Este português favorito do Czar foi António Manuel Luís de Vieira, de família judaica originária do Minho, gente humilde.
Tornou-se numa das pessoas mais importantes da Rússia – foi o homem de confiança e sempre correlegionário do Czar Pedro o Grande e, pela confiança nele depositada, desempenhou cargos importantíssimos.
Segundo explica o autor do livro "António de Vieira teve todo este sucesso na Rússia porque era uma pessoa extremamente competente, activa e corajosa”.
Na Rússia passou a ter o nome de Anton Manueliovitch e também Conde Devier (2). O Czar confiou-lhe lugares de grande importância centro da segurança do estado e no próprio governo.
Transformou-se num poderoso
estadista, chefe militar e chefe do Primeiro Departamento Geral da Polícia de
São Petersburgo (1718-1724) e depois chefe general (1744-1745).
António
Manuel de Vieira foi um dos muitos portugueses que escaparam à Inquisição,
exilando-se. Alguns deles chegaram à Rússia onde ganharam lugares de destaque.
De Vieira escreveu Ribeiro Sanches:
“Aqui
houve um português chamado António Manuel Luís de Vieira, que foi generalíssimo
primeiro no mar, e depois regedor de justiças, casou com a irmã de um príncipe
da Alemanha, há quatro anos que o dito português foi desterrado para os confins
da China, na Sibéria por ser pouco fiel a Sua Majestade”. (op.cit.pág. 88)
E José Milhazes recorda igualmente a figura Ribeiro Sanches (3) homem de ciência, doutorado em Paris, especialista de doenças venéreas. Estrangeirado e judeu, fugiu e foi estudar na Universidade de Salamanca, depois em Paris doutorou-se na Sorbonne e depois vai viver quinze anos na grande Rússia.
É autor de livros essenciais sobre Medicina e também do célebre "Dificuldades que tem um povo em emendar-se" ou o "Verdadeiro Método de Estudar" - em que se refere ao problema português e à "necessidade de saber".
Está relacionado com o Czar Pedro o Grande e sabe da existência de Manuel de Vieira. Sendo médico na Corte salva a vida da noiva do Grão Príncipe Pedro, mais tarde Imperatriz Catarina e por isso a sua presença é respeitada.
a jovem Catarina da Rússia
O agradecimento da Princesa foi enorme: concedeu-lhe um brasão onde se lê “Nasceu para servir o mundo e não para se servir a ele”.
O jovem Czar Pedro I
O que sabemos deste Manuel de Vieira favorito do Czar Pedro I, além de que era judeu e fugira de Portugal?
Pertencente à dinastia dos Romanov, tem apenas dez anos de idade quando, depois da morte do Czar Teodoro III, é escolhido para futuro czar, com o apoio da Igreja Ortodoxa Russa. O Czar morre sem deixar filhos e então foram indigitados para sucessores, o irmão do czar de 15 anos, doente mental, e o meio-irmão, Pedro, que tinha 10 anos (5).
No entanto é a sua ambiciosa meia-irmã Sofia quem assume o poder e, apoiada num grupo de infantaria rebelde, os ”streltsy" chama-os ao Palácio do Kremlin onde vão massacrar todos os apoiantes de Pedro que, criança ainda, presencia a cena.
Sofia nomeia Ivan 1º Czar e Pedro 2º Czar e toma conta do poder como regente. Mais tarde, quando volta ao poder, o Czar Pedro I vinga-se da irmã. Sofia vai passar o resto da sua vida numa cadeia. Existe um quadro extraordinário de Ilya Repin que representa a czarina Sofia, na prisão.
A Czarina Sofia, por Ilya Repin
Estas lutas de sucessão levam Pedro a fugir com a mãe e viveram exilados. Viajou pela Holanda, Viena, Europa do norte, durante cerca de 17 meses. Por essas partes, o príncipe faz amizade com marinheiros holandeses, nas margens do 'Lago Perejaslav', o que vai despertar nele o gosto pela arte naval. Dedicou-se aos estudos de geometria, aritmética e arte militar.
Com tudo o que viu e aprendeu, no seu regresso Pedro o Grande tomou várias medidas e modificou
inteiramente a estrutura do estado e do exército. (6)
É possível que nesse período tenha conhecido António Luís de Vieira, grumete de um barco. Pedro decide protegê-lo e decide contratar este jovem por ter “percebido nele uma inteligência e temperamento excepcionais”.
Durante o reinado do Czar a Rússia mudou radicalmente e é chamada “Rússia Moderna”. Cria do nada, numa ilha do Rio Neva, a cidade de São Petersburgo que é iniciada em 1703. Transforma-a em capital política e centro comercial do Império das Rússias.(6)
Brasão de António Vieira-Anton Manuelovitch
O que sabemos mais deste Manuel Vieira favorito do Czar Pedro I ? O livro de José Milhazes (7) é elucidativo, bem escrito e muito vivo. Lê-se com muito agrado.
