domingo, 13 de dezembro de 2020

“CHERCHEZ LES FEMMES”, ANTOLOGIA SOBRE ESCRITORAS POLICIAIS...

Este ano saiu um livro muito interessante que fala de ‘mulheres-detectives’, de livros policiais escritos por mulheres e, igualmente,  de mulheres que escrevem sobre os livros dessas mulheres.

Intitula-se “Cherchez les Femmes” - Estudos de Literatura Policial – e trata-se de uma antologia de textos - escolhidos e organizados por Maria de Lurdes Sampaio e Gonçalo Vilas-Boas. (1)

Os textos falam da literatura policial “ao feminino”. Escritoras e heroínas que pertencem a um “mundo” no qual - durante anos e anos - as mulheres não escreviam livros policiais, nem eram detectives. Sabemos que ainda há pouco tempo se pensava que a mulher “não era feita para ser detective” como se pensava também que a mulher “não era feita” para uma série de coisas. Eram “coisas” de homens, num mundo de homens.

Portanto raro era aparecer um policial escrito por mulheres e mais raro ainda existirem uma “investigadora” como heroína.

Em Inglaterra surge nos anos 20 e 30 Dorothy Sayers (1893-1957) criadora de histórias de crimes – resolvidos, porém, pelo herói Lord Peter Wimsey. Um “herói” masculino pois. Li Dorothy Sayers na Colecção Vampiro há séculos. Gostava dela. E ainda gosto. Dorothy ficou famosa sobretudo pelo livro “O Crime exige Propaganda” de que foi feito um filme de sucesso.  

Lembro imediatamente a extraordinária Colecção Vampiro que revelou em Portugal os grandes escritores policiais.

Como a sua contemporânea, a grande Agatha Christie (1890-1976) que, em 1921, publica o primeiro livro The Mysterious Affair at Styles, com o seu trio mágico: Hercule Poirot, o amigo Capitão Hastings e o Inspector-Chefe Japps, livro escrito durante a Iª Guerra, em 1916.

No livro “The Murder at the Vicarage” (1930), Agatha apresenta a primeira mulher detective - a suave, sensível e inteligente Miss Jane Marple. 

Batya Gur.

Outras apareceram mas continuemos com o livro a que me quero referir que muito me interessou. Nele encontramos escritoras talvez menos referidas como a irlandesa Tana French ou a israelita Batya Gur. 

 Assim, optámos por uma antologia aberta de ensaios que que preenchessem pelo menos dois requisitos: i) incidência em obras de autoria feminina e/ou em oras de escritores ou escritoras, que tivessem como protagonistas detectives mulheres: ii) incidência em obras a partir dos anos 80, tendo em conta que é a partir dessa altura que assistimos a uma produção significativa de romances policiais que questionam a hegemonia e as convenções das obras de autoria masculina.” (2)

É a partir de finais do século XX “que as mulheres conquistaram lugares de relevância na detecção, primeiro como detective privado (private-eye), depois integradas em diferentes corpos da Polícia, sendo algumas vezes investidas por chefias no grupo". 

 
Patricia Cornwell

(E aqui faço um intervalo para recordar as romancistas americanas e britânicas que, depois desses anos 80, se investiram nesta luta: Patricia Cornwell (1956) e a sua detective de origem italiana Kay Scarpetta; Mary Higgins Clark (1927-2010). E as britânicas P.D.James (1920-2014) e Ruth Rendell (1930- 2015) das primeiras a darem prestígio a esta literatura “negra” e dura “no feminino”. 

Mulheres que se atrevem a falar dos dramas profundos, dos traumas brutais causados por infâncias de abandono ou de abuso e de certas formas de taras que levam a falar dos "serial killers" nos que escreveram - cujas causas cuidadosamente são "explicadas".)

P.D.James

 O segundo volume da trilogia referida por M.L.S. é “Ficção e Policial: antologia de ensaios teórico-críticos”, publicado em 2012, tinha como objectivo fundamental dar a conhecer em tradução ensaios canónicos de autores estrangeiros - de G.K.Chesterton a Raymond Chander entre muitos outros. No fundo, houve sempre uma adesão em Portugal aos escritos policiais e de mistério.

