"Sartine", no Molo Audace(MJF)
Sempre a vontade de recordar. Voltar sempre ao mesmo sítio pode ter os
seus inconvenientes.
Terá…mas, por enquanto, para mim é como chegar a uma casa minha também: sempre o mesmo appart-hotel, no mesmo andar, o 9º, o mesmo quarto com a vista especial sobre o Golfo e parte da montanha do Carso.
Terá…mas, por enquanto, para mim é como chegar a uma casa minha também: sempre o mesmo appart-hotel, no mesmo andar, o 9º, o mesmo quarto com a vista especial sobre o Golfo e parte da montanha do Carso.
vista da minha janela (foto MJF)
E o mar de dia para dia e de hora para hora diferente nas suas
diversas fases: do nascer da manhã aos pores do sol. E os barcos variados que aproam ao porto.
Este
ano, juntou-se outro “aspecto” que seria talvez bem dispensável: os grandes
barcos que chegam ao porto carregados de turistas. Apesar de não gostar, acabo por me divertir: acordar e ver os
barcos de manhãzinha quase a quererem entrar pela janela! (foto MJF)
a "barcolana" (MJF)
Surgem por detrás dos telhados vermelhos mesmo à frente da janela do quarto. A estrutura branca recorta-se nítida no céu, ora azul, ora cor
de chumbo –pois neste Outono o tempo foi particularmente incerto - e é como um mundo novo dentro
da cidade.
Imagino
os passageiros como formigas a subirem e a descerem em grande actividade, mas
quando fui ver o barco de perto, não está lá ninguém – só a brancura do barco fantasma, enorme e com uma risca azul.
De
noite, tudo muda. São luzes a brilhar, janelinhas sem fim, correntes de ferro,
o radar em cima iluminado, e uma espécie de farol que gira e gira. Senti-me “infantil”
como quando ia ver o Circo na Praça do Rossio da minha terra.
(foto MJF)
Houve
um dia em que o nevoeiro surgiu, intenso, ao cair da noite. Da janela, vi adensar-se aquela
mancha branca que parecia de algodão leve e transparente que como uma mão enorme envolveu a
cidade e desceu sobre o mar.
O barco dos turistas foi desaparecendo, pouco a pouco, na bruma
até ficar tudo branco à frente dos meus olhos. Mal se divisavam os prédios do
outro lado da rua. E, tal como veio, se foi. A primeira coisa a aparecer foram os mastros do barco, e seus picos embandeirados.
E subitamente uma luz azul forte no céu, com os riscos de cor rosada do pôr-do-sol, deu um ar misterioso à cidade. As luzes tinham-se acendido e tudo mudara.
Piazza dell'Unità na noite (MJF)
E subitamente uma luz azul forte no céu, com os riscos de cor rosada do pôr-do-sol, deu um ar misterioso à cidade. As luzes tinham-se acendido e tudo mudara.
O barco felizmente vinha só uma vez por semana e, nas últimas semanas de frio e de "bora" -que tornava as águas do Golfo perigosas- deixaram de vir.
Mas os turistas do barco quase não se vêem passar pela cidade. Ficam, apenas, pela Piazza dell’Unità, ou na esplanada do “Caffè Degli
Specchi".
O Café fica mais cheio de gentes, de risos e de conversas. E os empregados que eu conheço e são amigos, todos correm dum lado para o outro, carregados de bandejas.
“Caffè Degli Specchi" (MJF)
estatueta de James Joyce, “Caffè Degli Specchi" (MJF)
O Café fica mais cheio de gentes, de risos e de conversas. E os empregados que eu conheço e são amigos, todos correm dum lado para o outro, carregados de bandejas.
(MJF)
E
vejo as minhas amigas a Amarilda ou a Halima e a Fiore agitarem-se sem poder parar: “Ciao, Maria” –dizem, e eu fujo
para uma zona mais tranquila. As minhas amigas vêm de fora. Uma vem de Marrocos, a outra dos Camarões e a outra é última é albanesa.