Compõe-se de duas "Partes" divididas em capítulos, com os diversos momentos da vida de Vieira desde a sua ascensão à queda.
António Vieira-Anton Manuelovitch ou Conde Devier, casa com Anna Menchikova, irmã de um poderoso nobre da Corte, o Príncipe Menchikov. Desse modo, Anton Manuelovitch ascende à aristocracia russa, passa a ser o Conde Devier e deixa um rasto muito importante na história da Rússia.
Depois da morte do Czar Pedro o Grande, a vida de António de Vieira foi atribulada. Pedro ainda o promoveu ao cargo de major general poucos dias antes de morrer.
Czar Pedro o Grande
Poucos meses mais tarde, em 1726, no curtíssimo reinado de Catarina I (que sucede ao marido Pedro I), António Manuel de Vieira recebe ainda o titulo de Conde e é por ela promovido a tenente general algum tempo depois.
Preso e torturado, confessa e é exilado na Sibéria com a família, na aldeia de Zhigansk perto do rio Lena. Esses exilados eram considerados "sem regresso". No entanto, mesmo nos confins da Sibéria, Manuel de Vieira torna-se útil à Rússia, entregando forças e conhecimentos ao serviço da Marinha Russa no Extremo Oriente.
Reabilitado, volta à Rússia mas o seu "renascimento" acaba por ser fugaz pois, debilitado pelo desterro na dura Sibéria, não vai durar muitos anos.
No entanto, a fama do seu nome perdura e a dos seus descendentes Devier continua, sobretudo ligada ao campo das artes.
É muito interessante a leitura do livro de Milhazes. Revela a figura - desconhecida para nós - de um português de origem modesta e judeu, que teve uma carreira invulgar no Império Russo.
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(1)“O favorito português de Pedro o Grande”, de José Milhazes, Livros d’ Hoje/Publicações Dom Quixote, 2015
(2) António Manuel de Vieira nasceu (talvez?) no ano de 1682 e morreu em 24 de Junho (ou Julho?) de 1745, em São Petersburgo.
(3) António Nunes Ribeiro Sanches, médico e investigador, nasce em Penamacor em 1699 e morre em Paris em 1783. Estrangeirado e judeu, fugiu à Inquisição e foi estudar na Universidade de Salamanca. Em Paris doutorou-se na Sorbonne. Vive quinze anos na grande Rússia mas vai morrer a Paris.
(4) Pensei dar aqui uma ajuda, pois já eu própria estava baralhada com estes filhos e o pai de todos, Alexis I. O Czar Teodore III (ou Feodor III) morre sem deixar filhos. Foram indigitados sucessores o irmão Ivan, de 15 anos e doente mental, e o meio-irmão, Pedro. Feodor III era filho do Czar Alexis I.
Alexis I
Teodoro III
O czar Alexis I tinha outros filhos: Sofia Alexeievna, o príncipe Ivan (que é coroado Czar por essa irmã) e era igualmente pai de Pedro I - filho de outra mulher - apenas meio-irmão dos outros três.
(5) Pedro o Grande criou o primeiro jornal, reformulou o ensino, submeteu a igreja ao estado e mudou o início de calendário de 1.º de Setembro para 1.º de Janeiro.
(6) iniciada em 1703, a construção de São Petersburgo faz-se na chamada ilha Zayachy (ilha da Lebre), uma ilha no delta do Rio Neva com um posição estratégica especial que impediria que os barcos pudessem entrar livremente no Neva.
(7) José Milhazes nasceu na Póvoa do Varzim em 1958. Vive na Rússia desde 1977. Tradutor de russo de autores clássicos e políticos, possuidor de larga cultura sobre a Rússia tornou-se conhecido como correspondente em Moscovo da TSF da SIC e do Público.
https://www.ebiografia.com/pedro_i_da_russia/
https://pt.wikipedia.org/wiki/Ant%C3%B3nio_Manuel_de_Vieira
https://www.google.com/search?client=firefox-b-d&q=ribeiro+sanches+biografia
Desejamos um Feliz Natal!
ResponderEliminarBoas Festas!
Paula e Rui Lima
Feliz 2022!
ResponderEliminarCom tudo de bom e saúde!
Beijinhos:))
Bom Ano 2022, melhor do que o anterior, são os nossos desejos.
ResponderEliminarPaula e Rui Lima
Ainda pensei que ias falar do jesuíta António Vieira, figura essencial também e do mesmo século.
ResponderEliminarDesejo-te um 2022 cheio de coisas boas, e que continues a ser uma excelente divulgadora cultural, que é sempre útil e interessante. Um beijo enorme