Esta colecção tem um valor inestimável: desde o belga George Simenon aos britânicos Conan Doyle, Agatha Christie e Dorothy Sayers até aos americanos Patricia Highsmith, Raymond Chandler, Harry Carmichael- alias Harry Howard- ou ao genial Dashiell Hammet

Romances em que a análise psicológica é tão “activa” como a história de detectives em si que vão tão longe como qualquer outra literatura.

Continua Maria de Lurdes Sampaio "Nos ensaios reunidos neste volume pretende-se olhar para a história de algumas literaturas de crime (ou “policiais”) e para algumas escritoras de diferentes países e zonas linguísticas onde a figuração das mulheres seja relevante”.(3)

Facto esse que representa uma quebra no domínio da ‘perspectiva masculina’, acabando por surgir vários subgéneros.

Maria de Lurdes Sampaio e Gonçalo Vilas-Boas (4) organizaram anos antes o primeiro e o segundo volumes da trilogia. O primeiro volume intitula-se “Crime, Detecção e Castigo. Estudos de Literatura Policial e sai em 2001 e o segundo Ficção e Policial: antologia de ensaios teórico-críticos” surge em 2012.

Adiante acrescenta: “o volume que agora publicamos (...) é o terceiro de uma trilogia de ensaios dedicados a suprir uma das lacunas no panorama literário português: a ausência de uma tradição de reflexão crítica sobre um género de grande popularidade em todo o mundo ao longo dos séculos XX e XXI.”

 “Cherchez les femmes” é o último desafio dos autores. É um encontro sério entre mulheres escritoras de série noire, mulheres detectives -  e mulheres que escrevem sobre elas. Leiam!  

Descobri que está à venda no Wook. E, com certeza, nas livrarias que conhecemos...Cherchez les femmes!

 

(1)  “Cherchez les Femmes” - Estudos de Literatura Policial - Colecção Estudos de Literatura Comparada, Instituto de Literatura Comparada Margarida Losa, Faculdade do Porto, 2020. Edições Afrontamento.

(2)  Maria de Lurdes Sampaio, op. cit., Prefácio, pg.8

(3)  M.L.S., Prefácio.

(4)  Maria de Lurdes Sampaio, é professora Auxiliar da Faculdade de Letras da Universidade do Porte e investigadora do Instituto de Literatura Comparada Margarida Losa, mestrado em Estudos Anglo-Americanos (Universidade de Coimbra) e Doutoramento em Literatura na Universidade do Porto.

Gonçalo Vilas-Boas é professor catedrático jubilado na área da Literatura de expressão alemã na Faculdade de Letras do Porto. Coordenador científico e investigador do Instituto de Literatura Comparada Margarida Losa.

https://ilcml.com/divulgacao-do-livro-cherchez-les-femmes-estudos-de-literatura-policial/

 

3 comentários:

  1. Gostei de ler o post e se calhar vou comprar o livro, se houver na Bertrand.

    Já tinha saudades de um post seu!

    Beijinhos e boa semana:))

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  2. Sem dúvida um livro brilhante de que terás desfrutado muito, já que adoras os policiais. Sabes que não é o meu género, sou mais dada às filosofices, mas concordo absolutamente com tudo o que diz. Menos mal que começa pouco a pouco a haver mulheres em todos os ramos, taxistas, camioneiras, soldados, políticas , mandatárias, de tudo. A maternidade já é só uma opção, e veio a pôr de manifesto que há muitas mulheres sem vocação de mães, como a tua filha ou a minha, e tantas por esse mundo fora. Há coisas que vão melhorando, para compensar alguns desastres...Bjnhssss

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  3. Lamento não ter tido disponibilidade para este género de literatura...
    Com tempo sempre limitado, dei prioridade aos géneros que me pareciam mais eruditos...
    Fico contente com este livro, por si.
    Beijinhos, querida MJ.
    ~~~~~

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