Irene Lisboa apreciava-o e escreveu sobre ele.
'Num
dia soturno como este, Fernando Pessoa que se tem lido – ontem e há mais tempo,
que se leu disperso e reunido, e até com vário interesse – acompanha-nos
perfeitamente. (pg. 129).
Ele é mais solitário ainda que a solidão, que toda a ausência e todo o abstraimento…'
Ele é mais solitário ainda que a solidão, que toda a ausência e todo o abstraimento…'
(1888-1935)
Di-lo
ela, não eu, apesar de o dia de hoje estar igualmente soturno, chuvoso, com uma
chuvinha que vai e vem e entristece.
Também para mim, Fernando Pessoa é acima de tudo o grande solitário, melancólico, (fina e subtil a sua melancolia) ausente, alheio, de passagem - mais solitário ainda que a solidão...
Vejo-o sempre em fuga, em perseguição de algo inatingível por aqui, sem um lugar de seu...
Como Irene bem o define: "um amador amargo dos seus sonhos sem esteio.'
Releio o livro “Apontamentos” (1) de Irene Lisboa e dele voltarei a falar mais vezes, pois é um livro muito rico e especial. Encanta-me a linguagem simples, directa, o modo que tem de exprimir o que sente ou o que pensa esta mulher invulgar.
Também para mim, Fernando Pessoa é acima de tudo o grande solitário, melancólico, (fina e subtil a sua melancolia) ausente, alheio, de passagem - mais solitário ainda que a solidão...
Vejo-o sempre em fuga, em perseguição de algo inatingível por aqui, sem um lugar de seu...
Como Irene bem o define: "um amador amargo dos seus sonhos sem esteio.'
Releio o livro “Apontamentos” (1) de Irene Lisboa e dele voltarei a falar mais vezes, pois é um livro muito rico e especial. Encanta-me a linguagem simples, directa, o modo que tem de exprimir o que sente ou o que pensa esta mulher invulgar.
Sobre
Fernando Pessoa, a páginas tantas, escreve:
“É um poeta sofredor e orgulhoso, desviado
daquilo que o rodeia, extraordinariamente mental, confinado em pensamentos e
sensações tão complexas e exaustivas! É um narcisista elevado, um amador amargo
dos seus sonhos sem esteio, da existência das suas irrealidades.”
E
a escritora pergunta-se:
“Como teria ele vivido?
Como se fez ele?
Quem ou o que é que o tornou
aquilo que foi?
a mãe de Pessoa
Cada um é tanto o que nasce como
o que o fazem!” - responde ela. (pg. 130)
Fernando Pessoa, depois da morte do pai
Pessoa, em Durban, com a irmã, e a 'nova família' de sua mãe
Enquanto
vai lendo Pessoa, ela vai anotando:
“Pessoa, a diafaneidade. O seu mar e
Oriente…elegância criada, de espírito. Coisa que se perdeu, qualquer coisa
alígera que se apanha em sentido. Lêem-se as frases, soltas; depois o seu
brusco sentido, claro.
...
Oh! Tão fina e subtil a sua
melancolia… E o que os outros pretendem tirar dela? Desenvolvido,
racionalizado, estúpido. (…)
em fuga...
em fuga...
E a autora escreve, adiante:
Irene Lisboa
“É um poeta que sente, mas que desdobra,
centuplica e rarefaz todas as suas sensações… deixa-nos cheios e penetrados
delas.
E tão duvidosos!
(...)
O
seu sorriso audível das folhas… Um
poema quase de esperança.
Mas não também de incerteza e de receio?
"Tudo é vento e disfarçar."
Pouco? Muito? Que importa?
Mas não também de incerteza e de receio?
"Tudo é vento e disfarçar."
Pouco? Muito? Que importa?
"Claro;
imagético e claro" – diz Irene Lisboa.
Vem
uma flor, como uma coisa móvel, que vibrasse, escondida e ele diz: Oiço como se o cheiro das flores
me acordasse…
E
logo continua Irene:
"Impalpável lembrança, sorriso de
ninguém. (...) Quantos poemas sobre o que não existe, sobre
o que de leve existe.”
Fernando Pessoa, em Durban
E
continua a poetiza: “a
afinidade que se procura com este poeta é quase inacessível, alta, muito alta.
Ele sonha, conhece, afirma-se,
nega-se? É mental, fugido, expatriado, reconduzido permanentemente a si
próprio?
“Tanta abstracção, tanta reserva,
tanto amor disperso e despersonalizado.”
Não
concluindo, porque nada há a concluir sobre um poeta, que nunca será entendido
completamente, diz: “Pessoa escreveu como
quis. Foi o rei do seu reino de palavras e de imagens. Que começo de poemas,
tão nobre sempre!”
"As coisas por ele divinizadas?", pergunta Irene Lisboa. Irene gosta de assinalar, interrogando (-se), o que acha essencial, neste seu "estudo" de poucas páginas.
E o encanto da água para ele, quando dela fala?
"Das coisas da terra parece-me que é a água a que ele mais belamente evoca. Tanta água vista, lembrada, tornada corpo do seu espírito." (pg. 135)
"A brisa, o lago mudo, os trémulos vincos risonhos na água adormecida."
E o encanto da água para ele, quando dela fala?
"Das coisas da terra parece-me que é a água a que ele mais belamente evoca. Tanta água vista, lembrada, tornada corpo do seu espírito." (pg. 135)
"A brisa, o lago mudo, os trémulos vincos risonhos na água adormecida."
...
'Onda que, enrolada, tornas, pequena ao mar que te trouxe'.
...
'Onda que, enrolada, tornas, pequena ao mar que te trouxe'.
...
‘Vou vendo o que o rio faz quando o rio não faz nada’…
Anjo Musicante, de Melozzo da Forlì
Música? Companhia? Regresso a alguma coisa? Irene Lisboa acrescenta as recordações que lhe trazem estes versos de Pessoa: "Lembra-me a mim os meu gostos infantis, a minha exaltação pueril à borda dos ribeiros. Como o correr da água me despertava o espírito poético e me prendia.” (pg.133)
“Pobre
amor, o seu amor. Sem par, os seus poemas levíssimos", quando escreve:
'Tudo isto é nada e cessa o teu canto!”
'Tudo isto é nada e cessa o teu canto!”
"E os poemas dele impressionantes, dolorosos", acrescenta Irene Lisboa, citando:
“Doo-me até onde penso. Que eu
não sinta o coração! Meu sonho conduz minha inatenção. Gastei tudo que não
tinha”.
Para
mim, foi uma enorme ajuda e um prazer para o espírito ler o que Irene Lisboa
tinha a dizer de seu – porque ela é
sempre autêntica, profunda e séria no que diz dos outros - sobre Fernando
Pessoa: a sensibilidade dolorosa e profunda de Irene muito tinha a entender, a poder
ir ao fundo dum poeta de difícil e vário entendimento, de sensibilidade delicada -sonhador e racional - como o foi Pessoa.
(1)Irene Lisboa, Apontamentos, “Gráfica Lisbonense”, Lisboa,
Abril de 1943, (capítulo: "De Setembro 1942 a Fevereiro de 1943"). Irene Lisboa nasce a 25 de Dezembro de 1892. Morre em 25 de Novembro de 1958
(2)“alígera”, de alado, com asas, que voa.