quinta-feira, 24 de junho de 2021

FALANDO DO ARTISTA E HUMANISTA ISRAELITA DANI KARAVAN

Morreu no passado 29 de Maio o artista e  escultor israelita Dani Karavan. Nasceu em 7 de Dezembro de 1930 em Telavive, filho de judeus vindos da Polónia nos princípios dos anos vinte, vive durante muitos anos num kibbutz de que é um dos fundadores em 1948.

Dani Karavan seguiu, provavelmente, a vocação do seu pai, pioneiro e arquitecto paisagista.  Jovem sabra (1), vai estudar pintura em Telavive e, depois, na Escola de Belas-Artes de Bézalel em Jerusalém. Ali estuda com vários pintores famosos, mas inclina-se para a escultura e arquitectura de espaços. 

 Em 1956, parte para Florença estudar durante um ano a arte  dos “frescos”. Prossegue a sua formação na Academia da Gallerie Chaumière, em Paris. Acabados as digressões e os estudos, decide instalar o seu atelier no kibboutz Harel de que fora um dos fundadores, em 1948. 

 
Nessa altura trabalha na coreografia de um ballet da bailarina Martha Graham, em Nova Iorque.

De regresso a Israel participa, na fundação da Companhia de Dança Batsheva, em Telavive, conhecida companhia de Ballet, criada em pela bailarina Martha Graham e pela Baronesa Batsheva Rotschild em 1964. 
 
É, ainda hoje,  uma das melhores companhias de dança do mundo - que tive a grande sorte de ver . 

Em 1966, com 36 anos, Karavan torna-se famoso em Israel pelo seu baixo-relevo que orna a parede da Knesset (2).

Nesse mesmo ano é escolhido para construir o monumento no deserto para comemorar a memória dos combatentes da “Brigada do Neguev” mortos em combate durante a guerra de 1948 (3). 



 

A propósito dessa obra, em entrevista para o Jerusalem Post, o artista explicou que a sua intenção era “criar um lugar onde cada um possa gostar de vir pelo prazer da descoberta do lugar e para que através da paisagem e da introspecção que esse suscita viver uma experiência. Quero que as crianças venham aqui brincar e que a memória se misture com a vida. (4)

Em 1976 é o artista escolhido para representar Israel na Biennale di Venezia. No ano seguinte é convidado para a Documenta de Cassel, espécie de Graal dos pioneiros da Arte contemporânea.

A partir deste momento, a UNESCO declara-o “Artista da Paz” e passa a ter muitas encomendas de obras. Muito considerado em Israel e no mundo, recebeu  em  1977  o “Israel Prize”. 

Em 1998 recebe o Praemium Imperiale, espécie de Prémio Nobel da arte concedido no Japão.

Jardim japonês, na floresta de Nara

Em França, de 1980 a 2008, imagina um passeio urbano de três quilómetros que atravessa a paisagem, chamado Axe Majeure,  em Cergy-Pontoise.

 Axe Majeure
 
As obras monumentais de Karavan são sempre respeitadoras da natureza e do ambiente - quer seja no deserto de Beersheva  em Israel quer na floresta de Nara no Japão. 

As suas obras ficam integradas nos lugares como se tivessem sempre pertencido ali. Na Alemanha vai construir o “Caminho dos direitos do homem”, em Nuremberga. 

 
O Caminho dos Direitos do Homem

Mais tarde, em Berlim Oriental, criará o "Memorial às Vítimas Ciganas, Sinti-ROM, do Holocausto" - vítimas tão esquecidas - iniciado em 1988 antes da queda do Muro de Berlim e continuado depois de 1989 a 2012. 


Fácil de reconhecer pela sua geometria singular, este monumento concebido no coração de Berlim, perto da porta de Brandeburgo, cria o artista um monumento recordando o massacre de 500.000 ciganos.

Memorial às Vítimas Ciganas

Em 2016, recebe um prémio na Catalunha, em Portbou, pela obra “Passages” (Passatges, em catalão), um "Memorial dedicado a Walter Benjamin" (5). 

Walter Benjamin

Não suportava a ideia de ser reenviado para a França sob o domínio nazi e entregue à Gestapo. Em 1994, Dani Karavan instala em redor do cemitério da cidade um dispositivo espacial em homenagem ao desaparecimento de Walter Benjamin.

