segunda-feira, 11 de dezembro de 2017

Os livros, o correio da Piazza Verdi ...e a signora Anunziata!

Eu viajo sempre carregada de livros e, claro, onde quer que vou aproveito sempre para comprar mais uns.
De tal modo que, em Trieste, uma semana antes de voltar para casa, vou aos correios da Piazza Verdi despachar  uns embrulhos de formato gigante para a minha casa de São João.
 Livraria Ubik
 A estação dos correios fica perto da Livraria Ubik, um lugar cheio de luz, de novidades, dos últimos livros e das reedições dos livros eternos da literatura de Trieste. 


De "Un anno di scuola" de Giannni Stuparich, ou de Bobi Bazlen, aos recentes "Instantanei", de Claudio Magris.
Dos livros de Giorgio Voghera sobre os anos da Psícanálise em Trieste,  e dos geniais irmãos Singer às reedições em formato de bolso de Dostoievsky ou Stendhal até Stefan Zweig, ou as viagens e os lugares de Ian Morris.
Ytzaac Bashevis e a "Shosha" figura inesquecível, ou o irmão Ytzaac, Israel Singer, ambos judeus fugidos da Polónia refugiaram-se na América.  Bashevis Singer é um contador de histórias inesgotáveis, de situações humanas em que o Além anda por cá e os dibuks infernizam o mundo dos homens, intrometendo-se e fazendo partidas, trocando os objectos do sítio, enfim! De Scipio Slataper, Gainni Stuparich a Elody Oblath que encheram a Trieste do início do século

Ora foi nos Correios da Piazza Verdi que encontrei uma mulher fabulosa, a signora Annunziata que já conhecia do ano passado.
Reconheceu-me porque aposto que ninguém mais mandou do correio da Piazza Verdi a quantidade de livros para Portugal que eu mandara no ano passado e ali estava eu outra vez com dois sacos pesadíssimos.
Anunziata é um nome muito característico do Sul da Itália, e notava-se um pouco na maneira de falar. Em Itália, há muitos modos de falar ou entoações que diferenciam os originários do Norte ou do Sul, dialectos e falares vários e cadências muito marcados: um napolitano não entende um veneziano por exemplo e vice-versa.
As gentes do Sul, dizem, são mais abertas e comunicativas. Não sei bem. São sempre atenciosas - depois de perceberem que não estamos ali para as ofender. Há uma desconfiança inicial mas tudo se resolve com um sorriso e duas palavras. 
Como os outros, no fim e ao cabo. Como dizem os italianos “tutto il mondo é paese”. Por grandes que sejam os países ou as cidades, todos acabamos por ser iguais aos das pequena aldeias…
Provavelmente um veneziano não entende um genovês (nem está interessado nisso) apesar de estarem a relativamente poucos quilómetros de distância. Para não falarmos do fiorentino que esse não entende ninguém.
 E sem esquecer o “romanesco” – de Roma, claro- que todos sabemos de onde vêm mas não entendemos nada do que eles dizem quando decidem falar “romanesco”, cerrado e duro, com gestos de mãos que não há por ali, em Trieste.
Falei delicadamente com a signora Annunziata – que depois me contou que, de facto, era da Sicília, de Cefalu. Ela que, pelos vistos, recordava a cena do ano passado, sorriu-me e perguntou: “é para Portugal não é?”
O tom ríspido e um pouco seco com que tinha atendido clientes antes de mim e o ar de “não dar confiança a ninguém”, desapareceram.
Penso que o pessoal que tem de atender o público, horas seguidas, ouvir protestos, impaciências, tem de criar uma certa forma de distância, que é uma defesa. 
Porque, se o comum dos mortais se queixa de quem está a atender nas lojas, nas repartições e etc -  a verdade é que os “mortais” que estão do lado de lá do balcão, ou da mesa, têm um trabalho infernal e também devem queixar-se. Trabalho monótono, repetitivo, aborrecido muitas vezes. Esgotante, sempre. E nem sempre se pensa no "espírito do Natal" quando ele vem longe...
Bem, mas não era este o meu propósito: falar das relações entre dum lado profissionais do atendimento e do “consumidores”, utentes e etc.
 A signora Annunziata ajudou-me a escolher o modo mais económico para mandar aqueles quilos dos embrulhos! Era uma caixa grande mais dois envelopes enormes. 

Foi à arrecadação, várias vezes, para escolher o que ela entendia ser a caixa mais leve e o preço mais “económico” para mim. Não valia a pena mandar por “correio expresso” – disse ela- porque seria uma grande diferença no preço e uma vez não tinha urgência, pois ficava uns dias em Trieste, mais valia que a encomenda andasse por aí a viajar calmamente até eu chegar a casa. 


De facto…os embrulhos chegaram uns quinze dias depois de eu voltar.
Ah! Mas foi uma ideia sublime essa de mandar pelo correio o que me pesava – e nem cabia na mala. Ideia que me salvou as costas - e ter de lutar com as outra maletas antes de regressar…
A vida é feita de muitas histórias, e momentos aparentemente insignificantes. O que é certo é que, durante aquela pequena conversa entre nós, houve uma comunicação de simpatia. Não sei quantas pessoas estavam na fila atrás de mim. 
Sei que foi um prazer para as duas aquelas poucas palavras no meio de tantas ideias para simplificar a minha viagem de regresso!
Correios, Piazza Verdi, Anunziata, sim, Verdi. 
Ah! "Va, pensiero"... 
Tão bonita que é esta ária de Giuseppe Verdi!
Sorrio a recordar. 

Boas Festas de Natal, signora Annunziata!



6 comentários:

  1. Gostei muito da leitura. Identifico-me...quando vou a algum sítio (apenas em Portugal, porque não viajo para o estrangeiro) venho carregada de livros e afins. Isso de mandar pelos correios, é mesmo uma boa ideia!

    Beijinhos e uma boa semana:)

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  2. Amiga Maria João,
    Curioso, pois também eu já fiz o mesmo: enviar livros pelo correio, para me aliviar as costas e não regressar tão carregada. Aliás, era humanamente impossível...:))
    Depois, como as quantidades eram cada vez maiores, comecei a contratar transportadoras! E dava um prazer imenso, embalar tudo. E quando chegavam ao Porto, era com alegria e ansiedade que abria as caixas todas e voltava a deliciar-me com os livros que tinha comprado!
    Quanto a queixar-nos do atendimento, muitas vezes depende de nós que este seja melhor. Por vezes basta um sorriso, um cumprimento...
    Como são bonitos todos esses momentos passados em Trieste!
    Um abraço.:))

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  3. Saudações Mrs Falcão e uma vez mais receba meu eterno abraço alem mais. Outro sim meu desejo de boas festas, renovo de promessas e muita paz em sua vida, família e amigos. Meu coração caminha contigo - Namastê

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  4. Chamar-se Annunziata já predispõe a imaginar uma pessoa redondinha, comunicativa, amável e de sorriso fácil. Pessoas assim detrás duma caixa(?) são um tesouro, e mais quando a gente está deslocada do que é o nosso ambiente habitual. Sei por experiência que é muito gratificante e se agradece sempre. Beijocas

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  5. Grato uma vez mais pela partilha
    Tudo pelo melhor
    Bj
    meu

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