Nasceu em 10 de Dezembro de 1830 em Amherst pequena cidade no Massachusetts e morreu a 15 de Maio de 1886 na mesma cidade.
A sua infância foi rodeada de mortes de familiares e de amigos - e a ideia da morte sempre injusta nunca a abandonou. Jovem mulher solitária, cheia de amor para dar, sem o realizar, viveu uma vida retirada - escrevendo os seus poemas - quase passando ao lado da vida.
“A minha única imagem do Paraíso é um grande céu azul mais azul e mais vasto do que o maior céu azul de Junho. Nele estão todos os meus amigos.”
Um desabafo sobre essa inaceitável situação da morte dos amigos. A que se segue outro pensamento perturbante:
“Não consigo pensar que os amigos que vi na minha juventude esvaírem-se como orvalho ao sol, nunca mais vão andar por estas estradas.”
E Emily Dickinson escreve o poema:
“Caíram como neve,
caíram como estrelas
ou pétalas de rosa
quando de súbito, em Junho,
o vento lhes tocou.”
Digo "quase" porque ela vivia de outro modo, num mundo desconhecido e na adoração da Natureza. Tinha uma relação especial com o mundo do 'não visto', de que lhe falara o amigo que “aproximou-se tanto da Imortalidade que um dia ficou por lá”.
Num belo poema de 1862, recorda a morte desse amigo importante “que lhe ensinou a Imortalidade”.
“Quando era uma menina
tive um amigo
que me ensinou a Imortalidade
– mas, aventurando-se tão perto dela -
um dia não voltou.”
Este era Ben Newton Franklin (2), amigo do irmão mais velho, Austin Dckinson. Chega a Amherst em 1947, com 26 anos, para praticar Direito no escritório do pai dela, advogado na “Dickinson and Bowdoin”.
Torna-se amigo da casa, considerado como família e tem uma influência grande sobre Emily. É, aliás, ele que lhe oferece, em 1850, os poemas de Emerson (3) - mas, infelizmente, Ben vai morrer cedo em 1853.
Emily tem vinte anos e vai sentir a falta dele. Costumava chamar-lhe “irmão mais velho muito amado”. Considerava-o o seu professor, quem lhe aconselhava o que devia ler, lhe confiara os autores que apreciava, lhe dizia o que era mais belo ou maior na natureza.
Fora ele quem lhe ensinara também “a lição sublime” de "acreditar em coisas que os outros podem não ver". Depois da morte de Ben, Emily conta: .“O meu amigo mais antigo escreveu-me na semana antes da sua morte ‘Se viver, vou a Amherst – se morrer, vou com certeza..." Para ela, uma espécie de premonição.
A verdade é que os versos dela tinham vida, respiravam, traduziam sentimentos, saíam da alma, puros e cândidos, violentos e em catadupas. De facto, em dez anos, Emily Dickinson escreveu milhares de poesias.
Achava que as mentes das pessoas normais não aceitariam as suas palavras,
a sua voz jovem que se afirmava na vida contra tudo e todos, amava a beleza dos
seres humanos e falava dos seus sentimentos de amor fortes. E da morte.
Diz Fátima Diogo, uma amiga que se interessa por literatura e muito sabe: “o seu estilo de escrita muito sintético, muito afastado da escrita poética do momento foi incompreendido na época e durante décadas - ela estava à frente do seu tempo, a nível da escrita do verso …"
Archibald MacLeish, estudioso da obra de Dickinson (5), diz por sua vez: “Era um Poeta do mundo pessoal e íntimo e ao mesmo tempo observador e actor. Se por acaso acharmos que o tom em que escreve é falso ou inconsciente, os seus poemas são porém insuportáveis. A poesia de Dickinson tem sucesso porque ela sofre mas ao mesmo tempo vê-se de fora”.
Como se fosse ela própria, “herself”, a observar-se de fora. continua a explicar: “Ela é “herself” e simultaneamente vê-se de fora, “out of herself."