Costumamos falar as duas de Kadaré, o único escritor albanês que conheço, um bom escritor! Falávamos dos "Tambores da Chuva" que ambas tínhamos lido.
Costumamos falar as duas de Kadaré, o único escritor albanês que conheço, um bom escritor! Falávamos dos "Tambores da Chuva" que ambas tínhamos lido.
Borgo Cavana (MJF)
Deixo a Piazza com os seus turistas e busco refúgio noutra parte longe do centro. Tanto pode ser o borgo Cavana, no Caffè Life, ou MUG, como ir até ao Canale Grande.
(MJF)
Na zona do Canale Grande,
refugio-me no Caffè Stella Polare onde,
há muitos anos – muitos mesmo - conheci uma pessoa que me
impressionou muito. Já falei dele – o escritor Giorgio Voghera- e dele falarei em breve
outra vez.
Caffè Libreria San Marco (MJF)
Ou, mais longe, no Caffè Libreria San Marco, onde além dum café especial ou dum cappuccino - que em triestino se chama "capo" - posso andar à procura de livros, ver quadros, exposições temporárias, um Café de Cultura completo!
Desta vez, fico-me pelos cafés – a verdade é que, em Trieste, passo grande parte do tempo neles.
Também, claro, a passear no Molo Audace,
ao fim da tarde, para ver as duas meninas, as “sartine”, a costurarem as bandeiras da libertação de
Itália.
Ou ir até ao Canale e ao Ponte Rosso cumprimentar o James Joyce que por ali anda a todas as horas. Ver o maravilhoso pôr do sol no mar que fica mesmo ao fundo do Canale. (foto MJF)
Caffè Libreria San Marco (MJF)
Desta vez, fico-me pelos cafés – a verdade é que, em Trieste, passo grande parte do tempo neles.
o Molo Audace ao entardecer (MJF)
Ou ir até ao Canale e ao Ponte Rosso cumprimentar o James Joyce que por ali anda a todas as horas. Ver o maravilhoso pôr do sol no mar que fica mesmo ao fundo do Canale. (foto MJF)
James Joyce, (MJF)
Este
ano a nossa estadia coincidiu com a data dos cem anos da libertação de Itália, no final da
Primeira Guerra, com o desaparecimento Império Austro-húngaro a que Trieste pertencera
longos anos.
Caffè degli Specchi, (MJF)
Houve
festas, desfiles militares, reconstituições de momentos num infinito cortejo
que deu a volta às ruas até entrar, quase imperialmente, na Piazza dell’Unità, onde o aguardava o
Presidente da República Italiana, personagem de grande simpatia e seriedade.
Tocaram
o belo Hino de Mameli – que sempre me
comove. Os “bersagliere” entraram outra vez a tocar os seus
clarinetes, sempre a correr e com as penas negras e brilhantes dos capacetes, caídas para um
lado.
“bersagliere” (foto da internet)
A
quantidade e variedade de fardas coloridas, a beleza e riqueza delas impressionam.
Assisti também à passagem da guarda a cavalo, tendo à frente uma elegante jovem cavaleira italiana.
Caiu a noite e a festa continuou, mas a Praça ficou pouco a pouco silenciosa.
Caiu a noite e a festa continuou, mas a Praça ficou pouco a pouco silenciosa.
E o tempo foi passando, agora depressa de mais pois estava a chegar ao fim da viagem.
(foto da internet)
Voltámos a casa,
deixando para trás o vento que traria depressa a "bora", as árvores de Natal preparadas, grinaldas e estrelas penduradas,
de candeeiro a candeeiro, de janela a janela, ou de casa para casa, como no poema de Baudelaire.
Trieste na noite (MJF)
E lá ficou a Piazza de l'Unità, com as duas filas perfeitas de árvores
de Natal, cheias de luzes e mais luzes, os mercadinhos organizados debaixo dos arcos da
praça, para vender doces, brinquedos e recordações de Trieste.
"Voltaremos?", pergunto-me. Talvez sim. Talvez não. As imagens estão dentro de nós...
"Voltaremos?", pergunto-me. Talvez sim. Talvez não. As imagens estão dentro de nós...