sábado, 29 de agosto de 2015

CHARLES BAUDELAIRE, e o livro de Bernard-Henri Levy sobre os últimos dias do Poeta...


 Baudelaire, por Gustave Courbet

Comecei há dias a ler o livro de Bernard-Henri Levy “Os últimos dias de Charles Baudelaire” (Quetzal, 1989). Acabei-o ontem.
Li dos dias “imaginados”, a partir de dados das páginas íntimas e de outros documentos, mas romanceados pelo filósofo-escritor francês, um homem inteligente e culto.
Bernard-Henri Levy

O livro ofereceu-mo, no dia dos meus anos, em 1989, a minha grande amiga Lívia – minha amiga desde os 14 anos. Nesse ano tínhamos voltado de Itália, depois de 15 anos por lá, e o moral não estava famoso. Tempos difíceis para nós. 

E a Lívia aparecia sempre para a conversa, aos domingos, com o seu entusiasmo e as suas gargalhadas que nos ajudavam a re-aclimatar…

Eu tive o melhor remédio do mundo, nesse regresso: retomar o meu lugar de professora de Francês e Português no Liceu de São João. Num tempo em que ser professor era uma bela profissão motivante!

A verdade, porém, é que só o li agora, passados estes anos todos. Reencontrei-o, por acaso, como sempre me acontece, é claro. Lá estava a letra da minha amiga e a dedicatória afectiva: 
De Baudelaire fiquei sempre com uma visão sobre a imutável perversidade dos ‘Paraísos’! Espero que gostes!”

Baudelaire – que triste destino! Que tristes os seus últimos dias. Que triste fim.
O livro de B-H. Levy  trouxe-me de volta um escritor que amava e do qual recordava tão pouco. Reli vários livros, entre eles L’Art Romantique (Juillard - Littérature, 1964) e "Baudelaire par-lui-même" (Editions du Seuil, collection Ecrivains de Toujoursque ainda tínhamos comprado nos tempos da Universidade. 

Nestes ‘ensaios’, inteligentes e sensíveis, Baudelaire debruça-se sobre assuntos e escritores dos mais diversos. Os escritores como Théophile Gautier, Victor Hugo, Balzac. Ou Delacroix o pintor que admirou. 

Lendo o livro de Lévy, vejo que nem sempre estes se portaram bem com ele. Nem lhe pagaram os favores que lhes fez, ao escrever tanto sobre eles!
Homenagem a Delacroix, de Fantin-Latour (Baudelaire à direita)


Charles Baudelaire era uma companhia perigosa? Talvez eles achassem que sim, que os comprometeria na sua preocupação de ‘gens biens pensantes’. Flaubert falaria dos bourgeois que desprezava e a quem chamava “pignoufs”.

É Baudelaire quem escreve esta frase, em Fusées:
Faz em cada dia o que te ordena o dever e a prudência”. Sorrio: poucos foram, como ele, tão imprudentes! E tão contrários ao que comummente se chama o “dever”.

Baudelaire era um dandy. O Dandismo era uma coisa séria para ele. Uma regra de vida, uma atitude que era um símbolo da riqueza espiritual. 
Sim um provocador, um crítico dos bons costumes burgueses. Figura atraente e quase repulsiva, complexa,paradoxal, contraditória.
Baudelaire, jovem dandy, 1844, por Emile Leroy

Cultíssimo, as suas críticas de pintura, das idas aos Salões das Exposições – de Eugéne Delacroix cuja pintura soube entender e explicar melhor do que ninguém.
Sentimos um incompreendido que é, por vezes, incompreensível para os que frequenta. Personalidade riquíssima de cultura aberta e de grande sensibilidade. 
Frágil e susceptível, nos ódios como nos amores. E cujo (único) amor na vida foi uma prostituta, Jeanne Duval, mestiça da Ilha Mascarenhas (ou da Ilha Maurícia? Ou da Reunião? Ninguém sabia ao certo).

Bernard Henri-Levy escreveu um livro elucidativo sobre o poeta. Bem escrito, bem organizado e que, por vezes, nos dá a ilusão de que está tudo a acontecer ali, aos nossos olhos espantados. 

Relato terrível, com acento de verdade, dos horrores passados, dum homem cuja vida acaba com a decadência física mais completa.  O escritor, o poeta luminoso e trágico, o homem da palavra que vai acabar afásico. Sem poder falar, exprimir-se, comunicar. Sem poder escrever, desde o ataque que tivera tempos antes. Resta-lhe pensar, pensar, pensar.
Este livro permite-nos imaginar o que foram esses pensamentos, essa ansiedade, essa angústia.
As personagens deste romance são verdadeiras, existiram todas, de Jeanne Duval (e um pseudo-diário que ela teria escrito) ao crítico Sainte-Beuve, desde a mãe do poeta, Madame Aupick ou ao editor e amigo Poulet-Malassis. 
Os textos do poeta – das páginas íntimas de  Mon coeur mis a nu, de Fusées, de Pauvre Belgique!, dos Poemas ou de Le Spleen de Paris-  serviram de ‘pontos de apoio’ ao romance de B-H.L, para reinventar este mundo. 


A escrita do livro é atribuída a um imaginário dicípulo que recolhe tudo o que Baudelaire disse ou quis dizer, ou pensar, durante seis dias em Bruxelas.

E está lá tudo. A sensação de ter falhado o destino. O desânimo e o desespero dos últimos dias por não poder voltar atrás a recriar a vida.

Acreditamos que foi assim mesmo como Baudelaire “recorda” -e Levy conta- aquela vida de infelicidade, incompreensão pelo seu génio e pelo seu talento enormes.
***
Charles Baudelaire nasceu no dia 9 de Abril de 1821, em Paris, na rue Hautefeuille, e morreu em 1867, no dia 31 de Agosto, em Paris, às 11 horas da manhã. Tinha 46 anos e parecia um velho: estava gasto. Destruído pela sífilis, pelas drogas e pelo álcool.

Escreveu nos seus apontamentos, "Fusées":

"Dizem que tenho 30 anos, mas se vivi em cada minuto três..., então não terei 90 anos?"
ilustração de Rops, Les Fleurs du Mal, "Satã semeando"

 (*) Com “Les derniers jours de Charles Baudelaire”, B.H.Levy ganha o Prix Interallié de 1988. 
Bernard-Henri Levy nasceu na Argélia, em Béni Saf, de uma família de judeus argelinos, no dia 5 de Novembro de 1948. A sua família vive em França desde 1954. 
 Charles Baudelaire é “o herói bem real dum romance tão fiel às  exigência de verdade como às da imaginação. Será, acima de tudo, o homem miserável que é surpreendido no fim da sua vida, num quarto do Hotel Grand-Miroir, em Bruxelas. Durante os poucos dias em que, doente de sífilis, vai perder parte da razão e o uso da palavra. (…) É à volta desse B. exilado, convencido do falhanço, afásico pouco tempo depois, que Levy vai construir o seu romance.






3 comentários:

  1. Espero que tenham paciência para lerem até ao fim. Vício de antiga professora...quero explicar tudo! Mesmo quando não é preciso.

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  2. Eu li tudo do princípio ao fim, com muito interesse, porque estes post de "professora" são sempre interessantíssimos e as imagens sempre muito bem escolhidas!

    Um beijinho grande, já com saudades :)

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