“Algo nos é comunicado que não podemos deixar de escutar. E a voz tem ainda outra característica: não só “fala” como “nos fala” a nós.”
A voz fala-nos, acompanha-nos e ajuda-nos a aceitar a separação final? Será assim? Com que alma pode ela pensar isso, ela que desejou sempre ajudar a viver. Para ela “viver” só teria sentido se fizesse alguma coisa pelos outros.
***
Emily é um espírito romântico que gostaria de amar, de ter alguém a quem se dedicar. Em 1855, numa viagem a Filadélfia, apaixonara-se pelo Reverendo Charles Wadsworth a quem dedica belas e sentidas poesias de amor e escreve cartas dedicadas - mas o Reverendo é casado e não se quer prender a ela.
Em 1877, Emily dispõe-se a casar com um amigo do pai, um juiz viúvo, mas o juiz adoece gravemente em 1882 e morre dois anos depois. Uma vez mais a morte ronda a sua vida e transtorna-a. Desorienta-a. Revoltada contra a morte, censura-a.
“Ah, exigente Morte
“Ah, democrática Morte
Que fizeste nascer
a mais alta zinia do meu jardim
- e depois levaste abraçada contigo
A filhinha do meu criado.”
A sua voz espontânea é a que não conseguimos deixar de escutar e de seguir: a voz da rapariguinha que cresceu, amou, sofreu, viu a morte rondar. Desesperou e escreveu, escreveu. Escreveu como quem canta para afastar os medos e os males.do pre-rafaelita Burne Jones
A voz espontânea da menina que sabia falar da Imortalidade. Sem saber que um dia seria imortal!
Uma vida de sofrimento e coragem que é levada ao cinema por Terence Davies, em 2017.***
(1)Emily Elizabeth Dickinson nasceu em 10 de Dezembro de 1830 em Amherst, cidade do Massachusetts, e morreu em 15 de Maio de 1886.
(2) Benjamin Franklin Newton nasce em 1821 em Berlin no Massachusetts e morre, de tuberculose, em 1853.
(3) Ralph Waldo Emerson, poeta e filósofo, é uma figura marcante desta época; nasceu em Boston em 1803 e morreu em 1882.
(4) Thomas Wenthworth Higginson nasce em 1823 no Massachusetts e morre em 1911 na mesma cidade de Cambridge. Foi um escritor, um político, abolicionista famoso, soldado e Ministro da América Unitária. Foi também crítico literário da revista “Atlantic Monnthly”. e morre em 18 e era crítico literário da revista “Atlantic Monnthly”.
(5) Archibald MacLeish nasceu em Glencoe, Illinois, em 1892 e morreu em 1982 em Boston.
Professor de Retórica e Oratória e estudioso de Literatura tem vários estudos sobre
a poesia de Dickinson.E "Selecções" de poemas dela.
(6) Em 2017 sai um filme de Terence Davies sobre a sua vida “Para Além das
palavras”.
https://www.emilydickinsonmuseum.org/benjamin-franklin-newton-1821-1853-friend/
Só conheço (e gostei muito de) alguns dos seus poemas e gostei de ficar a saber mais sobre ela
ResponderEliminarum beijinho e uma boa noite
Adorei ler, como sempre.
ResponderEliminarJá tinha saudades de ler um post seu.
Beijinhos:)))
Uma das grandes! Não referes que o seu amor foi a própria cunhada, Susan Huntington, o que explica de certa forma que seja uma experta em aspectos sentimentais negativos, onde a paixão e a morte se debatem. Em quanto ao estilo, foi revolucionária, uma avançada ao seu tempo, a primeira representante da poesia moderna.
ResponderEliminar"In name of the Bee
and of the Butterfly
and of the Breeze.
Amen!
Parece un Haiku...
Desta vez falei de outro aspecto, foi tudo a correr, mas gosto muito dela e quando tiver tempo no regresso da viagem escrevo mais, não tem fim o que se pode dizer dela, personagem tão rica e complexa e tão revolucionária, dizes bem. Beijinhos
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