terça-feira, 5 de dezembro de 2017

O "Café "MUG", em Trieste...



O jardim Attilio Hortis fica muito perto do Museo Revoltella e da via Armando Diaz onde estivemos um mês neste Outono. Outono que teimou este ano em não existir: foi como saltássemos da Primavera - uma primavera quente - para o Inverno.
O Jardim Hortis – na Piazza do mesmo nome - é um sítio muito agradável, não muito longe da Marginal que corre ao longo das águas do Golfo. 
É um espaço quadrado entre quatro ruas, com árvores centenárias e tem uma frequência especialmente de crianças e de mães de crianças. Pais e avós também. Talvez pelo lindo Parque Infantil que ocupa boa espaço do jardim.
Tinha um baloiço que era sensacional e o maior centro da atracção da miudagem. Parecia um tapete voador e cabiam lá, sentados ou mesmo deitados, três ou quatro pequenitos. Cá fora, outras daquelas criaturas minúsculas empurravam, com força impressionante. E o baloiço ia, vinha, subia, acelerava e parava.
Muitos andavam a trepar por umas cordas, ou a descer no escorrega. Havia risos, empurrões, quedas, choros mas sem gravidade. As mães e pais sentavam-se nos bancos de madeira e ferro que estavam espalhados pelo jardim. Conversavam, liam o jornal e de vez em quando aproximavam-se do baloiço ou do escorrega, a ver o que se passava.
o escorrega...
O frio chegara a Trieste e distinguiam-se as cores variadas dos barretes da miudagem e das mães com os blusões forrados e capuzes na cabeça.
Pelo Jardim Hortis, passavam também os alunos das escolas e os estudantes da Faculdade de Letras e de Arquitectura, não muito longe do Palazzo Revoltella onde está instalado o Museu de Trieste.
o Jardim Hortis e o Café "MUG"
Em grupos barulhentos, abraçados aos livros, de mochilas às costas, pareciam pássaros libertos de alguma gaiola. Elas, de cabelos soltos, ou em tranças, ou atados no alto da cabeça, traziam também gorros com um pompom no alto e seguiam para o Café Mug.

Entravam a esfregar as mãos do frio que ficara lá fora. O problema é que o café estava quase sempre cheio! Esperavam em pé, a conversar ao pé da porta ou diante do balcão. Outros sentavam-se lá atrás em bancos altos onde havia uma espécie de prateleira, de madeira corrida, com fichas na parede para ligar os computadores; e jornais e revistas para quem quisesse ler. Havia sempre uma exposição de fotografias dos alunos do Curso de Fotografia.
O Café era um espaço amplo, com boas mesas e cadeiras e, no fundo da sala, um divã e duas poltronas, com uma mesa baixa, e era onde se sentavam muitas vezes as mães e os meninos. 
De vez em quando, chegava alguém puxando a trela do cão. Havia muitos cães em Trieste e o acesso era-lhes sempre permitido. Um cartaz colado nos vidros mostrava o convite: “Sieti i benvenuti” (bem vindos!) com a figura de um cão desenhado em tons de verdes.
Foi no “Mug”, que conheci o Tommy e a sua dona, a Claudia. Tudo por causa do Tommy que era o cão mais simpático e civilizado do mundo. Já não muito novo, é lindo e educado. Ela sentava-se, tirava o casaco, o cachecol e o barrete, pousava tudo na cadeira ao lado e pedia  logo “un capo”. 

O “capo” é o capuccino piccolo em Trieste. Há o “capo”, em chávenas pequeninas como as do café, ou num copo. Pode levar uma colher de “panna” (natas batidas com açúcar) por cima, ou num copinho ao lado.
A Claudia começava a abrir e a mexer nos livros ou a escrever num caderno, sempre com um ar atarefado e um sorriso divertido. Olhava em volta e, quase sem ver mais nada, embrenhava-se no seu trabalho. Ou pegava no smartphone e tocava rapidamente nas teclas, sorrindo para si.
Metemos conversa por causa do Tommy. Perguntei se podia tirar-lhe uma fotografia. Disse que sim, claro, e estabeleceu-se uma breve conversa. Voltámos a ver-nos várias vezes no café, ou nos bancos da via Cavana, muito cómodos para quem se cansa a andar tanto. Trieste é uma cidade plana, com bom piso, onde se caminham quilómetros sem dar por isso. Felizmente há sempre um banquinho aqui e ali, para nos descansarmos.
Ela dizia que tinha curiosidade de conhecer Lisboa e que talvez viesse um dia a Portugal com o Tommy. 
Sem o Tommy não vou viajar a lado nenhum. É o meu companheiro e estamos sempre juntos. Arranjamos um carro velho e vamos!”
O bairro Cavana tem tantas coisas que é difícil enumerá-las. Há tantos lugares agradáveis. Ali perto fica o "Chocolat", onde cá fora, na grande mesa de madeira, nos sentamos a beber um chocolate 'piccolo' extraordinário.
O “Mug” é um pormenor. Um pormenor muito importante, porém!
Uma das coisas que me divertiram à chegada ao Café foi o quadro preto na parede do lado esquerdo da entrada, por detrás do balcão. Sim, um quadro preto como nas escolas, com giz e tudo. E vi escrito, entre muitos outros bolos, o nome “pastel de nata”, em português.
Fotografia roubada da página FB do“Mug”

