Nascido em 1892, num velho bairro de Nihombashi em Tóquio, é recolhido criança e educado pela família da mãe que enlouquecera. Nutria um sentimento especial por uma tia, a tia Fuki, que o acompanhará sempre.
Menino doente e nervoso, lia incessantemente o que havia na casa onde vivia. Era assíduo nas bibliotecas públicas do seu bairro queria ler tudo e procurava o que não havia em casa dos parentes da mãe.
Quando na Era Meiji (2) - época de grande abertura do Japão ao Ocidente - começam a aparecer de livros ocidentais, o escritor torna-se num fanático de literatura francesa, russa e dinamarquesa.
Segue de perto igualmente a literatura europeia e lê os clássicos franceses Voltaire, Rousseau ou Anatole France. Aprecia o poeta alemão Goethe.
Mas Akutagawa Ryûnosuke é um neurasténico. Tem insónias frequentes e problemas de estômago, ligados à ansiedade. Sofre de depressão e vive angustiado com o receio de vir a sofrer da mesma doença da mãe. A loucura dela vai condicioná-lo psicologicamente durante toda a vida.
Considerado por muitos como um 'parente' de Edgar Allan Pöe, de Franz Kafka, de Dostoievsky e Gogol a verdade é que os lia todos e os admirava.
O autor viveu em casa de parentes adoptivos muito mais velhos do que a mãe e foi “educado à maneira antiga e mergulhado numa atmosfera impregnada de cultura tradicional, que a vaga ocidental não tinha ainda aflorado” (op.cit., Introdução).
“Rashômon” fala do absurdo da escolha, dentro de um Universo absurdo e sem sentido. Fala de um dia vivido por um funcionário que perdera o empregado há um tempo. Rashômon é um homem miserável, sem perspectivas de futuro.
Numa noite chuvosa de Inverno não encontra lugar para dormir. Abriga-se debaixo da Porta de Rashô onde vão deitar o lixo e se encontram mesmo os corpos dos assassinados pelos bandidos.
Nada tem sentido e sente um desespero absoluto: a alternativa da sua vida naquele fim de tarde de chuva torrencial é voar ou matar.
Acaba a brigar com uma velha tão miserável quanto ele. Ambos à procura de comida, aquela pobre mulher enquanto rouba os mortos arranca-lhes tufos de cabelos e junta-os num saquinho para fazer uma peruca. Absurdo dos absurdos, tudo é absurdo.
“Aos nove anos conhecia a literatura dos clássicos da China e do Japão; desde o liceu que era um excelente aluno de estudos sino-japoneses (o chamado ‘Kanbun’) tão complicados como os nossos estudos greco-latinos.” (Prefácio, op. cit. pg.8)
Quando entra para a Faculdade de Letras de Tóquio estuda esses autores e vai tentar traduzi-los para japonês. É nesse momento que se sente inclinado a escrever a sua obra. Na Universidade, além dos clássicos, que lê em chinês, vai descobrindo os escritores modernos do Japão e os escritores ocidentais que surgem. A literatura francesa começara de facto a entrar no Japão nos primeiros anos do início do século XX, na chamada "Era Meiji".
Apaixona-se por Baudelaire, Yeats, Strindberg, Mérimée e Anatole France. Frequentemente encontramos citados na sua obra nomes de escritores do fim do século XIX e princípios do século XX. Flaubert e George Sand aparecem assim como o seu adorado Baudelaire.
"A vida não vale uma única linha de Baudelaire", dizia ele. (in "Rashomon e outras Histórias", Cavalo de Ferro, A Era, pg.268)
Num dos seus escritos finais, "A vida de um homem estúpido" - espécie de diário autobiográfico sem datas - conta a ida a uma livraria e uma descoberta sensacional:
Depois de longa viagem à China, em 1921, é o momento de escrever “Num bosque de bambu”, publicado em 1922. No regresso, adoece. A saúde piora de repente. O seu estado vai-se agravando, tem um esgotamento nervoso. Continua o receio da loucura. Habitua-se a tomar barbitúricos.
"A vida de um homem estúpido" vem incluída na edição portuguesa de Rashômon e outros Contos", da editora 'Cavalo de Ferro', que considero extremamente interessante, cuidada e com uma óptima tradução. (6)
"Antes de tomar o cianeto –
escreve Jacques Dars – deixa à maneira de testamento duas
palavras de enigmática concisão: “vaga inquietação” que ainda hoje são um
mistério que nos turba." (op.cit.pg.8)
Akutagawa é, sem dúvida, uma figura curiosa e desarmante para nós ocidentais e o seu fim pode parecer incompreensível. No entanto, o
suicídio é corrente na cultura do Japão, o escritor estava muito doente e temia enlouquecer. Sofria demasiado.
Não vi o filme de Akira Kurosawa (1910-1988) aproveita esse e outro conto para o filme “Às Portas do Inferno” (1950).
***
(2) A ‘Era Meiji’ (ou Revolução Meiji – de 1867 a 1912, data da morte do Imperador Meiji) caracteriza-se pela abertura ao Ocidente. O Imperador Meiji, Príncipe Mutsuhito, subiu ao trono com 15 anos e governou até 1912. Nessa ‘Era’ a capital passou de Tóquio (Edo) para Kyoto.
A Era Meiji vem substituiu os
Xoguns Tokugawa (1603 a 1868) da Era Edo (ou Era dos Samurais e Xoguns). Foi chamada a ‘Era
de Paz e de Desenvolvimento’ - com o Japão feppchado sobre si próprio.
(3)´Refiro-me a "Rashômon”, antologia com
quatro contos, edição francesa da Gallimard, Folio,
2003, com Prefácio de Jacques Dars.
https://ajanelaencantada.wordpress.com/2014/11/10/as-portas-do-inferno-1950/
https://www.prospectmagazine.co.uk/magazine/a-haunted-imagining-of-the-life-of-ryunosuke-akutagawa