quarta-feira, 19 de julho de 2017

Falando de J.D.Salinger e de Caulfield...e pensando em férias!


Gosto muito de Salinger. Não desisti de esperar que alguma coisa possa aparecer dele, um dia ou outro. 

De facto,  foi "anunciado" por The New Yorker, em 26 de Agosto de 2013 (como refere Le Monde desse dia) que começariam a ser publicadas, a partir de 2015, cinco obras inéditas de D. J. Salinger.

Em 2016 escreve Kelly Konya (*) a propósito dessas histórias a publicar em 2015 – e que até ao momento não apareceram: 

“Sinto-me enfeitiçado pela última entrevista de Salinger em 1980. Disse ele à repórter Betty Eppes: 

Dá-nos uma paz extraordinária não publicarmos. Há uma calma. Quando publicamos, o mundo pensa que lhe devemos alguma coisa. Se não publicamos, não sabem o que estamos a fazer. Podemos guardar isso só para nós!"

Georges Steiner falou de Salinger: "O mais íntimo dos escritores contemporâneos é um autor escondido que, no entanto, gera uma indústria popularíssima de fanáticos, críticos e comentadores, a ‘indústria Salinger’." 

Não me interessa se há uma "indústria", interessa-me que é um escritor que "fala" aos outros como um amigo, um "íntimo"...

O seu livro, The Cathcher in the Rye foi publicado em 1951. Li-o na tradução portuguesa, há muitíssimos anos, na velha edição da Livraria Dois Mundos (**), que apareceu por cá, nesse mesmo ano, numa tradução de João Palma- Ferreira. 
O título, “Uma agulha no palheiro”, é a tradução à letra da expressão idiomática, "The catcher in the rye". 
O título do romance de Salinger ter-se-à inspirado no poema de Robert Burns (***), "Comin' thro'the rye" .

("Se eu pudesse andar pelos campos de centeio, a apanhar corações... é uma frase de Holden Caulfield, o jovem protagonista do livro")
Título certo? Errado? Discutível? A verdade é que, se bem que traduza correctamente a expressão idiomática inglesa, não me parece sentir  nela o espírito do livro.
Aconteceu-me uma história com os livros de Salinger. Espero não a ter já contado. Foi uma história das que podem acontecer na vida dos 'viajantes'.  
Tinha ido ao correio de São João e a 'menina dos correioss', que me conhece há muitos anos, e que me vê sempre aparecer com cartas para muitos sítios do mundo, um dia perguntou-me:
"Não terá cá deixado estes dois livros? São em francês..." 
Olhei e vi que eram L'Arrache-coeurs e Les neuf contes, de Salinger, na edição da 'Folio'. Respondi que não eram meus, mas ela voltou a insistir: 
"Não são seus, mas estão aqui há tanto tempo e ninguém os pede, ninguém lê francês. Tem a certeza de que não os quer levar?"

Ora um livro é um livro, tal como dizia o outro: "quatro ovos são sempre quatro ovos..." -não vos digo quem era esse 'outro' mas existe- e a verdade é que trouxe os livros para casa e os li. E estão ali bem guardados ao pé dos outros! São sempre "novas" as histórias do aventureiro Caulfield mesmo quando se relêem! 

Inesquecível a sua fuga do colégio, o refúgio em casa do antigo professor, a desilusão, a nova fuga, a ida de táxi, a conversa com a irmã às escondidas dos pais que não sabem que ele "voltou" para casa.



E quem não recorda o passeio, de madrugada, em Central Park e a conversa com o homem do táxi? E os patos no lago gelado? Para mim é dos diálogos mais interessantes de que me lembro.
lago gelado de Central Park


"Onde se escondem os patos quando o lago gela?" é uma das suas perguntas sem resposta.
os patos no lago gelado de Central Park

A propósito dessa tradução francesa, procurei informações na internet e deixo-vos o que encontrei. Quando o romance de Salinger sai em França, em 1953, o público não se interessa por ele.