E assim começou a minha conversa com a Alessia Cicin uma das quatro jovens que dirigem e trabalham no “Mug”. Ao ver o meu espanto, riu-se: “sim, são pastéis de nata”. Contei-lhe que era portuguesa. Disse, com naturalidade: “são iguais aos portugueses”. Sim, no gosto, mas tinham um formato muito especial: em vez de redondos eram quadrados e com um bico em cada canto.

Fui lendo o que estava no quadro, sentada na mesa, à espera do meu “capo” triestino. Chamava-se: “Bakery Mug” e a verdade é que se viam por toda a parte canecas (mugs) e se bebia chá quente - além do cappuccino, o café ristretto ou o chocolate quente, mais comuns nos outros cafés da cidade. E os bolos eram variados e muito bons. Os "begel" também!
 Logo de manhã e nos intervalos das aulas, as mesas tinham umas grandes canecas que vinham com um bule de chá individual. Em redor do balcão havia muitas chávenas e bules de cerâmica e chávenas iguais e caixas de chá de todos os tipos, para venda. Faziam uns embrulhos lindos quando alguém queria comprar uma prenda diferente.
 Alessia, foto do seu FB

A Alessia é uma perfeccionista e tem uma atitude, ao movimentar-se,  que lhe  dá uma leveza extrema: as costas bem direitas, com uma ligeira inclinação para trás, como têm certas bailarinas. Um dia disse-me que não fizera ballet, mas, sim, muitos anos de ginástica artística.
Outra particularidade inglesa do “Mug”: aos domingos serviam, das 10 da manhã às duas da tarde, um “english breakfast” perfeito, “pancakes with jam” e “eggs and bacon”. Ainda lá “almoçámos” o english breakfast nutritivo.
Percebia-se que alguém que conhecera bem a Inglaterra fora até Lisboa e trouxera, no bolso, a receita dos “pastéis de nata”…

Continuando a minha descrição, havia na parede que continuava o balcão e ia até ao canto dos sofás, uma pequena estante-biblioteca organizada, com cerca de trinta livros, para trazermos emprestados ou alugados – não cheguei a perguntar.
Eu viajo sempre cheia de livros e aproveito sempre para comprar mais uns! 
Hoje fico por aqui, mas ainda há muitas coisas a contar do Café Mug e dos outros – que são muitos.
Ou não fosse Trieste a cidade do café especial, o Ílly, que é uma das riquezas de Trieste.

E de tantos outros Cafés onde se passam momentos inesquecíveis!
***
(1) Humanista e patriota, Attilio Hortis nasceu em Trieste em 1850. Aluno brilhante foi depois licenciar-se em Direito e Letras em Pádua. Teve um futuro brilhante e é uma das figuras importantes da cidade. No centro do jardim está o seu busto em mármore esculpido por G. Mayer.

 (2) Foi o húngaro Francesco Illy que, chegado a Trieste depois da I Guerra Mundial, concluído um curso de Economia em Timisoara, na sua terra, trabalhara em Viena. Em Trieste, decide fundar o Illycafé.
Cacau e café chegam de toda a parte do mundo ao porto de Trieste. Resta escolher, fazer os lotes, torrar, moer. Em 1933, Illy inventa a Illetta, a avó da primeira máquina de café expresso. O filho licenciado em Química, vai continuar o seu trabalho, e melhorar a qualidade. Em Trieste, o Illy é uma espécie de diamante nacional!

4 comentários:

  1. Adorei! Foi como estar lá a visualizar tudo!
    Lindo cão!

    Beijinhos e venham mais histórias giras!

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  2. No coração duma bela cidade, que é onde melhor se toma o pulso à movida diária. Eu sempre gostei de fazer "vida de centro" mas levo já 20 anos retirada, habituei-me a outros prazeres, que remédio. Vais adorar passear por S. Francisco!! Já contarás o que por aí vivas e observes. Beijinhos geladinhos

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  3. Pela descrição e pelas fotografias, o cafè "MUG" parece ser um local simpático, alegre e com muita vida! Já para não falar do fabuloso café e outras tentações gastronómicas!
    Beijinhos.:))

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  4. Ahhhh os cafés, quanta magia há nos cafés. Na Argentina, assim como na Itália, os cafés fazem parte importante da vida, especialmente, em Buenos Aires. Mesas sempre ocupadas e neles, nos cafés, a vida acontece. Amores, negócios, celebrações, beijos, acenos para os conhecidos que do lado de fora passam...
    Eu adoro os cafés e adoro um ristretto. E licor! Adoro!
    Caffé e liquore, matrimônio perfetto :)

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