sexta-feira, 11 de setembro de 2015

O Outono vem aí, com as folhas mortas e com a melancolia...


árvores outonais (MJF)

O Outono vai chegar e há uma sensação de expectativa em mim. Como sempre houve, desde miúda. Amava o tempo do Outono que trazia coisas de que gostava. A cor do céu, a luz menos forte, tamisada, as árvores que um vento fresquinho agitava, um pouco de chuva que corria pelos vidros. E eu ficava a ver a minha rua. 


Luz de Outono, de Isaac Levitan

O próprio cansaço dos grandes calores do nosso Verão alentejano faziam-me desejar a calma e o silêncio desta nova estação. 
Lembro-me do que pensava nesse tempo, e das histórias que gostaria ainda de contar. E outras que já contei.
O Outono vinha com a sua nevoazinha sobre os tectos das casas, logo de manhã.
Era já o tempo das aulas que tinham começado há pouco, os dias pareciam mais curtos e, na rua Direita começava a cheirar a castanhas assadas.
Luar de Outono, Hiroshige

Num desses outonos, a professora de Português disse-nos para escrevermos uma redacção cujo tema era “O Outono e a melancolia”.
Fiquei surpreendida porque nos dias de Outono eu notava que havia em mim uma certa melancolia. Estranhei que alguém me viesse dizer: “Fala-nos da tua melancolia!
árvores despidas (MJF)

Gostava de escrever. Sempre gostei. O que escrevi na folha de pael não sei bem o que foi, mas decerto falei da cor dos dias, dos fins de tarde, da suavidade da temperatura, das luas cheias, dos céus quase brancos, atravessados por bandos de cegonhas.
árvores ono nevoeiro (MJF)

Os pinhais, que via da janela,  pareciam poisados numa paisagem azulada de nevoeiro. 
árvores e nevoeiro  (MJF)

E os telhados da minha rua, com umas ervinhas que cresciam nos beirais. Como tudo era repousante e me deixava ficar sonhadora, em contemplação. Pensativa, encostada nos braços, sem saber em que pensava, de olhos perdidos nos espaços abertos, com um sentimento de abandono e de tristeza que me era agradável. Seria isso a melancolia?, pensava.
O Outono na Corredoura (?), de Miguel Barrias

Falei dos campos e das árvores. Das cores dos troncos e da ramagem seca. Dos passeios que dava a sentir as folhas estalar debaixo dos pés. Ninguém escreve sobre o Outono sem falar das árvores e das folhas mortas que se juntam, no chão, em redor delas. 

Há países onde as folhas ficam rubras como certas flores. Vem-me ao pensamento Kawabata, inigualável na delicadeza das suas descrições seja de paisagens que de sentimentos. Leio e releio Pays de Neige e encontro o contraste entre a beleza da paisagem, no Outono, e a fragilidade do homem. Numa linguagem de grande pureza, simples, numa poesia velada e transparente.
Etsuko Nagamatsu, Folhas vermelhas 

"A cortina das montanhas no horizonte, mostrava já as cores ricas do Outono ao pôr do sol, os seus vermelhos, os seus tons de ferrugem, diante dos quais -pensava Shimamura- aquele único toque de verde tímid, parecia ganhar, paradoxalmente, um tom de morte." 


Áceres no Outono (Japão, foto Yoshiyuki Sakano)

Japão, ramagens de ácer


Folhas caídas do Outono, de Syuji Hirai 

E, nessa janela, eu imagino o vento que arrastava num rodopio de tons de cobre, dourados, e, por vezes mesmo, vermelhos. E as árvores que teimavam em guardar as folhas verde!
o verde dos pinhais (MJF)

Sem pensar na efemeridade do que via, nem na passagem do tempo que tudo vai destruindo. Nessa altura eu era uma criança quase, e tudo era belo e eu sabia que a Primavera ia voltar um dia.




Menina e papagaio de papel (pintura na parede, pela minha mãe)

Ouvia a canção de Prévert que me dizia coisas tão bonitas e falava do tempo dos amigos!
Pensava como na canção: "ah, como gostava que te lembrasses dos tempos felizes em que éramos amigos. Nesse tempo a vida era mais bela e o sol brilhava mais do que hoje. As folhas mortas apanhavam-se com a pá. Vês?, não me esqueci…"

Etsuko Nagamatsu 

E cantarolava, encostada à janela:

“Ah! je voudrais tant que tu te souviennes
 des jours heureux nous étions amis...
Dans ce temps-là la vie était plus belle
 et le soleil plus brillant qu’aujourd’hui...
Les feilles mortes se ramassent à la pelle,
tu vois je n’ai pas oublié...”

