Quero falar hoje de Tomaz de Figueiredo (1) romancista e contista português excepcional.
Albertina Fernandes que muito se interessou pela obra do autor escreveu, em 2013, "Tomaz de Figueiredo Ensaio Crítico-Biográfico" (2).
Na Dedicatória do citado Livro, a ensaísta cita uns versos de
Tomaz de Figueiredo sobre o seu amor à língua portuguesa.
"Ó minha Amada, ó Língua Portuguesa,
Roubaram-me de ti e de te beijar,
de seres a minha carne e o meu sangue.
(...)
Ó Língua Portuguesa, ó meu fantasma,
para o silêncio o nunca-mais da morte,
Muito de ti que ninguém mais sabia.” (Poesia I:174)
É ela ainda
que refere uma frase do escritor que condensa a sua estética literária e a sua
paixão pela nossa língua: “Harmónica,
plástica, policroma, sonora, assim a escrita busque o imponderável do
pensamento, o inefável do sentimento, o estertorar e o amar”.
Quero lembrar que Tomaz de Figueiredo existe e é um grande escritor, apesar de ninguém falar dele.
A verdade é que não se fala nada de ninguém. E tantos escritores extraordinários temos na nossa Literatura. Quem o conhece
ou quem o lê? Digo apenas que perde muito quem o não tiver lido.
Se “A Toca do Lobo” (1947) é o é o seu romance mais
famoso, a sua auto-biografia (3), Tomaz de Figueiredo é, porém e ainda, um
extraordinário artista do conto e um mestre da arte de escrever um português riquíssimo e puro.
E os seus contos? Vou-me referir apenas a alguns
deles, incluídos nos dois livros, "Vida de
Cão" e "A outra Cidade".
Em "Vida de Cão" descobri há muitos anos “O Muro Amarelo” que nunca esqueci. (4) É uma história
de sentimentos delicados, de um possível mas nunca realizado amor.
História da sua
juventude que o autor vai tentar "recuperar" anos mais tarde, na quinta onde existe ainda o tal muro amarelo. História real? Sonhada, afinal?
Sete anos mais tarde a recordação aproxima-se mais de
um sonho vivido em certa tarde de Outono em que avistara - ou sonhara, apenas?- uma menina sentada nesse
muro amarelo. Como "reviver" aquilo que não sabe se existiu?
“Naturalmente que tinha sonhado, mas deveria ter sido então sonho muito
firme, tão firme que lhe ficava enclavinhado nos sentidos: ilha de manhã de
nevoeiro a que jamais o pescador volta a abicar, da qual, até por vergonha nem
sequer fala conquanto siga a retina desesperadamente fiel à nascente que lá
descobriu.” (op.cit. pg
131)
Imaginara? Fora real essa visão? Tinham conversado mesmo? Ela tinha o cabelo separado em duas partes pelo risco e apanhado atrás. Vestia um vestido preto. Ou tinha apenas imaginado?
“Era aquele o
portal da casa da vila?! Mas não podia ser? E o muro amarelo onde tinha
ficado?! Esse muro amarelo?...” (op.cit.pg.134)
Sentimos dentro de nós a nostalgia dele, de um mundo
irrecuperável - o da infância e juventude - e, talvez também, a saudade do amor perdido.
Vida e morte e a passagem
entre uma e outra é o destino do humano. Muito se vive, se sofre, se ama, entre esses dois
momentos. E o que estará do lado de lá?
O Anjo da Vida, o 'Anjo musicante' de Rosso Fiorentino
“O Anjo da Morte, esse que tem de vir, é-nos
anunciado por uma suave música íntima e nada tem de assustador e de terrível,
pois de asas brancas, embora pela noite caminhe” - escreve Tomaz de Figueiredo em A
Outra Cidade" (5).
Seja o que for o "lado de lá" o poeta acredita que o fim será anunciado por uma música suave. E o Anjo terá umas asas
brancas.
Poderia lembrar outros contos cheios de humanidade, incluídos
igualmente no livro acima referido, "A Outra Cidade". Por exemplo, "Um senhor
triste", "Cova Funda", "Gente de Paz" ou “Histórias
de Bichos”.
Outras histórias da vida de pessoas simples, pelas ruas, em
cafés, nos bares ou mesmo nos transportes públicos como “Um senhor triste” têm
grande sensibilidade humana.
