficar parados. 
Ensino tecnológico? Computadores nas escolas? Powers points? Sim, já cá temos isso - e na França estão agora a tentá-lo se a nova reforma for para a frente. 
Mas tem de haver uma ideia do “porquê” e do "para quê?"
O ensino de hoje é "para quem"? E ainda, outra vez, a pergunta: "aprender para quê"? 
Qual o futuro que espera os alunos?

Quando os alunos desertam a escola, ou andam por lá "aéreos" de todo, ou saõ mal-educados; quando grande parte dos professores estão de baixa ou deprimidos (é um dos países com maior número de casos de professores com baixa psicológica) é preciso voltar a pensar no que (ainda) está mal!

Quando o importante para o professor era ser apoiado na sua escolha, na sua tarefa diária pesada, inclusivamente através de pequenos estágios de reaprendizagem das novas nomenclaturas, dos novos métodos e outras coisas – a sério! – regularmente.

De Irene Lisboa, na humanidade com que falava dos seus alunos e das aldeias onde ensinou, das pessoas simples e analfabetas tantas elas que conheceu, chega-nos a força dessa Mulher que acredita no poder da educação, que quer ajudar. 

Afirmações simples levam-nos a entender a sua paixão. O que via em redor de si, as crianças abandonadas, sem apoios de espécie nenhuma afligiam-na.
“A Escola, considerando-a nós bem, é um organismo social de importância; nela se nos abre o espírito para muita coisa.” (p.64)

Abrir os espíritos como? É tão importante “abrir” a mentalidade, mas deixando à criança – ao aluno - a sua criatividade, a procura do que lhe interessa, “conduzindo-a” e amparando-a apenas. Mostrando, dispondo à sua volta os estímulos que a façam despertar. Depois, com calma, “orientar” o que eles descobriram.
Não, não sou parva: acredito nisto. Sei que há quem queira retrogredir no ensino e não estou de acordo. Há uma parte que “pertence” aos alunos descobrir. 
Que importa que todos saibam X quantidades de matérias, dadas a correr, para depois nos exames responderem a umas perguntas tipo “multiple choice”, idiotas, com letras ou cruzinhas – e que se fazem o mais das vezes “ao calhas” porque a pergunta em si pretende confundir o espírito e não “abri-lo”, com a lógica, a interpretação ou a relacionação.
Ver o entusiasmo de Irene Lisboa é bom. Fala dos primeiros momentos da escola nova e explica:
"A educação contemporânea não corresponde às condições da vida moderna, forma homens para o passado e não para o presente”.  E c
ontinua a ser actual o que ela escreveu.
Irene Lisboa, na festa dos 20 anos da "Seara Nova" (1941)

O seu amor pela escola “activa” deve-se à sua finalidade - despertar no aluno toda a espécie de interesses e de acções: “o aluno deixa de ser um vaso receptor, um cérebro a mobilar (…) como o é na escola “passiva”. Passa a ser considerado um corpo e uma alma próprias a accionar”.

Como dizia Dewey, que a autora refere, "a “disciplina” é a divisa dos professores e mais gentes que ficam maravilhados com os programas e que julgam que a vida se contem neles; já os psicólogos e os estudiosos da alma infantil defendem o despertar do “interesse”, no qual fundamentam a sua educação, na descoberta e na satisfação dos instintos dessa alma.” (p.15)

Piaget (1896-1980), por sua vez, pensava que "se nos adultos a teoria engendra a prática – com a criança dá-se exactamente o contrário: a prática engendra a teoria.” (p.15-16)
Outra figura de pedagoga que aprecia é a médica americana Helen Parkhurst (criadora do Plano Dalton) que cita: 
Toda a gente se preocupa mais com os programas do que com os estudantes! Infelizmente até chegar o dia em que os educadores se compenetrem de que o programa não é o problema essencial da sociedade, a juventude tem de continuar submetida ao 'handicap', a uma espécie de corrida de forças, como os cavalos possantes.” (p.66)

Importante era, sim, para ela, a observação dos alunos, a compreensão psicológica dos mesmos, e das condutas escolares. Ensinar (ou estudar) não é desenvolver a "concorrência", nem fazer provas de "competição" com os outros colegas! Os alunos não são cavalos!

