Situado na Sheridan Avenue, o “Café Society” era famoso em Nova Iorque e ali se apresentavam os grandes músicos de blues, de swing e de jazz.
Fora Abel Meeropol quem pedira a Barney Josephson, proprietário do Café Society, que mostrasse a sua canção a Billie Holiday.
A canção “Strange Fruit” terá sido inspirada numa fotografia datada de 1930 que mostra o linchamento de dois jovens afro-americanos.
De facto, em
7 de Agosto de 1930, Thomas Shipp e Abram Smith são linchados. Uma multidão de
cerca de 5000 homens e mulheres brancos assistiu ao “espectáculo”, no estado de Indiana, com uma atitude entre a indiferença e o divertimento. Não pareciam incomodados com a cena, falavam uns com os outros e alguns até se viravam para o fotógrafo e sorriam para a fotografia.
Mais tarde Billie Holiday gravou esta canção nos estúdios Commodore, canção que fica para todos como um aviso. Quem recebeu o aviso? Quantos anos demoraram até haver uma reacção de estupor, de horror perante tal imagem? Muitos anos.
Basta lembrar certas atitudes recentes dos grupos racistas dos 'Proud Boys' e outros grupos que giram tranquilos e armados pelos Estados Unidos da América, com a "bênção" plácida de um Presidente.
O mesmo não acontecia em grande parte da América onde continuava a segregação dura. Quantas vezes Billie, em “tournée” pelos estados do Sul, tinha de escolher um hotel afastado pois não podia alojar-se no hotel em que se hospedavam os colegas brancos ou o pessoal que trabalhava com eles. Ia para um hotel frequentado apenas por negros.
Era também normal em certos locais cantar escondida detrás de uma cortina - o público era constituído exclusivamente por brancos, como conta Donald Clarke numa biografia muito boa sobre a cantora.
O Café Society tinha, como frequentadores, a sociedade “culta” de New York que vinha ouvir a nova música: os blues, o swing e também o jazz. Duke Ellington tocou ali, Teddy Wilson acompanhou Billie. Era um ambiente de abertura “cultural”. Billie cantou com Art Tatum ao piano.Mais tarde, Barney dirá: “As pessoas tinham de se lembrar sempre de ‘Strange fruit’ e ficar com as entranhas queimadas pela música”.
Segundo os relatos do tempo, Billie cantou a canção naquela noite com as luzes do Café Society apagadas. Os empregados tinham interrompido totalmente o serviço e ouviam.
Na sua autobiografia "Lady sings the blues" Billie Holiday refere que
muitos locais - onde posteriormente cantou- a pressionavam para que ao assinar o
contrato se comprometesse a não cantar Strange
Fruit. Mas não cedeu nunca. Era um ponto de honra para ela.
Os tempos que correm não são muito animadores, o homem continua a ser "o lobo do homem" e a não aceitar a diferença - nem de cor, nem de modo de pensar, nem de religião. Tende-se - se não estivermos atentos - para uma 'política' de exclusão, de egocentrismo e populismo que muitas pessoas aceitam.
Formas de racismo e de luta racial continuam a dividir esta mesma América que desde fins de 1800 linchou sabe-se lá quantas centenas de milhar de "diferentes". Quantas vezes ouvimos nas últimos semanas falar de "supremacia branca" e dos "proud boys" que acompanham Trump? Quantos anos passaram desde que o mundo ouviu falar de "raça ariana"?
Quem pensaria que a canção continuaria a ter o mesmo impacto e a ser actual?
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(1) Seriam 4.000 linchamentos desde o final dos anos 1800 até à década de 1950.
(2) Abel Meeropol (1903-1986) era um songwriter - poeta e músico de família judaica vinda da Rússia - nascido no Bronx que escreveu sob o pseudónimo de Lewis Allan. Foi membro do Partido Comunista Americano mas deixou o partido mais tarde.
(3) Donald Clarke, "Billie Holiday wishing on the moon", Da kapo Press, 1994
Podem ouvir aqui a canção "Strange Fruits": https://youtu.be/wHGAMjwr_j8
Para quem estiver interessado em saber mais deixo uns links.https://en.wikipedia.org/wiki/Abel_Meeropol#Biography
https://jerujazznblues.com/mixing-it-up/
Resolvi passar por aqui também para desejar um dia de aniversário muito feliz
ResponderEliminarum beijinho
Gábi
Li este post logo que o colocou, mas como tinha o blogue desligado não deixei comentário. Ultimamente é o que faço: venho espreitar, mas a correr.
ResponderEliminarBeijinhos e PARABÉNS! Mais uma vez! Que tenha sido um dia muito feliz!😊😊😊
A voz de Billie Holiday é inconfundível, ainda me recordo de dois LPs comprados na Dargil, que tocaram imenso lá por casa, um deles comprado por causa do tema "Georgia", depois de ter visto o filme "Quatro Amigos" do Arthur Penn. Não me recordo se este tema andava por lá. Mas ao ler esta crónica sobre a canção "Strange Fruit" recordei-me de três filmes: "Mississipi em Chamas", "Cotton Club" e ~"Longe do Paraíso".
ResponderEliminarDesejo-lhe um bom fim-de-semana!
Rui
Embora um bocadinho atrasados, aqui deixamos os nossos parabéns!
ResponderEliminarPaula e Rui
Estive a ouvir a canção. Como é triste e impressionante!
ResponderEliminarTanto tempo passou e, apesar do muito ativismo, campanhas e manifestações; é por de mais difícil acabar com a forma de obscurantismo que é o racismo!
Na época da Billie era realmente um horror!
MJ, aplaudo o seu excelente 'post', é nas questões humanitárias que mais a admiro.
MUITOS PARABÉNS PELO SEU ANIVERSÁRIO.
Desejo que o próximo Setembro seja mais livre e feliz.
Beijinhos
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