A minha curiosidade durante a viagem era
enorme. Não conhecia a chamada África negra e entusiasmava-me a
descoberta que ia fazer. Ia entrar num continente desconhecido. De África conhecia o
Magrebe marroquino, do lado de lá do Mediterrâneo, aqui ao lado da Europa.
São Tomé era outra coisa.
África! Duas ilhas
situadas quase sobre a linha do Equador, lera uma vez numa
enciclopédia.
E o que era para mim o Equador? Estudara nos compêndios de Geografia que era "uma linha imaginária".
Coisas
que eu “imaginava”, pois, aventurosas. Tal como a constelação do Cruzeiro do Sul,
a mais importante do hemisfério Sul. E quantas vezes a vi, quantas noites passou quase por cima de mim -explicou-me o senhor Semedo.
Era Outubro. Deixara para trás um Outono tranquilo e fresco mas, quando o avião aterrou em São Tomé, a porta deslizou para o lado de repente e a noite entrou. Tão quente, tão negra e um calor tão pesado. Respirei esse ar e o cheiro da terra molhada.
Desci as escadas e atravessei
a pista com os outros passageiros e sem imaginar o que me esperava.
Era a estação das chuvas e, para mim, tudo era estranho: o calor
húmido, o perfume das flores de magnólia, os hibiscos de cores violentas, a
terra barrenta e gretada de onde parecia sair fumo.
Os cheiros eram intensos,
enjoativos, misturados. Cheiro a flores? A frutas? A
terra? A especiarias?
Ao aspirar os
cheiros desconhecidos sentia ao mesmo tempo na boca um gosto de canela e de cacau - com certeza uma sinestesia na
minha imaginação.
Era uma realidade diferente,
nova e ao mesmo tempo familiar. Os livros de aventuras
teriam ajudado a sentir essa forma de intimidade com aquele mundo?
Ia andando, a olhar para todos os lados, mas a noite era escura. Lá adiante ouvia-se um
barulho de vozes, de chamamentos, de risos. Era a multidão daqueles que
esperavam fora do aeroporto, acrescentada ao
entusiasmo dos que chegavam agora de Lisboa, carregados
de coisas que não havia em São Tomé.
Empurrando, esbracejando e procurando
apanhar as bagagens e os pacotes meio desfeitos, que dois empregados iam
amontoando lentamente numa carreta de madeira, os passageiros iam seguindo
em frente. E eu com eles. Esse à vontade, essa alegria iria encontrá-la noutros lugares quando comecei a conhecer a cidade.
Como, por exemplo, no mercadinho "Mundo já vê" que ficava perto da casa onde iríamos viver muitos anos e noutros lugares onde as pessoas se reuniam, falavam abertamente e comunicavam sem problemas com os que vinham de fora.
As malas desapareciam de
repente sugadas por braços invisíveis. Nada me espantava e deixava-me
levar. Sentia, porém, uma vaga irritação que não conseguia controlar.
Pensava : “Como é que
isto é possível esta confusão e esta agitação?!”
Mais tarde, quando já vivia na minha casa da rua Damão, rodeada de um jardim maravilhoso cheio de perfumes diferentes dos que conhecia e cores vivas - que o nosso jardineiro, o senhor Semedo, criara para nós, tive a possibilidade de conhecer bem essa gente de São Tomé.
Gente alegre, contemplativa, que andava levi-levi, mas que era agitada quando se tratava de alguma coisa que os entusiasmava ou desejavam, gente amiga e sempre disponível. Como foi a minha amiga Dáy que conheci com nove anos e deixei quando ela tinha feito os catorze.
Amigas para sempre - ainda hoje, apesar de estarmos em continentes tão diferentes. Tem filhas lindas e escrevemo-nos pelo Facebook, claro.
Na sala da aero-gare havia dois guichets,
um para passaportes e o outro para a inspecção sanitária. Todas as pessoas se
acotovelavam para chegarem mais depressa, de braços esticados e a agitarem os
passaportes e os livrinhos amarelos das vacinas.
Eu espreitava para todos os lados, curiosa, a
querer ver, a observar bem o que era a terra onde ia viver cinco anos. Dei por mim a sair pela porta e a empurrar como os
outros até chegar à rua.
Senti-me mal quando me vi
fora. O calor ardia na pele mesmo àquela hora tardia da noite. Parecia-me de repente que não era capaz de respirar. Na noite cálida sentia-me sufocar.
Um táxi esperava-nos para nos conduzir ao bairro residencial, de construção recente, onde
iríamos ficar até escolher uma casa para alugar.
E essa casa que tanto amei era linda e branca com uma barra azul como as casas do meu Alentejo - com a sua cerca de madeira e tantas árvores de frutas estranhas. Nessa casa onde o Manuel e eu vivemos com o nosso cão Zac iam fazer-me companhia pessoas inesquecíveis, como a Dáy, o senhor Semedo, a Milita. E muitos outros.
O carro avançava na
noite, balançando-se, procurando o caminho menos acidentado e eu virava-me para todos
os lados: havia de tudo: praia, rios e pântanos, árvores e muitas flores.
E antes de chegarmos à cidade vi pela primeira vez, como um milagre, a baía
de Ana Chaves na sua beleza invulgar. Era o lugar onde ia desembocar o rio Água Grande, majestoso entre as duas balaustradas brancas que o acompanhavam até ao mar.
Baía maravilhosa de cores que, naquela primeira noite da chegada, uma ponta de luar iluminava e desenhava arabescos nas cintilantes águas negras.
Fiquei
para sempre apaixonada pela baía. E infelizmente nunca consegui ter uma fotografia dela que a mostrasse tal como a vi.
Foram as primeiras imagens da terra onde iria encontrar pessoas com quem tanto aprendi e lugares que tanto me ensinaram e tantas saudades deixaram. E onde vivi cinco anos muito importantes da minha vida.
São Tomé, ilha perdida, quase na linha do Equador...
Lindo!
ResponderEliminarLeio-a sempre com tanto gosto. Sempre encontro algo novo.
Beijinhos e bom fim-de-semana:))
Nota-se que tens um curriculum interessante, muito enriquecedor e variado.
ResponderEliminarFeliz dia, aqui calor. Bjnhssss
Muito bonito, Maria João ❤️
ResponderEliminarMuito bonito, Maria João ❤️
ResponderEliminarLindo, o seu texto. Bom dia!
ResponderEliminarMuito obrigada, amigas, obrigada Margarida Elias também...
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