Entrevistado nessa altura pela "Radio Sefarad" (6) quando em 2016 a sua obra é premiada, Dani Karavan mostra-se feliz e comovido ao mesmo tempo. Para ele as histórias de fronteiras, passagens e de fugas comovem-no e impressionam-no. Os que fogem como Walter Benjamin com medo de morrer. 

Walter Benjamin

Nessa entrevista recorda uma professora sua da Universidade que conhecera ainda o grande filósofo e lhes contara a vida desta personagem desesperada e da fuga e suicídio durante a Guerra de Espanha. O "Caudillo" Francisco Franco não permitia a entrada em Espanha dos fugitivos do regime nazi vigente em França.

Karavan quis deixar memória deste grande homem e do seu sofrimento como homem: o medo, a fronteira proibida, a morte. A "Passagem Fechada", sem fim, quando as “passagens” devem ser caminhos de paz. 

Quer integrar as obras no lugar onde aconteceram e na paisagem, na vegetação, na história, na informação que tem delas. 

 

Assim, em Portbou, Karavan respeita a envolvente vegetação e "imagina" como o escritor passaria naquele local à procura da fuga. Os visitantes vão descobrir apenas depois de um túnel um longo caminho branco que desce a pique até ao mar. 

Este humanista, próximo da esquerda israelita, tinha figurado em listas em posição não-elegível nas eleições de 1992 e 2015. E desesperava-se de ver o seu país enterrado num conflito sem fim, longe da Utopia na qual acreditavam os seus pais.

 
Instituto Weizman, Telavive, "Memorial do Holocausto"

Em 2018 confiava a sua opinião: “Esta política é oposta à tradição judaica que é a de defender as minorias. Acredito que existe uma solução, não bi-nacional, mas com dois países”.
 
Nos tempos do kibboutz tivera de lutar, era o único caminho a seguir. Agora  lutava pela paz e tolerância em vários movimentos. E as suas obras "abrem" caminhos.
The White Square (Kikar Levana),Gyvataim

Morreu num momento bem difícil do conflito em Israel que o preocupava, momento de grande tensão para a Paz que continuava a esperar ver chegar ao seu país.

 
The White Square (Kikar Levana)

Quis apenas "abrir" este mundo maravilhoso que foi - e continuará a ser- este mundo de Dani Karavan, o "artista da Paz", segundo a UNESCO.

 

 https://jeannebucherjaeger.com/artist/karavan-dani/

Deixo algumas sugestões de leitura. Vale a pena ver e aprender mais...

(1) “Sabra” é o judeu nascido já em Israel do nome do fruto “figo da índia” (sabra em hebraico). Significa que tem picos por fora para se defender, mas é doce por dentro.

(2) "Knesset" é o nome da Assembleia Israelita, situada em Jerusalém

(3) “Guerra de 1948-49” ou primeira guerra “árabe-israelita” como é conhecida, vencida por Israel.

(4) Jerusalem Post, jornal israelita muito popular, publicado em Jerusalém, de centro-direita.

(5) Walter Benjamin (1892-1940) filósofo, ensaísta, crítico literário e tradutor alemão, nasceu em Berlim. Deixou vasta obra literária. Contribuiu para a teoria estética, para o pensamento político, para a filosofia e para a história.

(6) "Radio Sefarad" ou rádio dos judeus espanhóis. De facto, "sefarad" (plural sefaradim) é o nome dado aos judeus da zona ocidental da Europa, os que foram expulsos de Portugal e de Espanha durante a Inquisição.

https://www.danikaravan.com/biography/

https://elpais.com/diario/2002/08/06/revistaverano/1028584801_850215.html

https://www.amazon.com/Larchitecture-inqui%C3%A9t%C3%A9e-par-loeuvre-dart/dp/2912261775

www.radiosefarad.com/dani-karavan-premiado-por-passatges-un-homenaje-a-walter-benjamin/


4 comentários:

  1. Não conhecia o artista e gostei das obras dele.
    Foi muito interessante esta leitura (como sempre!).
    Beijinhos e bom fim-de-semana:))

    ResponderEliminar
  2. Gostei de ler e de conhecer algumas das suas obras.
    Obrigada minha amiga. Bj

    ResponderEliminar
  3. Um grande homem e grande artista, me encanta a sua obra. Bom finde!

    ResponderEliminar
  4. Que maravilha! Não conhecia a obra dela e agora bem que gostaria de a ver pessoalmente. Bom dia!

    ResponderEliminar