quinta-feira, 6 de julho de 2017

Efémeros somos nós...

Passamos como sombras. Efémeras. E a passagem do tempo é inexorável…

Recordo uma passagem do filme (de inigualável beleza) de Luchino Visconti, “Morte em Veneza” (1971), com o actor inglês -sempre perfeito- Dirk Bogarde. E com tantos outros actores inesquecíveis.: uma Silvana Mangano, actriz com tanta classe, num papel extraordinário! 

Um filme que se baseia na novela homónima de Thomas Mann (1912) e que fala do compositor Gustav Aschenbach, convalescente de um ataque de coração, em crise com a inspiração e com dúvidas sobre a própria obra e sobre o sentido da música e da Arte.  
Ele que busca na arte a forma física e a perfeição que gostaria de ter, chega a Veneza e redescobre a sua música. É a beleza do jovem Tadzio que o emociona. E que o faz morrer. 
Silvana Mangano em “Morte em Veneza” 

Uma passagem em que se fala do tempo, 'psicológico' afinal, do qual não nos apercebemos e que ‘corre’ de modo diferente conforme os momentos da nossa vida. E conforme a vida que vivemos...
Mais lento ou mais rápido, mas inexorável… 
“Morte em Veneza” e Dirk Bogarde na cena da ampulheta

Ouço Dirk Bogarde dizer, na sua voz tão especial: “Havia na casa de meu pai uma ampulheta. A abertura pela qual passava a areia era tão estreita que à primeira vista parecia que nem se movia. Aos nossos olhos corria mas tão devagar que parecia que nunca mais ia passar. 


Só para o fim é que nos apercebemos que corria tão de repente e acabava. E nesse momento era já demasiado tarde para pensar nisso por isso.
“Morte em Veneza”, Dirk Bogarde
Tal como a ampulheta, o tempo corre lento, tantos anos seguidos e, depois, de repente acelera e parece que  vai acabar já! 
Mas não é para todos igual. Gostava de lembrar um pouco mais da vida deste actor que foi um dos jovens oficiais do Exército de Sua Majestade Britânica a assistir à libertação do campo de Bergen-Belsen.
Sir Derek Jules Gaspard Ulric Niven van den Bogaerde nasceu em Birmingham 28 de Março de 1921 e morreu em 8 de Maio de 1999. Nasceu em Birmingham numa família aristocrática. O pai era Ulric van den Bogaerde, de origem flamenga.

os Royal Angels 

 Súbdito inglês, serviu sob a bandeira inglesa, na II Guerra, primeiro com 22 anos – até 1943- nos Royal Angels e depois no Queen’s Regiment do Surrey. Esteve no Pacífico e na Europa, trabalhando especialmente nos serviços secretos .
distintivo do Queen’s Regiment

Dirk Bogarde foi um dos primeiros oficiais Aliados - que, em Abril de 1945, chegam ao campo de Bergen-Belsen na Alemanha. A experiência teve o mais profundo efeito nele e marcou-o de modo a lhe ser difícil falar dela, durante muitos anos depois dos factos.
Bergen-Belsen, 1945
Chegara à Normandia, a Sommervieu, e Bergen-Belsen foi a experiência mais dura da sua vida.
A catedral de Sommervieu

“No dia 13 de Abril, creio –pois não tenho a certeza de que data fosse (era, afinal, o dia 15)... quando ocupámos o campo e abrimos as portas de Belsen - que era o primeiro campo de concentração que tínhamos visto- nem sabíamos o que eram. Tínhamos ouvido rumores sobre 'aquilo' que eram. Quero dizer é que nunca nada poderia ser pior do que aquilo. 
Bergen-Belsen

As portas foram abertas e foi como se pensasse que estava a olhar para o 'Inferno' de Dante. Quero dizer que nunca tinha visto nada tão aterrador. E nunca mais vi. 
E uma rapariga veio ter connosco e falava inglês porque viu os nossos distintivos e ela… os seios dela eram como bolsas vazias e nada a cobri-los; trazia umas calças de pijama de homem, aqueles pijamas dos campos, e não tinha cabelo. Mas sabia que era uma rapariga por causa dos seios…vazios.”
Bergen-Belsen
Continua: 
Em redor de nós havia montanhas de gente morta, quero dizer montanhas deles e eram corpos magríssimos e nós tentávamos passar no meio deles enquanto um jovem polícia militar inglês nos seguia, dizendo: 'Venham, não vão aí pelo meio, eles estão todos com febre tifóide e vão contagiar-vos.'
A jovem seguiu-nos até ao jeep e viu um resto de comida embrulhado num jornal e pediu se podia comer. O polícia disse que se ela comesse aquela comida, naquele instante, morreria em dez minutos. Ela agarrou o jornal de encontro ao peito. Não via nenhum há uns 6 ou 8 anos. Deu-me um beijo comovido. O polícia, aterrorizado pela nossa segurança,  afastou-nos dali.

...
Muitos anos depois da guerra eu sabia sempre que nada de nada poderia alguma vez ser tão mau…mas nada poderia jamais meter-me medo nenhum homem poderia assustar nunca mais, nada poderia nunca ser tão mau como a guerra ou como as coisas que eu vi!” 

Efémero somos todos, a vida passa como um sopro... mas quantos sofrimentos insuportáveis houve para alguns durante essa passagem! 
E a ampulheta, por vezes, deixa passar a areia tão devagar! 

Penso na figura de quem se tem falado nestes últimos dias: Simone Veil que morreu há dias. Por curiosidade: ela estava no campo de Bergen-Belsen. 

Deportada com 16, anos e tinha vivido aquele horror. Sobreviveu mas a mãe, o pai e o irmão morreram nos campos. Disse: "Ninguém que tenha passado pelos campos conseguirá alguma vez esquecer o que viveu".

2 comentários:

  1. Quem viveu este tipo de acontecimentos tem que ter ficado marcado para toda a vida. É horrível pensar nisso.

    Gosto muito da nova imagem do blogue. São tão lindas as papoilas!

    Um beijinho e um bom fim-de-semana:)

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