E Irene Lisboa insiste: “O fim da escola activa é estimular a actividade do educando, quer mental quer física. 
O ideal dessa escola não é que o aluno junte conhecimentos mas sim que desenvolva capacidades. (Prefácio op.cit. p.14) 
Van Dongen, Casa cor de rosa e cavalos

Há quem diga que “antes” do 25 de Abril o ensino era superior em qualidade. Não, não era. Era, sim, um ensino para poucos, um ensino homogéneo e um tanto “elitista” : as classes sociais média e média alta, com algumas excepções. Um ensino cuidado, sim, mas fechado ao exterior. À criação. Na base do “ouvir”, fixar e reproduzir por escrito…

Falhava a expressão oral do aluno, muitas vezes, e a capacidade de dar a sua visão pessoal. Hoje, bem ou mal, algo se avançou, com todas as dificuldades inerentes a uma mudança que foi enorme.
Porque "depois”, claro, houve a “explosão” das escolas e a inevitável abertura e “massificação” das mesmas. Diferentes tipologias de alunos, turmas heterogéneas, procurando-se a mixicidade que tudo complica sempre, mas enriquece, igualmente, e evita as "diferenças" acentuadas e a desigualdade gritante.

Ensino com menos desigualdades hoje?, pergunto eu. Nem sempre se consegue - porque tudo vai ter às “oportunidades” e ao background dos alunos. Os alunos socialmente desfavorizados têm menos apoio em casa, menos acesso aos computadores, às calculadoras etc. Bem, lá telemóveis isso têm todos! 
Ainda hoje penso que muito valeram os velhos “magalhães” tão discutidos e denegridos: antes eles do que certos alunos não terem nada!

Os estudantes terão hoje as mesmas hipóteses de sucesso? Não, ainda hoje isso é irreal, por cá. No entanto, se se quisesse e se aplicassem fundos, a sério, na Educação, muito se poderia fazer pelo melhoramento da escola.
Sabendo que as desigualdades continuam, mais importante do que os “programas” em que se perdem horas e cabeças, seria dar importância aos conteúdos, às "competências", aos estudos “transversais”, que permitam a relacionação entre as disciplinas, com apoio na vida “vivida”. E isso tem-se tentado.

Os alunos mais fragilizados deveriam ter “acompanhamento” personalizado, ou em pequenos grupos, conforme as dificuldades e diversidade dos problemas. Isso seria uma ajuda grande!

E os professores no meio disto tudo? Os professores que são a categoria profissional - repito!- com mais casos de “depressão” e “baixas” por causas psicológicas. 

Professores que se inventam...

Os professores fazem o que podem e entregam-se como podem e esgotam-se como não podem, à procura do sentido do que ensinam e a "abrir" os espíritos para outras coisas e a manter viva a "curiosidade" dos seus alunos...

Fazem malabarismos com o tempo e com as classes e com o que têm à disposição. Inventam diversificações do tal programa, adaptam, e inventam-se a si mesmos! (2)

Com turmas enormes, sem preparação suficiente muitas vezes, sem tempo “físico” nem mental para se actualizarem, lerem, prepararem as aulas decentemente, com a carga horária que têm, vão arrastando um calvário que poderia ser melhorado. 
Mas continuam a inventar-ser os nossos professores (3)... e a criar a "nova escola" com que sonham.



Quanto a mim, uma das medidas deveria ser –para já- a diminuição do número de alunos por turma e o aumento do número de professores! 
Como sou ingénua, não é? Não, não sou: era possível. Bastava querer. Os "budgets" ajustam-se conforme as coisas essenciais: saúde, educação, trabalho. Sim, continuo a acreditar nisso! 
E é preciso Cultura! 
o escritor Leão Tosltoi

Como suprir as deficiências de certos professores? Como ajudá-los a actualizarem-se -o que nem sempre é fácil nem evidente?
Acabar com os exames ridículos aos professores é urgente!  Porque tais exames visam não o que o professor “é”, nem o seu “nível” de preparação, mas sim o “diminuir” ainda mais o número de professores a concorrer no ano seguinte… 
Reduzir o número de aprovados, porque não há vagas para ninguém - e quanto menor for o número dos que  conseguirem, melhor para o governo! 
Que importa ao governo a preparação dos professores? Que os professores dêem voltas à cabeça e ao seu orçamento pessoal para acompanhar os alunos ao estrangeiro, ao Parlamento Europeu, etc...
Parlamento Escocês...

No entanto essa preparação é necessária. Justo e útil seria a possibilidade de uma “formação contínua” a sério, oferecida aos professores!
"E os custos?", perguntarão. A resposta deu-a alguém que tinha a cabeça no lugar e sabia que aprender era fundamental: “Muito mais vão pagar, no futuro, com a ignorância que criarem…”

Aprender para quê? A resposta é simples: aprender para que os futuros cidadãos do país possam utilizar, concretamente, os ensinamentos e os conhecimentos adquiridos, na escola. E possam “fazer” o seu percurso inventando, praticando.

