domingo, 18 de outubro de 2020

Yehoshua Kenaz escritor israelita que sabia entender os mais fracos

Yehoshua Kenaz nasceu em Petah Tikva, em Israel, em 1937. Morreu na sua cidade natal, 
vítima do Covid 19, no passado dia 12 de Outubro.

Os últimos anos de vida tinham sido complicados: doente e numa instituição de apoio, como certas personagens dos seus livros. Tal  a sua heroína do livro Vers les Chats (1), Yolanda Moscovitchi, Mrs. Moscovitchi - considerado uma obra-prima pelos críticos. 

"Vers les Chats", 1991

 Yehoshua Kenaz dedicou muito da sua escrita aos frágeis, aos submissos, aos vencidos aparentes da vida. Deu-lhes a importância que não lhes é dada normalmente.

Lamento a sua morte. Faz falta no mundo de hoje cheio de violência, de intemperança e de vontade de odiar o seu olhar doce e compreensivo (cheio de força interior) a olhar para dentro de janelas diferentes – a complexidade da sociedade israelita. É a combinação do olhar a certa distância mas de intensa proximidade que dá vida ao romance. Diz-nos que o autor sabia amar os outros.

Estudou filosofia e literaturas românicas na Universidade Hebraica de Jerusalém. Estudou Literatura Francesa em Paris, na Sorbonne. A verdade é que, durante o tempo que passou a aprender (perfeitamente) a língua francesa, nesse momento descobre que quer escrever. E vai escrever.

Vivia em Oxford por volta de 1972 quando sai o livro La Grande Femme des Rêves. O livro Infiltration (2) saído em 1986, vai ser o seu livro mais traduzido e reeditado.

Infiltration (1986) e La Grande Femme des Rêves (1972)

Kenaz foi tradutor de Francês clássico para hebraico. Crítico literário, Kenaz é tradutor de Stendhal, Flaubert, Montherlant e Simenon. Sorrio ao pensar em George Simenon e no seu Comissário Maigret e imagino que Kenaz o admirava.

Em Israel,  trabalhou com Aharon Amir (1923-2008) – um dos maiores tradutores israelitas -dos grandes romancistas ingleses e franceses- escritor, poeta e tradutor.

Foi na casa de Bettine e Aharon Amir, em Tiberíadas, que conhecemos o escritor Kenaz. Bettine e Aharon foram grandes amigos em Israel. 

A casa deles tinha uma vista sobre o lago que tem a forma de um violino “Kinneret”. Tenho guardadas fotografias desse dia que com certeza, e infelizmente, não encontrarei tão depressa.

Nesses anos, eu vivia em Telavive onde a vida era frágil como a dos heróis de Kenaz e baloiçava perigosamente - e onde a vida era, paradoxalmente, ao mesmo tempo suave

Havia, porém, a beleza do mar e a companhia dos amigos no Café Segafredo, na Dizengoff Street, mais tarde no Café Dizza. Ou no Café Tamar, na Sheinkin St, hoje fechado também.

Ou no antigo Café Kassit, o dos pioneiros, hoje transformado noutro local. Ali nos encontrávamos com a Rina e o Dany hoje desaparecidos. 
Onde a Rina Eli Eli me disse que o meu cão Zac podia repousar para sempre no seu quintal do Moshav Udim. Mas afasto-me do assunto com estas divagações.

Yehoshua Kenaz tocava violino. E eu gostei da pessoa suave que era Kenaz. Trabalhou no jornal diário de Telavive, Haaretz. E escreveu livros. Muitos livros. Quase todos eles foram bestsellers em Israel e muitos foram adaptados para filmes, pelo conhecido realizador Amos Gïtai por exemplo, intitulado Alila.

Recordo Moment Musical (3) publicado em Israel em 1980. Li-o há muitos anos e esqueci quase tudo. Procuro-o aqui por casa e não o encontro. São três ou quatro histórias de uma juventude na Palestina sob o Mandato Britânico – a sua- antes da independência de Israel, histórias que falam dele.

