quarta-feira, 24 de abril de 2024

Cravos para a Revolução de Abril nos 50 anos que hoje passam

Cravos na nossa casa
 
 
Archip Kuinji "Luar no Denieper", 1908
 
Hoje passam 50 anos sobre a “Revolução dos cravos” - do dia 25 de Abril de 1974.  Eu quero imaginar que era uma noite de luar. E imagino o "Luar sobre o rio Dnieper", de Kuinji... 
 
 E outros luares.

 
 
Na noite do dia 24 de Abril de 1974, às 22h55, era dada a primeira senha, nos Emissores Associados de Lisboa, para o Movimento das Forças Armadas se prepararem para a missão de libertar Portugal do regime totalitário em que esteve durante 48 anos."

Noite em que se calhar não houve luar...

Cinquenta anos é uma vida. Esta data recorda um dia em que, de madrugada, começou para nós uma grande surpresa. Ou uma grande aventura.

Já nos tínhamos cansado de esperar mas, na madrugada de 25 de Abril, soubemos que algo estava a acontecer.

Ainda de madrugada, foi através do irmão dos “gémeos” amigos do Diogo - a fazer a tropa naquela altura. Ele “disse” qualquer coisa para casa. E comunicaram connosco.

O que se preparava na madrugada de 24 de Abril não se sabia o que era. Mais tarde, Sophia de Mello Breyner Andresen ia falar dessa madrugada tão esperada:

"Esta é a madrugada que eu esperava

O dia inicial inteiro e limpo

Onde emergimos da noite e do silêncio

E livres habitamos a substância do tempo"

 
pintora israelita, Charlotte Salomon

O que estava a acontecer era a madrugada que esperávamos? Era sim, mas só o soubemos muito mais tarde. O que viria por aí? Nessa noite tinha começado tudo!

E eu imagino que era uma noite de luar...

Na manhã de 25 de Abril, ainda nada era certo. Saí para ir dar as minhas aulas no Liceu de São João do Estoril. Havia boatos, nada de concreto, mas uma grande expectativa.

Liceu de São João do Estoril, hoje

As aulas não “funcionaram”: havia uma carga emocional que não permitia qualquer normalidade. Lembro-me que deixei aberta a porta da sala de aula. De vez em quando alguém espreitava à porta. Havia um longo diálogo de olhares, no fundo era incerto tudo, ainda.

No primeiro intervalo houve muitos alunos e alunas do 7º ano (hoje 12º) que se puseram a caminho de Lisboa para saber o que se passava.

Os que não saíram ficaram a conversar comigo na sala. Uns explicavam aos outros o que tinham ouvido em casa. O que podia acontecer, o que podia não ser. Apesar de haver muito pouca politização na altura, alguns tinham já uma opinião formada e não estavam todos do mesmo lado. Alguns estavam assustados. Era tudo tão estranho naquela manhã.

No intervalo seguinte outros mais ficaram fora, não voltaram à aula. Havia carros com familiares que os tinham vindo buscar.

Não havia telemóveis por isso ali não recebíamos mensagens. E a minha imaginação criava cenários bons. Havia uma esperança tão grande de que fosse a surpresa que desejávamos!

Cansados, desiludidos, quantos portugueses não tinham já fugido do país? Quantos tinham estado presos, também, e tinham “dado o salto” para Paris? Muitos tinham atravessado a Espanha, ajudados por contrabandistas. Quantos fugiram para não fazer a guerra em África? Quanto tempo ia durar a ditadura?

  

imagem do filme Apocalypse Now

Mas um grupo que esteve nessa guerra colonial formou um Movimento que esteve na base da revolução dos cravos, o Movimento das Forças Armadas, assim se chamou.

As estações da rádio iam dando notícias incertas. Mas como era bem-vinda aquela incerteza! Estávamos fartos de esperar! Sentíamos que o tempo ia passando, tantos tinham já desistido e quantos tinham morrido. Era urgente essa revolução!

 ***

Hoje, 50 anos depois, sinto o nervoso daquela manhã de Abril que nunca esquecerei. Era o nosso “momento mais intenso” como disse um meu amigo, o momento que não podíamos deixar perder.

A revolução tinha começado na calada da noite de 24 para 25. E o plano ia-se desdobrando e revelando conforme combinado. Com “senhas” que eram canções. Com “sinais” transmitidos pela rádio.

Aos microfones dos Emissores Associados de Lisboa, João Paulo Diniz, tinha que colocar à hora programada – 22h 45- o tema “E Depois do Adeus” da autoria de José Niza e de José Calvário, na voz de Paulo de Carvalho, canção vencedora do Festival RTP da Canção daquele ano.”

 https://youtu.be/jthlDhHpblo?si=AZ63uJQDKpefghva

E, nessa manhã única, houve quem quisesse saber logo e fosse espreitar à Baixa, ao Cais do Sodré, aos lugares perto do rio, à Praça do Comércio, onde estavam os Ministérios.

E começaram a aparecer as floristas que tinham ido de manhãzinha ao mercado comprar flores e estavam no percurso dos tanques.

Viram o rosto jovem dos soldados, viram algum sorriso, uma clara alegria nos olhos deles cansados - e começaram a dar-lhes flores. E eles punham-nas no cano das espingardas.
 
 

Era Abril e as flores dessa manhã eram as do mês de Abril, os cravos. E assim ficou para sempre chamada a “Revolução dos Cravos”!

A revolução pacífica em que quase não houve mortos. A revolução que trouxe a liberdade perdida há tantos anos! 

 
um dos heróis, o capitão Salgueiro Maia

A revolução que nos trouxe não só a liberdade, mas também a dignidade perdida, a vontade de querer, de fazer, de lutar por uma coisa que ninguém nos ia nunca mais tirar: o direito de escolher, o direito de sermos nós! 

Esta foi a história de uma madrugada que se transformou num dia feliz - que ainda não se acabou.

 
Toca agora a cada um de nós manter essa “revolução” - oferecida. E toca-nos não esquecer os nomes de tantos que ajudaram a sermos hoje o que somos. O que teríamos sido sem ela? O que teria acontecido a Portugal? Penso que quando a queremos criticar devíamos pensar nisso.

 

"É preciso salvar Abril", de Henrique de Matos
 

E que continuaremos a ser - se tivermos a coragem de recusar aqueles que, vindos da noite, com as promessas mansas que nunca respeitarão e com as vozes falsas de sempre, querem vir roubar a nossa madrugada! 

Viva o 25 de Abril! Sempre! É nosso!

3 comentários:

  1. O capitão Salgueiro Maia foi mesmo o grande herói entre os heróis dessa noite histórica, que terminou num manhecer luminoso, com a esperança dum Portugal melhor para sempre. Eu vivi tudo desde Espanha, pegada ao rádio e a chorar de emoção. Há coisas que nunca se esquecem! Beijinhos

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Um grande homem! Simples, verdadeiro e que pensava que estava só a fazer o seu dever - e não precisava que lhe dessem nada. Um alentejano de Castelo de Vide. Uma amiga minha ainda brincou com ele. Já nessa altura era um miúdo bom, generoso...

      Eliminar
  2. Maria, tentei ontem pôr um "testamento" enorme a comentar o teu texto - mas como estava a fazer pelo telemóvel...DESAPARECEU. Nem chegou a ti, nem ficou para mim. Ainda por cima tinha-me posto a filosofar. Tenho pena de nem sequer me lembrar, fui levada pelo entusiasmo. Vou tentar pôr outro pelo PC. beijinhos

    ResponderEliminar