E volto ao que diz Helen Parkhurst e que Irene Lisboa cita quando diz que ensinar "não é uma espécie de corrida de forças, como os cavalos possantes." E Irene Lisboa explica: "o importante é a observação dos alunos, a compreensão psicológica dos mesmos, e das condutas escolares."

Nos tempos que correm, é necessário lembrar esta sua acção em prol da Educação e da igualdade necessária, partindo-se do mesmo ponto...

Claro, quem pode, com 30 alunos ou mais por classe, “observar” seja o que for dos seus alunos? 
Ou “ajudar” a corrigir as (más) condutas escolares?
Ou, pura e simplesmente, como pode “ensinar”? 

(1) Escreveu o Professor Rogério Fernandes, num texto biográfico da escritora.http://www.iil.pt/artigo.asp?id=3)
(2) Uma Escola em Coimbra, Encontro com um Escritor (prof. Ana Ruas Alves)
(3) O Auto do Balão Celestial, representado pela escola do 9A da ESSL (prof. M.Luísa T. Moreira)

* As fotografias de Irene Lisboa que utilizei foram retiradas da sua página Facebook que vale muito a pena consultar.


http://fr.wikipedia.org/wiki/Ovide_Decroly

10 comentários:

  1. "O ideal dessa escola não é que o aluno junte conhecimento mas sim que desenvolva capacidades." - concordo plenamente. É importante levar os alunos a desenvolver as suas capacidades e ajudá-los a ultrapassar obstáculos, a tornarem-se independentes e capazes de pensar pela própria cabeça, a serem curiosos, a querer saber mais, colocar questões, querer saber "porquê?". O "juntar conhecimento" vem por acréscimo.

    Na minha opinião uma das coisas que pode ajudar muito a promover o sucesso, são as turmas pequenas. Mas em Portugal faz-se o contrário. Para poupar nos professores (e no dinheiro que se lhes paga) aumenta-se absurdamente o número de alunos por turma. É impossível atender a todos como seria desejável.

    O respeito pela classe docente também anda pelas ruas da amargura...

    Enfim, há muito que mudar!

    Adorei ler este post.
    Gosto muito do que escreve Irene Lisboa, mas creio que nunca li nenhum livro, escrito por ela, sobre educação.

    Um beijinho:)

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Tu sabes bem o que se passa, Isabel, e como os prpfessores poderiam fazer ainda mais. Dão-se e não são ajudados. Claro que a 1ª coisa seria diminuir o número de alunos por turma! beijinhos e bom fim de semana...

      Eliminar
  2. Irene Lisboa

    uma referencia a reeditar
    para todos os amanhãs

    ResponderEliminar
  3. Um registo muito completo e interessante. Nunca li nada sobre o ensino e pedagogia de Irene Lisboa. Conheço-a na literatura.
    Que livros interessantes.
    Beijinho grato pela partilha.:))

    ResponderEliminar
  4. Oui, c´est ça!
    " Na educação o mais importante é atrair o interesse e o afecto; de outra maneira só se conseguem formar asnos carregados de livros" (M. de Montaigne)
    Tu és uma eterna boa professora, eu sou mais uma eterna aluna (medíocre).
    Bom finde, beijinho

    ResponderEliminar
  5. Levei o quadro de Van Dongen. Maravilhoso.

    ResponderEliminar
  6. Um tema que deve estar sempre em cima da mesa e ser debatido...
    Tanto para fazer e para mudar...
    É preocupante o rumo que a educação leva!

    Muito pertinente este seu post, Maria João!
    Um beijinho.:))

    ResponderEliminar
  7. ~
    ~~~ Uma grande pedagoga que muito contribuiu para a reforma de educação,
    na escola do estrado, do imposto ambiente silencioso e passivo, dos castigos
    corporais como método...

    ~ Foi longo e lento o percurso em que muito se investiu na formação, reformas,
    e experimentação...

    ~ Para assistirmos, nos últimos anos, a tão grande regressão na qualidade de
    ensino, que põe em iminente risco, a escola pública.

    ~ Muito teria que escrever, para expressar, devidamente, o meu desgosto...

    ~ Louvo a sua homenagem a Irene Lisboa e a sua mensagem, com a qual não
    apenas concordo, como também me identifico.

    ~~~~~~~~~ Beijinhos. ~~~~~~~~~
    ~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~

    ResponderEliminar
  8. Só para informar: na Dinamarca, cada professora não tem à sua responsabilidade mais que 6 alunos.

    ResponderEliminar
  9. Um grande beijinho Minha querida Professora!

    ResponderEliminar