sábado, 16 de setembro de 2017

O culto do chá no Japão e o escritor Wenceslau de Moraes


plantação de Chá verde no Japão
Yoshiaki, Cerimónia do Chá

No livrinho “O Culto do Chá” (1), falando do requinte e da solenidade sentimental e do rito que precedem e criam o “culto do chá” no Japão, Wenceslau de Moraes (2) escreve:

No espírito ocidental, europeu, despoetizado pela chateza dos ideais da época, atribulado pelas múltiplas exigências da vida, pervertido pela febre do negócio, do benefício, não medram de há muito os cultos.” 
Katsushika Hokusai, esboço de Daruma

E refere o culto a Darumá, o grande apóstolo indiano do budismo, que chegou à China no começo do século VI da nossa era cristã.
"O voto de Darumá era passar a vida de joelhos, em solo pedregoso, absorto em contemplação mística, sem se conceder nunca o regalo de dormir.”- explica Wenceslau de Moraes.

Este Darumá - uma espécie de santo homem- inspirou deste tempos remotos os pintores japoneses.
a enorme tela de Katsushika Hokusai
Entre outros, foi pintado por Katsushika Hokusai (1760-1849). E o nosso escritor fala dessa obra célebre – e grandiosa - pintada em papel.
 “Uma superfície de  duzentos metros quadrados, onde o pintor usou oitenta litros de tinta, servindo-se não de pincéis mas de cinco vassouras(!!!) à laia de  pincéis. Tela essa estendida sobre um “campo” que era o telhado dum templo, enquanto a multidão aplaudia o mestre.”
Katsushika Hokusai, Daruma San


Mas voltando ao culto do chá, na China e no Japão, o que tem a ver Darumá com isto? 
É o que Wenceslau de Moraes nos explica: “De joelhos, sem dormir, certo dia as pálpebras cerraram-se de fatiga e o bom Darumá deixou-se adormecer para só acordar na manhã seguinte.”

Katsushika Hokusai

Fica furioso consigo próprio e castiga-se. Pede uma tesoura a alguém e “corta as pálpebras indignas e arremessa-as ao solo, num gesto de despeito.” 
Como que por milagre, “as pálpebras enraizaram, dando nascença a um gracioso arbusto nunca visto.”
A plantazinha cresce, dá folhas e estas, por infusão em água quente, passam a ser um remédio precioso contra o sono e contra o cansaço das vigílias.
Estava conhecido o chã; tem pois origem na China e é coisa santa. Crê quem quer; mas devo advertir que este livro foi escrito para os crentes.” – refere o autor. (o.c. pg. 10-112)
Capa da 1ª edição (1905)

Como esta história, muitas lendas e outras coisas interessantes encontramos neste livrinho precioso. Da próxima vez, contarei a história das camélias. Porque há muito que se lhe diga! Porque se fala de camelia sinensis e chá verde?
E tem ilustrações muito belas do pintor Yoshiaki, contemporâneo de Wenceslau de Moraes.
Yoshiaki, imagem do livro

chá verde ou camelia sinensis?
***
(1) "O Culto do Chá" foi publicado pela primeira vez, em 1905, na Tipografia do “Kobe Herald” com gravuras de Gotô Seikôdô.
A edição a que me refiro hoje de “O culto do chá” foi publicado em edição fac-similada, em 1993, pela editora Vega, na colecção Mnésis

Descobri que havia uma edição mais recente, da Relógio d'Água. O que não me surpreende pois é uma casa editora que "respeita" os autores!

A presente edição de 1993 – escreve o editor Assírio Bacelar- teve como base um raríssimo exemplar da edição original cedido gentilmente pela viúva de Armando Martins Janeira, assim como a autorização para publicar o prefácio da 2ª edição, de Martins Janeira. (…)”
Armando Martins Janeira (imagem da net, sem indicações)

Desde essa altura, o livro tivera, até hoje, mais duas edições” - escreve o editor da edição de 1993, Assírio Bacelar. Uma em 1933, pela Casa Ventura Abrantes, numa espécie de homenagem ao escritor e ao Japão. Outra, em 1987, pelo Instituto Nacional do Japão, com um completo Prefácio de Martins Janeira.”

(2)   Wenceslau de Moraes nasceu em Lisboa em 30 de Maio de 1854, viajou pelo Oriente, foi um escritor e igualmente um oficial da marinha Portuguesa. Morreu em Tokushima em 1 de Julho de 1929. A sua obra mais conhecida é “Dai-Nippon”.






5 comentários:

  1. Este blog é um espanto! Ainda bem que o descobri.

    Obrigada.

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    1. Não imagina o prazer que me dá com os seus comentários. Gosto deste 'trabalho', fui professora de Português e de Literatura e nunca consegui abandonar a ideia de continuar a aprender para ensinar o que vou descobrindo. Obrigada!

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  2. Obrigado pela sugestão, fiquei muito curioso com o livro e como refere no seu texto à propósito da reedição do livro , há editoras que entendem o significado da palavra e editam porque gostam dos autores e não por razões puramente comerciais e a Relógio D'Água é um desses casos.
    Muito bom dia!

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  3. É apaixonante a importância dos rituais na nossa vida interior e a sua história através dos tempos. Como adoro o chá e certas rotinas, acho especialmente exquisito este rito, tanto no japão como na Inglaterra. Happy week!!

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  4. A diversidade de temas publicados em detalhes, com leveza, uma escrita deliciosa e envolvente, faz do Falcão de Jade um blog para navegar sem lembrar que o tempo existe. Obrigado Maria!

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