O Outono vai chegar dentro de dias, disfarçado de Verão, é certo, mas há já um ventinho fresco que agita suavemente as folhas e que, de noite, faz zunir a roupa estendida nos varais.
E virão os dias que nos descansam. Os dias em que me sinto próxima de mim mesma e de outros tempos. 
Dia de vento, por Hocusai

Kawabata está na Livraria Lumière

(*) Yasunari Kawabata é considerado o maior escritor japonês contemporâneo. Recebeu o Prémio Nobel de Literatura, em 1968. Pays de Neige (Yukiguni) é de 1955, mas o escritor escreveu-o durante 13 anos (de 1935-1948). A edição francesa que li é de 1960 (Le livre de poche).

Letra do poeta  Jacques Prévert, música de Joseph Kosma (1945), canta Yves Montand


8 comentários:

  1. Gosto das cores outonais mas o Outono traz-me tristeza. Lembro-me que só achava graça ao Outono quando o vento fazia rodopiar as folhas, aí a dança alegrava-me.
    A melancolia é um estado que nos invade e que o sol nos faz esquecer.
    Faz-me impressão a morte das árvores, mas a regeneração é necessária.
    Daí, a Primavera me atrair mais, é o acordar, o recomeço...
    No entanto, reconheço que todas as estações têm a sua beleza há é que a encontrar.
    Tudo lindo mas adorei a pintura da sua mãe.
    Gosto de Kawabata.
    Beijinhos. :))

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  2. Que maravilha de post!
    Até eu, que adoro o Verão, este ano estou com vontade que chegue o Outono, pois o Verão foi demasiado quente por estas bandas. Mas continuo a preferir o Verão. Também gosto do Outono, e da tal melancolia que traz, a vontade de um certo recolhimento, de introspecção. O mal do Outono é que...antecede o frio do Inverno! E eu odeio o frio:(

    Gostei de todas as imagens e de todas as suas fotos. Acho que há aqui fotos excelentes, mas gostei especialmente da 4ª a contar de cima "Árvores despidas". E adorei o desenho na parede, feito pela sua mãe. Tão lindo:) Já tive vontade de pintar uma parede, mas ainda nunca tive coragem. Acho que um dia pinto.

    Um beijinho grande e bom Outono, quase, quase a chegar...

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    1. Pois é, Isabel, eram lindas as pinturas da minha mãe. Aflige-me hoje pensar que a casa foi vendida e que essa parede - que era o quarto dos netos lá na quinta- foi pura e simplesmente "apagada" - pintada de branco ou de outra cor. Tudo é efémero... Até a arte seja ela qual for está à mercê das contingências da vida,,,
      Restam umas fotografias dos "meninos" a brincar, feitas ao acaso sem pensar que iriam desaparecer. Beijinhos

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    2. É pena, na verdade tudo tem um tempo, mas pelo menos tem as fotos e agora a recordação vai ficar aqui e permanecer. Pelo menos enquanto houver blogosfera! :)

      A sua mãe também era talentosa. Lembram-me os desenhos das histórias infantis da Maria Keil.

      Beijinhos:)

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  3. Esqueci-me de dizer que gostei das mudanças aqui no visual do blogue!

    Beijinhos e bom fim-de-semana:)

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  4. Muito romântico. Gostei especialmente do Dia de Vento de Hocusai e da pintura da tua Mãe na parede, que achei mimosa e subtil. Gostaria de ter recordações assim da minha, mas não pintava...
    Feliz finde, bjinho.

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  5. Boa tarde, Maria João!
    Do que eu gosto mais, são das cores do outono, que são magníficas!
    De kawabata também gosto e já li vários livros dele.

    Um beijinho e bom fim de semana.

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  6. ..."Tu és folha de Outono, voante pelo jardim... deixo-te a minha saudade - a melhor parte de mim e vou por este caminho, certa de que tudo é vão. Que tudo menos o vento, menos que as folhas do chão..." (Cecília Meireles)
    O Outono é mesmo assim, faz ter saudades de tudo, do que tivémos e não tivémos, do que talvez nunca teremos... Eu pessoalmente adoro o Outono ! E de sentir as folhas de todas as cores debaixo dos pés... Bom domingo, beijinhos, Mamé

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