a fada com a varinha de condão
Veio
o Natal, e passou já, apesar das luzes e balõezinhos que brilham nas árvores
ainda enfeitadas e de que não queremos separar-nos, porque é esse pouco de beleza e
de alegria que queremos conservar mais uns dias.
“Até ao Dia da Adoração dos Reis!”,
dizemos. Quantas vezes deixo a minha árvore enfeitada até ao fim de Janeiro!
Adoração dos Reis, de Botticelli
Começou
o Inverno, chegaram os dias curtos e cinzentos, houve por aqui um vendaval de ventos ciclónicos e trovoadas de raios e trovões iminentes durante uns minutos sobre a minha casa.
O
ano chegou ao fim e penso que tanto ficou para fazer, tantas palavras para
dizer, tantos gestos imperfeitos que se deveriam ter corrigido.
Será possível
recomeçar?
O
que desejar? Sempre algo de novo, porque o que fica para trás não nos basta e
ansiamos mais. Nós, humanos imperfeitos, claro, que sonhamos com a perfeição. A perfeição da pintura, da literatura, da Arte? Sim.
Adoração dos Reis, de Georges de La Tour
E, logo, a insatisfação da condição humana e a sua sede de absoluto apertam-nos o
coração.
Mais coisas! Mais
para quê - se não for o bom? E o que é o bom? Não vou pôr-me a filosofar.
Vão
surgir os eternos desafios que vêm do passado e não tiveram solução: escolher uma
sociedade melhor e mais justa? Dar uma atenção maior, tão prometida, à pobre
Terra doente, incentivando a luta contra o aquecimento climático?
Ver o final das
guerras religiosas e das matanças sem rei nem roque?
Sim,
tudo isso vai voltar aos jornais, às televisões, às máquinas publicitárias.
E
a nossa velha lenga-lenga que nos desculpa por tudo : “Ai, não depende de mim”, ou, então: “O que posso eu fazer?”
Não
acreditamos que se possa fazer algum gesto pelo mundo? Que vai tudo
inevitavelmente em direcção do abismo? Que a derrocada total nos aguarda, ou o Apocalipse está ali à porta? Que mais nada se cria?
Lembro António Machado e o poema:
"Dices
que nada se crea?
No
te importe: con el barro
De
la terra, haz una copa para que beba tu hermano!"
Não
sei se o mundo vai para o abismo. Sei, apenas, que há muito a mudar na atitude
das pessoas. Para quê o ganho, o lucro, os rendimentos de uns - se não houver
mais nada a não ser a pobreza dos outros?
Não
há milagres, eu sei, nem existe a tal varinha de condão que tanto nos entusiasmou na
adolescência: “Toc!” e tudo se resolvia, a princesa acordava do sono profundo, os anõezinhos brincavam com a Branca de Neve e o Polegarzinho encontrava a
sua casa, depois do susto.
A princesa adormecida, de Viktor Vasnetsov
Eram Os Contos de Grimm, quem os não recorda? A magia dos contos de fadas e de encantamentos. O medo e a angústia que nos apertava o peito, por causa dos nossos heróis amigos!
Não,
não podemos mudar o mundo com a varinha mágica! No entanto, atrevo-me a dizer
uma vez mais: há sempre uma parte, na resolução dos problemas, que depende cada
um de nós. Parafraseando Machado:
"De la terra, haz una copa
para que beba tu amigo!"
Porque
se falarmos de paz e a tentarmos 'fazer', ao nosso nível, ela pode resultar. Se
dissermos palavras de amor e não as que trazem o ódio, a agressividade do outro pode
diminuir; se formos altruístas, se dermos um pouco do que temos, alguém pode
ganhar com isso, na sua dificuldade de viver, ou na sua pobreza; se tivermos cuidado com o que deitamos fora, no lixo, poderemos contribuir para o melhoramento ecológico.
Se
descobrirmos ‘momentos de graça’, dentro do desespero e desistência de cada um,
no cinzento dos dias de que muitos pensam não poder sair, se tivermos esses “momentos que nos incendeiam o espírito”
podemos tentar levar esse entusiasmo aos outros, esquecendo o nosso ‘ego’ feroz
e infernal.
E acrescentaria ao que diz Machado : "del barro de la terra, haz una copa/ para que beban todos!
Como bem escreve
Steinbeck:
“O
homem pode ter vivido uma vida cinzenta num campo de terra escura e de árvores
negras, os acontecimentos importantes podem ter passado por ele, alinhados,
anónimos, desprovidos de cor.
Isso não interessa. Porque, nesse minuto de
graça, logo o canto de um pássaro lhe encanta o ouvido, o cheiro da terra lhe
sobe, agradável, pelas narinas e a luz suave de uma sombra de árvore lhe renova
o olhar. Então o homem torna-se uma fonte e é inesgotável.”
Por
isso, estender a mão quando a nossa alegria pode ajudar o outro é importante. Sem
esperar que haja uma paga.
“Dá,
sem esperares que se lembrem que deste. Recebe, sem esqueceres quem te deu.”
Natividade, de Georges de La Tour
Acreditar
é importante. Fazer os gestos é importante. Criar a amizade e mantê-la viva, sem egoísmos,
sem esperarmos que seja “devolvida” do mesmo modo, é importante.
Nunca esperar que nos agradeçam, isso não é importante! Dar as mãos, sim.
Lembro
Epicuro que acreditava na felicidade dos momentos passageiros e na nossa possibilidade de tudo poder mudar se não desejássemos mais do que deveríamos:
“Não deves corromper o bem presente com o desejo daquilo que não tens.”
Sabendo apreciar o que soubemos conquistar e preservando os valores importantes. Como a Amizade e os Amigos!
“A
amizade dança em volta do mundo, dizendo a todos nós que acordemos para a
felicidade.”
Bom Ano Novo. Tentando corrigir o que está mal, dentro do que podemos. Tentar rir e cantar em vez de odiar! Seguindo o exemplo dos "Blues Brothers" que vão em missão para ajudar alguém que os ajudou um dia...
John Belushi e Dan Ackroyd com John Lee Hooker
Um ano cheio de amizades e de boas intenções! E de actos! - porque de boas
intenções está o Inferno cheio, dizem as má-línguas!
Deixo uma receita fantástica: ouvir os "Blues Brothers" cantar "Everybody needs somebody...to love!"
Blues Brothers (1)
(1) Filme de John Landis com Dan
Ackroyd e John Belushi (1980)