Fala da vida de perseguição e sofrimentos e humilhações “que os judeus tiveram antes de ter um estado que fosse deles”.
“Por que fomos tão odiados? Primeiro os alemães, agora os palestinos...” e acrescenta: “Tivemos uma história dura. Chegámos aqui vindos de uma terrível experiência, equilibrámo-nos, defendemo-nos, mas depois os colonatos vieram destruir tudo”.
Os antepassados por parte do pai vinham de Salónica e vieram para Jerusalém em meados do século XIX. “Eram chamados “antigos yichouv” os judeus que chegaram antes das primeiras vagas da imigração sionista” – explica ainda Nicolas Weill.
A mãe viera de Marrocos por isso Yehoshua “era um judeu “sefardita” que incarnava essa cultura dos judeus orientais (de cepa espanhola, fugidos à Inquisição) num espaço literário maioritariamente dominado pelo mundo “ashkenazita” com raízes europeias.” (Le Monde)
Foi um bom aluno. Estudou em Jerusalém, no Gymnasia Rehavia e licenciou-se na Universidade Hebraica de Jerusalém.
No regresso a Israel, em 1972, vai ensinar ‘Literatura Comparativa’ e ‘Literatura Hebraica’ na Universidade de Haïfa onde será Professor Catedrático muitos anos e onde vai viver a maior parte da vida.
Escolhera Haïfa por ser uma cidade “mista” onde convivem judeus e árabes israelitas. Weill cita o jornalista israelita Benny Ziffer (4) que afirmava:"Yehoshua sentia-se profundamente chocado com o encerramento identitário dos judeus de Jerusalém, categoria na qual colocava o “fundamentalismo religioso”.
E continua Weill: “essa fusão crescente do nacionalismo e do messianismo inquietava este membro do Partido Trabalhista (...). Foi uma das razões que o levaram a mudar-se de Jerusalém para Haïfa. Por apreciar o clima menos opressivo da Galileia, mas também pelo multiculturalismo e coabitação que se vive nesta cidade entre judeus e Árabes.” (Le Monde)
Mais tarde começa a sua vida de professor itinerante pela América. Em 1975 foi “escritor residente” no St. Cross College of Oxford, mais tard destacado como “professor visitante” nas Universidades de Harvard (1977) e Princeton (1992).
Na
América, The New York Times chamou-lhe
o “Faulkner israelita”. Toda a vida
se interessou pelos problemas sociais e vivenciais dos homens, das injustiças e
dos sofrimentos. Costumava dizer: “O que
escrevi foi sempre sobre as histórias
trágicas dos outros”.
Escritor mundialmente consagrado e um dos maiores escritores israelitas Agnon - que, em 1966, ganha o Prémio Nobel de Literatura, com o livro “A Guest in the Night” – prémio Nobel esse que “dividiu” com a escritora judia-alemã, Nelly Sachs. (6)
Na entrevista Yehoshua lamenta a vida de perseguição, sofrimentos e humilhações “que os judeus tiveram antes de ter um estado que fosse deles”.
E faz uma pergunta a que é muito difícil responder: “Por que fomos tão odiados? Primeiro os alemães, agora os palestinos...” E acrescenta: “Tivemos uma história dura. Chegámos aqui vindos de uma terrível experiência, equilibrámo-nos, defendemo-nos, mas depois os colonatos vieram destruir tudo”.
O escritor foi uma voz que falou sempre do lado da Paz no Médio Oriente, pertenceu aos movimentos de Paz (ao lado de Amos Oz, David Grossman e outros), esteve comprometido no 'Processo de Paz Israelo-Palestino' e participou na 'Iniciativa de Genebra'. (8)
La figlia Unica
Avraham B. Yehoshua, um dos autores mais premiados em Israel, recebeu o Prime Minister Prize para Literatura Hebraica em 1972; em 1990; o Prémio Nacional do Livro Hebraico com "L'année des cinq saisons" Prémio Israel de Letras (1995) o mais importante de Israel e ainda o Prémio Bialik.
Teve também consagração fora de Israel: em 2006, o Los Angeles Book Prize - para "A mulher de Jerusalém"; em França, o Prémio Médicis para estrangeiros, com o livro "Rétrospective", em 2012.
