Numa “bancarella” da Piazza Attilio Hortis, em Trieste, comprei três ou quatro policiais, um deles da autoria de um autor japonês, cujo nome é Yokomizo Seishi (1).
Nunca tinha ouvido falar dele, mas fui procurar e sei hoje que é um escritor muito apreciado na sua pátria pelos amadores de policiais. O livro intitula-se em italiano “Il detective Kindaichi”. (2)
Traduzido em inglês como “The Honjin Murders” (3), é um romance de mistério. Foi publicado em folhetins na revista japonesa “Houseki” entre Abril e Dezembro de 1946 e ganhou o primeiro Mistery Writers Of Japan Award, em 1948 – o Grande Prémio de Escritores de Mistérios do Japão.A particularidade deste escritor é a sua escolha de casos policiais do “subgénero” do “quarto fechado”. Os enigmas lugares sem saída onde ocorrem crimes geralmente violentos – que segundo a lógica, não podem ter acontecido!
Enigmas porque não se consegue perceber "normalmente" o modo como o crime foi cometido - quando não havia nenhuma saída para o assassino escapar. Sendo o crime cometido nessas circunstâncias – como pôde o assassino fugir de uma sala, ou um quarto, geralmente fechados à chave por dentro e sem nenhuma outra saída.
Houve ao longo dos tempos vários romances policiais desse tipo. Podemos lembrar por exemplo, em França, Gaston Leroux e “Le Mystère de la chambre jaune”, mistério famosíssimo.No Reino Unido, o inglês Conan Doyle e “O Mistério da Cela nº 13”, onde Sherlock Holmes desvenda um mistério considerado indecifrável. Ou Agatha Christie com o terrível livro “Os dez negrinhos”.
No Japão, de facto, chamavam a Yokomizo Seishi o John Dickinson Carr japonês. O autor pertence ao grupo de escritores que se dedicaram ao romance de “mistério do quarto fechado” ou “do crime impossível”, os chamados enigmas do “locked-room” ou mistérios do “impossible crime”.
Em francês o livro chama-se "La hache, le koto et le crysanthème". O detective Kandaichi é uma figura de anti-herói, desastrado, sem charme e além do mais gago mas tem óptimos dotes dedutivos. Vê-se “desafiado” para um caso extremamente difícil e decide que vai resolvê-lo.
Numa aldeia japonesa no ano de 1937, dois jovens morrem
na noite do casamento no quarto completamente fechado - cujo chão e paredes
estão manchados de sangue. Acabados os festejos todos vão dormir mas a meio do silêncio da noite ouvem-se
gritos de terror que parecem vir da dependência onde dormiam os esposos.
No entanto, a presumível arma do crime – um sabre de samurai – é encontrado fora do quarto, enterrado na neve.
Enterrado, porém, não está só o sabre -há muitos outros factos ligados à família de Kenzo, o esposo, muitos mistérios incompreensíveis e desconhecidos da própria família dos Ichiyanagi.
O enredo complica-se. Descobrem-se coisas sem sentido. Pistas e contra-pistas. Quando os gritos aflitivos param, ouvem-se minutos depois uns toques suaves do instrumento musical que a noiva levara para o quarto, um instrumento de cordas chamado “koto”.
Como era possível que alguém tocasse o instrumento se ambos
estavam mortos? Por que razão o gato da pequena Suzuko - irmã mais nova de Kenzo - que morrera nessa manhã, não tinha sido logo enterrado? O que fora enterrado no lugar dele? O que continha a caixa onde estava o gatinho?
Descobre-se que a família do noivo estivera contra aquele casamento porque Katsuko pertencia a uma família sem grande nome. No entanto, como diz o autor, sabe-se que “a água vence sempre o fogo” e acabaram por aceitar a noiva.
Nos jornais locais os títulos referem o crime da “família amaldiçoada” e falam do “caso do koto enfeitiçado”.
Suspeitos? Todos. A começar por um homem que aparecera pela aldeia a perguntar a direcção da casa Ichiyanagi, um desconhecido a quem faltavam três dedos.
Para o detective Kindaichi há, porém, muitas outras pistas que começam e acabam na família de Kenzo Ichiyanagi.
Espera-vos uma bela leitura que vos aconselho, cheia de golpes e contra-golpes, descobertas logo inocentes em relação ao crime. Um livro escrito com prazer e humor.
O livro foi levado ao cinema, em 1975, pelo realizador japonês Yoichi Takabayashi.
***
(1)
Yokomizo Seishi nasceu em Kobe em 1902 e morreu em Tóquio em 1981. Durante muitos anos sofre de tuberculose. Dizia-se nessa altura tão difícil no Japão que "a fome e a tuberculose andavam à briga para ver quem acabava com mais vidas"
(2) “Il detective Kindaichi”saiu no Japão em 1946. Em Itália, foi publicado em 2019, na colecção Sellerio editore Palermo que se dedica à publicação de livros policiais de qualidade vindos de todo o mundo.
(3) Do livro foi tirado em 1975 um filme, “Death on the Old Mansion”, do realizador japonês Yoichi Takabayashi.
(4) John Dickinson Carr nasceu em Novembro de 1906 e morre em Fevereiro de 1977. É um dos grandes escritores da chamada “Golden Age”dos mistérios. Nesses romances os detectives resolviam casos aparentemente impossíveis de resolver e crimes sem solução.
(5) O "koto" é um instrumento musical japonês (a "Cítara japonesa"com 13 cordas e dedilhado. Mede cerca de 1,80 m de comprimento e é esculpido em madeira Kiri (paulownia). Aparece no século VI no Japão vindo da China.
https://www.blogletras.com/2017/07/seishi-yokomizo-o-rei-do-romance.html
Sem comentários:
Enviar um comentário