O próprio restaurante “Bistrot” tinha um
programa de música de Jazz excepcional. Bastava pedir e eles punham.
E existe sempre o calor humano e o espírito de Roma que não se deixa "levar" pelos turistas e afins, continuando a ser ela própria, igual, imutável. E para ela não há "missão impossível"!
Novas lojas abriram, lojas de antiguidades que vendem um pouco de tudo e têm sempre a sua magia. Até vi uma galo sabe-se lá vindo de que campanário de igreja.
E novas invenções apareceram: vestidos feitos de qualquer tecido, gabardines antigas "fashion" restauradas.
Ou um pequeno espaço onde se vendem sapatos de ténis branco que um pintor de certa idade e de barba branca pinta todos dias sentado numa cadeira baixa, na rua, à porta da loja.
Eu entrava todos os dias na livraria "Altroquando"nem que fosse só para ver e mexer nos livros. Um dia pedi um livro italiano recente e o senhor apontou-me “Nives”.
Foi
assim que descobri a figura de Nives e de Giacomina. E a história divertiu-me,
confesso.
O autor, Sacha Naspini, era um desconhecido para mim. Soube que é autor de inúmeros contos e romances (2). Nasceu em 1976 em Grosseto no Sul da Toscana. Trabalhou como editor, realizador (art director) e guionista para o cinema.
Está traduzido em várias línguas e todos os seus livros estão traduzidos em inglês (2).
Para mim aquele livro desconhecido foi uma descoberta e comprei-o num impulso - talvez por a capa ser bonita, confesso. É uma jovem mulher a olhar em frente num descampado.
Nives, a protagonista, é uma pessoa simples, com uma vida simples, sem grandes ambições nem ela nem o marido. Um dia ele morre num acidente de trabalho na quinta e a vida dela tem um sobressalto inesperado. Deixa de dormir, pensa toda a noite.
A filha que vive em França vem ao funeral com o marido francês e com os filhos, mas Nives não falava francês e pouco podia comunicar com os netos. Sente ruído à sua volta o que a distrai das preocupações mas não se sente acompanhada, pelo contrário aquela presença incomoda-a, descontrola o seu dia a dia. Sentia-se mais sozinha – mas conseguia dormir.
Quando a filha e a família partiram sentiu-se aliviada mas sem a companhia que lhe trouxeram voltou o desassossego.
Pesa-lhe a solidão a meio da paisagem da quinta, na Toscana, com os animais para tratar, porcos, galinhas e longe de todo o mundo. Passa a ter outra vez insónias ainda piores, não dorme, não sossega.
Um dia, no galinheiro, repara na velha galinha Giacomina que parece estar a olhar para ela preocupada.
Pega-lhe ao colo, alisa-lhe as penas e decide levá-la para casa. Arranja uma gaiola onde mete a galinha para ficar quieta de noite e durante o dia deixa-a andar por ali.
Quando a apanharam e pensavam voltar a metê-la na panela, a galinha põe de repente um ovinho. Ninguém tem coragem de a matar depois disto.
A menina da casa pediu à mãe que a galinha seja "seu bichinho de estimação" e assim a galinha dura alguns anos até que se esquecem dela e vai acabar na panela num domingo, como as outra galinhas...
Na história de Sacha Naspini a verdade é que Nives começa a dormir bem outra vez, a galinha faz-lhe companhia e sente-se muito mais calma. Os dias correm agora tranquilos, e Nives sente-se tão bem com Giacomina que chega a ir apanhar minhocas na terra do quintal para as pôr num prato para a galinha comer.Uma noite estavam elas a ver a publicidade na televisão e Giacomina parece ficar hipnotizada a olhar para o reclame de uma máquina de lavar roupa cujo tambor girava, girava. E assim fica de olhar preso na televisão sem a mínima reacção, apesar de Nives lhe puxar as penas e a abanar.
Desesperada, sem saber o que fazer lembra-se de telefonar ao veterinário, velho conhecido da sua juventude. É a mulher que também conhecia bem quem atende, ele chega meio a dormir ao telefone e Nives começa a contar-lhe tudo.
Sem querer, nem saber como, voltam ao passado. De repente uma frase “mas por que é que naquela festa...” e o rumo da conversa muda completamente.
Havia
muito para contar e discutir e fazer recriminações de coisas passadas - e o
telefonema “eterniza-se” – e dura o tempo de uma vida inteira.
Bem escrito sem dúvida, com um diálogo muito vivo, consegue manter a atenção. E de história engraçada passa a história dramática. Não me perguntem pela Gicomina, não sei mais nada dela.
(1) “Nives” saiu em Edizioni e/o, 2020
(2) Alguns dos títulos em italiano: “L’ ingrato” (2006), “I sassi” (2007), “Cento per cento” ( 2009), “Le nostre assenze” e recentemente “Le case del malcontento” (2018) que recebeu alguns prémios entre eles o Prémio Città di Lugano.
(3) Clarice Lispector (1920 -1977) nasce na Ucrânia numa família judaica. Escritora, tradutora, jornalista, ensaísta foi uma das pesonalidades mais importantes do século XX. Fugindo de perseguições aos judeus a família chega ao Brasil em 1922.
https://instantlyitaly.com/favorite-italian-books-nives-sacha-naspini/
Já fui ver se havia alguma coisa dela, traduzida para português, mas não. Fiquei muito curiosa com o que teria acontecido à galinha...
ResponderEliminarAdorei as sapatilhas pintadas. Gostei das de flores que estão logo à frente na foto. Giríssimas!
Beijinhos e uma boa semana:))
A galinha é talvez a irremediável solidão, não sei, não li. Tens que voltar a Roma, faz-te bem à alma...
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