Em Itália foram-lhe atribuídos vários prémios literários importantes como o Premio Boccaccio, o Premio Viareggio e o Prémio Roma (2008).
Avraham Yehoshua amava a vida e as pessoas e sabia que não podia durar muito mais, mas ainda continuava a escrever o último livro. Nessa última entrevista fala da vida e aceita despedir-se dela: “não devemos ancorar-nos à vida em si, mas à vida boa, plena, e a minha foi-o intensamente.”
Contava também que a neta, Gaia, estava sempre a dizer “o avô leva a vida a falar da morte nos jornais mas anda sempre a
viajar de um lado para o outro.” A viagem acabou? Quem sabe?
Talvez do outro lado haja estrelas onde possa fazer mais viagens e haja pessoas que gostam de falar e a quem pode ensinar e outras com quem continuará a aprender. Tenho muita pena que se tenha ido embora, tinha – pela sua presença e atitude - muito ainda para ajudar os outros.
(Estava para publicar este 'post' sobre Yehoshua, surpreendeu-me a sua morte. Aqui fica com as alterações que se tornaram necessárias.)NOTAS:
(1) A. B. Yehoshua nasceu em 9 de Dezembro de 1936 em Jerusalém e morreu em 14 de Junho de 2022 em Telavive.
(2) “Le Monde”, artigo de Nicolas Weill, 17/06/2022, intitulado “Avraham B. Yehoshua, escritor israelita”
(3) A WUJS foi criada em 1924 por um advogado britânico e o seu primeiro Presidente foi Albert Einstein. Os vice-presidentes eram então Chaim Weizman, Chaim Nachman Bialik e Sigmund Freud, nomes famosos.
(4)Benny
Ziffer, jornalista do Ha’aretz, um
dos jornais mais considerados em Israel.
(5) Shmuel Y. Agnon é um autor mundialmente consagrado em Israel e internacionalmente. Em 1966 ganhou o Prémio Nobel de Literatura. O prémio foi dividido com a poetiza judia de origem alemã, Nelly Sachs.
Um dos livros mais famosos de Agnon, “Only Yesterday” (hebraico, 'Tmol Shilshom' que seria em português ‘Ontem e Anteontem’) e em francês “Le Chien Balak” fala da criação do novo país de Israel e é uma porta que aberta para melhor conhecer a criação do novo país.
(6)Sobre Nelly Sachs: nasceu em Berlim em 10 de Dezembro de 1891 e morreu em Estocolmo no dia 12 de Maio de 1970. Escritora cujas experiências de vida durante a ascensão do nazismo a transformaram numa espécie de porta-voz dos sofrimentos pungentes e da tristeza dos seus companheiros judeus. Não resisto a contar esta história maravilhosa.
Nelly e a mãe estavam na Alemanha, iam ser levadas para um campo de concentração - mas quase miraculosamente ela arranja um visto para a Suécia. Não por milagre mas sim pela intervenção da escritora Selma Lagerloff que Nelly admirava e com quem se correspondia. Contara a situação dramática numa carta e Selma Lagerloff consegue um salvo-conduto concedido pela Família Real Sueca. Quando Nelly chega a Estocolmo, porém, Selma Lagerloff tinha morrido pouco dias antes.
(7) A entrevista da autoria da jornalista Sharon Nizza, sai no jornal La Reppubblica em 06/11/ 2021 (na secção cultural “Robinson”). “La figlia unica” é publicado na Editora Einaudi, 2021.
(8 )O chamado “Acordo de Genebra” é um projecto de Acordo de Status Permanente para encerrar o conflito Israelo-Palestino, em 2004. Houvera antes negociações com a intervenção de vários participantes o Presidente Clinton, Yasser Arafat e Iossi Beilin nesse momento primeiro ministro um documento assinado em 12 de Outubro de 2003.
https://en.wikipedia.org/wiki/A._B._Yehoshua
https://www.theguardian.com/books/2022/jun/15/ab-yehoshua-obituary
Só hoje vim até aqui. Gostei de ler, como sempre, já não vou ler, como sempre...Houve, há e haverá sempre, por desgraça, muito sofrimento neste mundo, muita escuridão , mas também gente com muita luz. Bom finde
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