Sempre
que há alguma alteração dos hábitos em casa, “eles” sentem-se esquecidos. Mal
amados.
“Eles”... já todos sabem a quem me refiro: o Ratinho e o Ouricinho. Não
me atrevo a dizer o mesmo da gatinha Japonesa porque ela tem uma cultura
diferente e reage de forma mais calma, meditada, sem impulsos incontrolados.
Mas
eles!... São logo os seres mais infelizes do mundo. Vão-se pôr à janela de costas, a fingir que estão a comentar o tempo. Não entendem por que os deixo e me
preocupo com coisas que a mim interessam e a eles talvez não.
-
E nós? Não te interessamos? Ou é o
Facebook, ou é o teu livro! Não nos dás atenção. Tens sempre uma razão
para nos abandonares.
Ai,
Ratinho poeta, meu mimoso, sofres sempre com todas as coisas. Serás tu um
masoquista encoberto?, pensei. Pois é, foi o meu livro... Andei distraída...
E,
claro, o Ouricinho - que é, de natureza, um brincalhão bem disposto – nestas
alturas alinha logo com o protesto do outro e vai atrás do Ratinho, com cenas de
amuos para mim.
-
Agora que o publicaste bem podes ficar sentada ao pé de nós. A falar connosco.
A fazer-nos companhia.
-
Sentada a fazer o quê, Ouricinho? Por quê sentada? Eu gosto de andar, de me mexer, mas nunca me esqueço de
vocês.
Parei
para arranjar fôlego e dizer o que eles precisavam de ouvir:
-
A verdade é que as pessoas têm a sua vida própria, que é feita de muitas coisas
diferentes, variados interesses e cada um tem os seus... o que não impede que
se continue a amar os amigos.
-
Que coisas são essas tão importantes que passam à frente dos amigos?, era o
Ratinho.
-
Não passam nunca à frente. O vosso erro é pensar que um interesse apaga o
outro. Os amigos como vocês estão sempre no meu coração.
-
Como no filme, não? “Allways in my
heart”. Conversas!, resmungou o Ratinho.
É tão complicado este Ratinho quando se trata de se sentir menosprezado por mim - ou quando pensa
que não o oiço com atenção.
-
Ratinho querido, tu és muito egocêntrico!
O
Ouricinho perguntou curioso:
-
O que é egocêntrico, Jana? Nunca ouvi...
-
Olha, Ouricinho, egocêntrico é aquele que se considera o centro de mundo, o
mais importante de todos. O seu “ego” – “ego” que é o mesmo que “eu” - quer
abarcar as atenções, o amor, a amizade.
- Assim como um narcisista?, perguntou, com um sorriso malandro, a gatinha japonesa.
-
Uma espécie de narcisista, sim. Que se ama a si. Que ama a sua imagem, a imagem
que tem de si. E não gosta de ser contrariado. Quer que tudo gire à volta dele:
estar no centro da existência de todos!
O Ratinho zanga-se.
-
Eu não sou esse monstro! Fazes uma caricatura muito feia de mim... E tu, gatinha, está calada! Já te tenho visto a olhar para o espelho muitas vezes!
Acalmou um pouco e disse, mais baixinho:
- Claro que
gosto que me dêem atenção, mas quem não gosta?! Até tu, Jana! Estavas sempre a falar
do teu livro! E. depois, não te calavas com a apresentação...
Envergonhada,
porque ele tinha razão, defendi-me:
-
Sim, todo gostamos um bocadinho, mas se exagerarmos, podemos ser desagradáveis
para os outros que estão à nossa volta.
Senti-me
estúpida por estar a fazer aquele retrato inútil e um tanto injusto do Ratinho.
Gosta de ser o centro, sim, mas é generoso. Fala mais porque estudou mais do
que os amigos, sabe mais e quer ensiná-los...
Acrescentei, com doçura, fazendo uma festinha na cabeça do meu amigo:
-
Tu não exageras nunca, está descansado! E sabes muitas coisas.
Riu-se. O Ouricinho saltitava à minha volta, a caminho da varanda.
- Vamos ver as flores novas!
Dentro de casa, tenho uns jacintos cor de rosa magníficos que me ofereceu a Gui! Mas eles queriam ir à varanda...
- Vamos ver as flores novas!
Dentro de casa, tenho uns jacintos cor de rosa magníficos que me ofereceu a Gui! Mas eles queriam ir à varanda...
E a beleza pode atrair o narcisismo e eles, os meus amigos, são belos e, felizmente, são jovens e não guardam ressentimentos contra ninguém. A tristeza depressa desaparece
quando tudo volta ao “normal”, todos juntos e a falar de tudo. E
de si próprios. Acontece a todos...
Pelo
canto da janela da sala, afastando o cortinado, posso espreitar um pouco da
varanda.
E sei que estão lá umas flores novas, uns jacintos azuis, lindos, que a Gui me ofereceu há dias e cresceram cheios de força. A beleza, sempre a beleza...
E sei que estão lá umas flores novas, uns jacintos azuis, lindos, que a Gui me ofereceu há dias e cresceram cheios de força. A beleza, sempre a beleza...