terça-feira, 5 de janeiro de 2021

Soeiro Pereira Gomes e “Esteiros”

Joaquim Soeiro Pereira Gomes nasceu na freguesia de Gestaçô, concelho de Baião, distrito do Porto, em 14 de Abril de 1908. Morreu em Lisboa em 5 de Dezembro de 1949. Viveu em Espinho onde fez os estudos da escola primária dos 6 aos 10. Ali passa os primeiros Verões da sua vida. 

A irmã, Maria Alice Pereira Gomes, casou com o poeta Adolfo Casais Monteiro que  participou da direcção da “presença” - depois dos dissidentes com José Régio e João Gaspar Simões (1).

Soeiro Pereira Gomes  foi um escritor do movimento neo-realista. Poeta, novelista, tradutor, crítico. Soeiro Pereira Gomes, era filho de agricultores e escolheu estudar na escola de Regentes Agrícolas de Coimbra e ali tirou o curso. 

Poucos anos depois foi para Angola onde viveu e trabalhou um ano mais ou menos.

Volta a Coimbra e, em 1931, casa com Manuela Câncio dos Reis (1910-2011). Vão viver para casa do sogro, Alhandra onde trabalhou como empregado administrativo na Fábrica de Cimentos.

Preocupa-se com as condições de vida dos operários e começa uma dinamização dentro da fábrica, procurando “abrir os olhos” para as injustiças que sofriam.

“Esteiros” é o seu livro mais importante. A obra inclui-se no “realismo socialista” se bem que o exceda e vá mais além na capacidade de análise psicológica, de “fixar” particularidades, pessoas, formas de trabalho.

os “esteiros”do Tejo

Os próprios “esteiros” que eram afinal lugares onde, nas margens do rio Tejo, os jovens – alguns ainda adolescentes – fabricavam peças de barro para serem usadas em beirais, como telhas.

A vida fácil e a vida dura estão ali em contraponto, em frente dos seus olhos que tudo observam. Os seus pequenos “heróis” são miúdos para quem a vida não e fácil. São pobres, têm as suas aspirações e na maioria das  vezes ficam-se pelo caminho. Pereira Gomes acompanha-os com o coração.

Há o miúdo Gaitinhas que é muito estudioso e quer vencer na vida, há o garoto da rua que se chama Sagui e há o Gineto, o rebelde, o revoltado. Interessante pensar que um dos seus heróis foi o nadador Baptista Pereira um 'pequeno herói' que nadava como ninguém nas águas do Tejo e que veio a atravessar o Canal da Mancha (2).

A obra divide-se pelas estações do ano, cada uma com os seus encantos e as suas dificuldades. Há o momento  das estações como a Primavera ou o Verão - em que os miúdos trabalham e a vida lhes corre melhor. E vem o Outono quanto termina o trabalho e ficam pelas ruas e vem o Inverno com o frio, a miséria e quantas vezes a fome. E por ali andam juntos como pequenos vagabundos à procura de uma estrela.

As obras de Soeiro Pereira Gomes foram proibidas nos tempos do fascismo, época cinzenta que hoje muitos pretendem “dourar”. Ele denunciava a enorme injustiça de certas vidas, a miséria social que existia numa grande parte do nosso país, da nossa juventude também.
Miséria em que as crianças, os adolescentes, os jovens não frequentavam a escola ou abandonavam-na cedo para irem ganhar a vida a trabalhar na fábrica de tijolos, nos esteiros do rio Tejo. Mas que tinham a cabeça chia de sonhos.
Alhandra e fábricas de tijolo
 Os ‘esteiros’ do Tejo são braços estreitos do estuário que entram pela terra a dentro, chamados esteiros ou abas. Esta estrutura geo-morfológica do estuário vai influenciar claramente a vida das populações - que encontram trabalho sobretudo nas fábricas de tijolo, começando muito cedo a trabalhar nas águas lamacentas do rio. (3)

A vida é difícil para muitos, hoje também. Há pobreza, desemprego –e todos sabemos (fora os que não querem) que era muito pior naqueles anos negros do “salazarismo”. As condições de vida e de trabalho, o abandono da escola, o analfabetismo.

O livro “Esteiros” publicado em 1941 é dedicado “aos filhos dos homens que nunca foram meninos”. A primeira edição tem desenhos de Álvaro Cunhal.

Perseguido pelo regime do 'Estado Novo' porque filiado no Partido Comunista em 1945 Soeiro Pereira Gomes passa à clandestinidade.

Grande fumador, morre com um cancro nos pulmões. A sua vida de clandestino, sempre fugitivo,  escondido, sem confortos nem apoios, não lhe permitiu ser tratado. Morreu em 1949 com 41 anos.

Está enterrado em Espinho, onde tinha vivido a sua infância .

***

(1(1) Joaquim Baptista Pereira nasceu em Alhandra em 1921 e morreu em Junho de 1984. Foi um nadador internacional português de fundo. Pertencia ao 'Alhandra Sporting Club'.  Vivia à beira do Tejo e era esse o lugar onde brincava, nadando.

O pai era pescador e ele, um miúdo conhecido por todos na terra, muito vivo, que cedo acompanhou o pai na pesca que foi durante algum tempo a sua profissão. Em 1954 vai participar na Travessia do Canal da Mancha e para grande surpresa de todos é o vencedor.

(2) Entre os principais autores da "presença", destacam-se José Régio - fundador e director, considerado o grande teórico do grupo -, Miguel Torga, João Gaspar Simões, Adolfo Casais Monteiro e Branquinho da Fonseca. 

 (3) Esta estrutura geo-morfológica do estuário do rio Tejo influenciou claramente a vida das populações. Eram terrenos lamacentos de onde se moldavam os tijolos e as telhas e eram, simultaneamente, zonas de pesca com uma área piscícola invulgar. Também os pássaros são variados.

3 comentários:

  1. Não tinha ideia de que morrera tão jovem. Gostei muito deste post, de ficar a saber mais sobre o escritor.

    ResponderEliminar
  2. Gostei muito.

    Quando está muito frio, lembro-me muito das pessoas que não têm condições de vida, que não têm conforto. É muito triste.

    Beijinhos:))

    ResponderEliminar
  3. Fazes muito bem em recordar os bons escritores que vão caindo na desmemória. Eu estive a reler Humus, porque adoro a prosa do Raul Brandão, mas confesso que procuro não metrer-me em mundos que me doam, já temos bastante com o presente... Procuro ver sempre a taça meio cheia, malgré tout. Abriga-te hoje!!! Bjhsss

    ResponderEliminar