E a esperança onde fica? A esperança está em cada um de nós, mais
ou menos funda. O escritor dá-nos apenas a ideia da passagem
obrigatória pela vida. Esperando o dia em que “o Anjo da Morte, esse que tem de vir", nos anuncie o fim com uma suave música.
Quem o leu?, pergunto outra vez. Há uma tão grande poesia nos livros de Tomaz
de Figueiredo! Ternura e poesia, dor, cortados muitas vezes por uma ironia corrosiva. Recordações de outros tempos, de outras terras, de outras gentes, de outros amigos.
E vem a lembrança de Coimbra, dos anos de estudante. Coimbra um dia "revisitada" com um velho amigo. O que resta desses momentos de ouro?
“Caminhos da minha vida
Não serão os
desta rua
Mas só de
corpo, que a alma
Em Coimbra
continua.”
Teimosa e dolorosa fica a saudade daquilo que
passou um dia e não voltará mais.
"A que era de chegar, nunca chegou.
Passaram anos, passou a vida.
Talvez que haja caído, perdida,
Em braços de quem a não amou.” (6)
É importante ler Tomaz de Figueiredo. É um dever e
será sem dúvida um grande prazer.
Uma boa notícia é que as suas obras foram reeditadas a partir de 2003 na Imprensa Nacional Casa da Moeda (*). No entanto, é possível encontrá-lo nas 'livrarias de usados' online.
***
(1) Nasceu em Braga no dia 6 de Julho 1903 e morre em Lisboa
a 29 de Abril de 1970. Com poucos meses vai viver para Arcos de Valdevez. Estuda no Colégio Jesuíta em La Guardia, Galiza. Frequenta a Universidade de Coimbra.
(2) Albertina Fernandes nasceu em Arcos de Valdevez. Foi professora do ensino secundário. Licenciada em Filologia Românica, Mestre em Língua e Literatura Francesas e em Educação Artística ensinou durante muitos anos a disciplina de Português.
Em 2013 sai o seu livro intitulado “Tomaz
de Figueiredo Ensaio Crítico-Biográfico”, Ed. Calendário de Letras e apoio do Município de Ponte da Barca.
(3) “A Toca do Lobo” (1947), Prémio Eça de Queirós
em 1948
(4) "O lado de lá" (abertura do conto), A Outra Cidade, pg 187
(5)
"Vida de Cão - Novelas", Editorial Verbo, s/d (1970),
pgs 131, 134
(6)
“ibidem", pg 70
(*) Obras do Autor reeditadas pelas Edições IN-CM
- 2002
- Nó Cego
- 2003
- Teatro. A Rapariga de Lorena - O Visitador Extraordinário - A Barba do
Menino Jesus - Os Lírios Brancos ou a Salvação Universal - O Homem do
Quiosque* - A Nobre Cauda* - O Embate - Loiros de Morte ou,
talvez, Quarto Minguante (fragmento) - O Morto e os Vivos (fragmento)
-
- 2003
- Poesia I. Volumes de poemas: Guitarra - Viagens no Meu Reino -
Consumatum Est* - Poço da Noite* - Sangue de Cristo*
- Caixa de Música* - Orfeu e Eurídice*
-
- 2003
- Poesia II. Volumes de poemas: Coroa de Ferro* - Moto Contínuo*
- Viagem Estática* - Jardim Antigo* - Espada de Fogo*
- As Mãos Vazias* - Malho Rodeiro* - Aos Amigos* -
Poesia Diversa* - Traduções*: de 21 poemas de Reinhold
Schneider; de oito Sonetos Ingleses de Fernando Pessoa; de um poema de
Gerard Mauley Hopkins; de um soneto de Lope de Vega; de um poema de Ricarda
Huch.
-
- 2005
- A Toca do Lobo - Fim* - Uma Noite na Toca o Lobo
- 2006
- Novelas e Contos I. Procissão dos Defuntos - Vida de Cão
- 2006
- Novelas e Contos II. Tiros de Espingarda - A Outra Cidade
- 2007
- Monólogo em Elsenor I. Noite das Oliveiras - A Má Estrela
- 2007
- Monólogo em Elsenor II. Túnica de Nesso - Memória de Ariel*
https://pt.wikipedia.org/wiki/Tomaz_de_Figueiredo