Muito provavelmente porque o título escolhido pelo tradutor é L’attrappe-coeur - o que não entusiasma os franceses, porque demasiado próximo de L'Arrache-coeur, o livro do escritor bem amado que foi Boris Vian. 
Anos mais tarde, sai uma outra tradução com o título "L'Attrappe-coeurs" (Apanha corações, no plural). Com pouco sucesso, também.


Só depois da publicação em França de Nove Histórias, em 1961, e do sucesso que teve Franney e Zoey, é que surge um movimento de entusiasmo por parte dos jovens leitores, que vão, então, à procura do tal "Apanha-corações". 

O editor Robert Laffont vai, então, buscar a crítica 'premonitória' ao livro de grandes críticos como Robert Kanters que o compara ao escritor francês, Alain-Fournier - e o livro L’Attrappe-coeurs ao Grand Meaulnes. 

Ou a opinião, bem lúcida, do grande crítico Kléber Haedens: 
"O autor acaba de provar que se  pode sempre tornar novo e surpreendente o tema mais gasto de um texto literário”.
E o sucesso continuou por França, como por toda a Europa. Até hoje. E, por isso, os seus leitores continuam à espera...
a casa de Salinger, no New Hampshire


* * *
Nota breve: Recordando um pouco da biografia de Salinger: J.D. Salinger (Jerome David Salinger) nasceu no dia 1 de Janeiro de 1919, em Manhattan. Era filho de pai judeu (de origem polaca) e de mãe escocesa e irlandesa. Alistou-se no exército e fez a Grande Guerra, em França. Talvez fosse agente de ligação, ou espião mesmo. A verdade é que a Guerra o traumatizou.

Em 1948 surge o seu primeiro conto: A Perfect Day for Bananafish (em português: 'Um dia perfeito para o Peixe-banana'), que é publicado em The New Yorker, onde sairão outros dos seus contos. É uma história trágica e dolorosa, difícil de esquecer.
O seu romance –o único-  conta a história do jovem Caulfield, figura de adolescente inesquecível da literatura universal (para mim, claro), sai em 1951. 


(*) "Burns, também chamado Robbie Burns, "o filho preferido da Escócia", o "bardo de Ayrshire", ou simplesmente 'o bardo', é um poeta escocês. Poeta símbolo da Escócia, nasceu em 25 de Janeiro em 1759, em Alloway (hoje Ayr) Ayrshire, e morreu em 21 de Julho 1796 em Dumfries (Dumfries and Galloway).
É o mais conhecido dos poetas que escreveram em escocês - "scots"-  se bem que a maior parte da sua obra seja em inglês e em "light scots", um dialecto mais acessível a um público não-escocês."

 (**) "Uma agulha no palheiro", Livros do Brasil

4 comentários:

  1. Gostei muito de ler, como sempre e...já (quase) me envergonho de dizer sempre o mesmo, mas é um livro que tenho à espera de ser lido, há (posso dizer) anos! ...

    Estou a ler um que comprei há dias e não precisa de grande concentração. Há meses que não lia praticamente nada.

    Um beijinho grande:)

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  2. Adorei Uma agulha no palheiro - li-o há muitos anos. Um livro a reler, assim como ler os contos que ainda não li.

    um beijinho e uma boa semana

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  3. Fiquei contente de te ver por aqui, é sempre bom sinal. Confesso que só há pouco tempo li , em espanhol, El Guardián Entre El Centeno. Fiquei impactada sobretudo com o estilo, tão maravilhosamente único. Ao fim e ao cabo, qualquer história pode ser interessante, depende da forma de contá-la, que é o que faz a diferença entre um grande escritor e um qualquer. Por isso para apreciar a boa literatura tem que se ter lido muito, como bem sabes tu, uma intelectual onde as haja...
    Ainda escreves cartas? Que tempos aqueles! Fiquei com vontade de falar do assunto, acho que o vou fazer. Tive relações epistolares interessantes e intensas. Feliz semana, my dear sweet darling!

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  4. E um livro inesquecível! Li-o e reli-o sempre com o mesmo entusiasmo e um sorriso -porque é um livro terno. Obrigada a todas!

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