Ao olhar para trás, o autor passa em revista a saída da infância para a adolescência, os ritos de passagem para a idade adulta, sabendo que na adolescência ficava a magia das coisas. Lembro a emoção que me deixou. São várias histórias.

É a história de um rapaz (ele próprio com certeza) que tocava violino ou de um outro jovem cuja irmã se apaixonara por um soldado britânico - pequenos instantes aparentemente anódinos mas carregados quanto a mim de afectividade, sensibilidade.

Jovens à procura do mundo, à descoberta da vida, daquilo que significa ser adulto. Quem somos?, perguntam. O que vamos ser? Como será crescer? E a nossa vida? Tem momentos que arrepiam e outros que nos hipnotizam.

Numa entrevista concedida em 2014 antes da saída do livro "Cold Choir" ("Cantare in coro", Ed. Giuntina 2017)- o escritor diz: 

Há os que eram bonitos e bons alunos e os que eram um pouco patéticos. Eu não sou nem uma coisa nem a outra. Eu era dos que estavam de lado, que está a observar e conta a história”.

O autor no fim e ao cabo faz-nos observadores como ele, testemunhas da violência que se está a passar na porta ao lado.

A riqueza e o coração dos livros de Kenaz não é feita de momentos aparentemente banais mas sim daquilo que não é dito. O que nos choca e atrai é a atmosfera que ele cria. As suas histórias têm uma certa nostalgia suave e humor que por vezes se muda em dureza ao falar das grandes tragédias que estão ligadas à infância”, leio numa crítica encontrada na 'internet'.

A ternura, a compreensão, o espanto verdadeiro e a ingenuidade da infância perdida, foi o que eu senti ao ler Kenaz. 

A empatia com o outro, a vontade de observar de compreender e não julgar como dizia o comissário Maigret. Aconselho a leitura deste grande escritor.

***

(1) The way to the cats, ed. Am Oved, Israel 1991. Sai em França com o título Vers les Chats, Gallimard, Paris, 1994

(2) Infiltration, Am Oved, 1986; Stock, Paris. 2003

(3)Musical Moment, Israel, 1980; França, Actes Sud, 1995

(4) Appartment with garden, ed.Am Oved, 2008; França, Actes Sud, Aix, 2010

(5) Cold Choir, ed. Am Oved, Israel, 2010. Em Itália sai na editora Giuntina, 2017

Outros títulos:

“After the holidays”, 1964 Am Oved; “Appartment with garden”,  Am Oved, Israel, 2008; França, Actes Sud, 2010

https://www.lemonde.fr/disparitions/article/2020/10/14/yehoshua-kenaz-ecrivain-israelien-est-mort_6056014_3382.html

4 comentários:

  1. Já tenho Kenaz na minha lista de leituras, esta abordagem é essencial para melhor o entender. Lamento não o ter lido antes, conhecê-lo foi um privilégio, como tão bem demonstrou.
    Agradeço sempre a sugestão de boas leituras.
    Lamento a partida do amigo, do qual tem andado a despedir-se. Também desejo que encontre a paz profunda dos justos.
    Beijinhos, MJ.
    ~~~~~

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  2. Enamorei-me de Israel através de Amos Oz. E de ti. Devem ter sido cinco anos (?) imensamente fecundos, não me estranha a paixão que continuas a sentir por esse país e essa gente tão interessante e bastante desconhecida ainda na Europa, por desgraça para nós. Para mim já é tarde, oxalá para muitos ainda não. Bjhs

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    1. Nunca é tarde...Basta abrir uns livros bons (posso dar-te umas ideias de outros autores) e o estar de "mente aberta" como a tua é o principal.Gosto sempre das tuas palavras. Não desistas de nada! Beijinhos

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  3. Não me rindo, porque não entro em combate, é uma rendição feita de sossego...
    Comprei por amazon " 21 Lições para o século XXI" do Noah Harari, para ler pouco a pouco. Feliz dia, está um tempo magnífico. Bjhs

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