Não, não eram uma "grande maçada"! "Os Lusíadas" são, sim, um grande poema, uma história infindável que se pode começar a ler por qualquer um dos seus Cantos ou das suas estrofes.
O que são os Cantos e quantos são? Importa? Sim, quando se faz o "estudo" e análise do Poema. Se não, quem pensa no poema a sério?
Posso estar errada mas para mim o poema é intemporal - a vida do seu autor podemos nem a conhecer mas a obra ficará viva.
Foi talvez o
poeta mais estudado e do qual muito pouco de concreto se sabe. Esse “estudo”
sempre descobrirá novas coisas, novas facetas, novas conclusões. Sai hoje
uma Biografia nova de Camões. (1)
Mas o Poema vive de vida própria. E quando se começa a ler o encanto chega pela magia da palavra, pela narração em si, pela imaginação, pelo saber e pelo "engenho" enorme do seu autor.
Como
dizia José Régio (cito de memória), "perante uma obra de arte, o leitor ou
espectador passará pelo seu próprio “filtro” essa mesma obra e será
diversamente “tocado” por ela, conforme a sua própria vivência, cultura,
costumes".
Por isso todos teremos de uma mesma obra - passada “pelo próprio “filtro” – um entendimento e
compreensão diferentes. E cada um será “diversamente
“tocado” por ela, conforme a sua própria vivência, cultura, costumes”.
Pouco importam as respostas que (nos) podem servir. É na obra que tudo está.
E em "Os Lusíadas" tudo se ergue diante de nós durante essa mítica viagem. Praias e rochas, penedos com forma de gigantes, correntes que arrastam as naus e perigam a navegação. A visão de um fenómeno novo a “tromba marítima”, fielmente descrita pelo Poeta.
A atracção - e o medo - pelas figuras marinhas que atraem os marinheiros como as sereias pela sua intensa beleza, pelos corpos lindos. Ou as traições que vão sofrendo pelos orientes fora.
E é pela música mágica da palavra que ele nos “leva”. Pelos versos magníficos que falam de deuses e de ninfas, de deuses que se comportam como seres humanos, de homens que se elevam ao lugar dos deuses.
E lá vamos nós atrás do poeta, presos da palavra, por mares e tempestades, rios e mares, céus azuis ou tempestuosos. Lá partimos a viver as suas aventuras e lá voltamos com ele da grande viagem maravilhosa.
O poeta, lúcido sempre, queixa-se. Ele sabe bem que não será entendido. Fala do seu saber "de experiência feito" e do seu engenho que os outros nunca compreenderão inteiramente.
Reconhece "cantar pr’a gente surda e endurecida". Conhece os governantes, conhece os homens e as suas fraquezas. E sabe que os louvores e o reconhecimento não serão para ele.
"O favor com que mais se acende o engenho/Não no dá a pátria (...)"
Estão já na viagem de regresso - quase a chegar a Lisboa. O céu sereno recebe-os. A foz do Tejo aproxima-se e a pátria amada está à vista. Fala de si sem falsa modéstia, conhece o seu valor:
"Mas eu que falo, humilde, baxo e rudo,
Nem me falta na vida honesto estudo,
Com longa experiência misturado,
Nem engenho, que aqui vereis presente,
Cousas que juntas se acham raramente."
(Canto X, estância 154)
Para trás ficaram os perigos mortais, as passagens pelos Cabos de difícil navegação, o Adamastor, as ameaças, as armadilhas dos deuses e das forças da natureza, os ventos, as tempestades, o encanto das sereias. Os mistérios do desconhecido e dos mostrengos e tantos outros males nunca conhecidos.
"Assi foram cortando o mar sereno,
Com vento
sempre manso e nunca irado,
Até que
houveram vista do terreno
Em que naceram,
sempre desejado.
Entraram pela foz do Tejo ameno."
Sim, em frente e tranquilas, estão as águas do Tejo ameno e a sua foz espraiada - que esperam o Poeta. A amargura e a tristeza sentem-se nestes versos do final do poema.
É a despedida que nos deixa. O poeta, desiludido e cansado, sabendo que não mais voltará a escrever, lamenta-se à sua Musa:
"Nô
mais, Musa, nô mais, que a Lira tenho
Destemperada e
a voz enrouquecida,
E não do canto,
mas de ver que venho
Cantar a gente
surda e endurecida.”
O favor com que
mais se acende o engenho
Não no dá a pátria, não, que está metida
No gosto da
cobiça e na rudeza
Duma austera,
apagada e vil tristeza".
(Canto X, estância 145)
***
Camões nasce por volta de 1524 possivelmente em Lisboa e morre no dia 10 de Junho de 1580 (ou 1579?). “Os Lusíadas” saem em 1572 e, dizem, que ainda os leu ao Rei D. Sebastião. Não será lenda?
litografia de 1873 que assim o representa
Veremos a nova Biografia que trará algo de novo com certeza!
O que importa é o que nos leva a saber que Camões é um génio e a gostar dele – e isso é "o mistério da obra de Arte".
"Ó caminho da vida nunca certo:
Que aonde a gente põe sua esperança
Tenha a vida tão pouca segurança."
Pobre Camões, tido em tão pouco apreço pelos governantes que acaba - pobre e deserdado, de desilusão em desilusão à porta do Convento de São Domingos.
“Onde pode acolher-se um fraco humano,
Onde terá segura a curta vida,
Que não se arme, e se indigne o Céu sereno
Contra um bicho na terra tão pequeno?”
(Dia
de Camões, 10 de Junho 2024)
(1)A nova biografia de Luís de Camões escrita por Isabel Rio Novo e intitulada “Fortuna, caso, tempo e sorte” (publicada pela Editora Contraponto) foi hoje apresentada na Biblioteca Municipal Manuel Boaventura, de Esposende, nas Comemorações dos 500 anos do Poeta.
https://chmagazine.pt/contraponto-vai-publicar-biografia-de-luis-vaz-de-camoes/
Quando ve Lisboa ao longe, desde o mar alto, exclama estes versos, que sei de memória desde os 12 anos, quando me zampei os tres tomos da sua biografia por Campos Júnior ( que tinha o meu pai) e me enamorei do personagem ...
ResponderEliminarEsta é a ditosa pátria minha amada,
À qual se o Céu me dá que eu sem perigo,
Torne, com esta empresa já acabada,
Acabe-se esta luz ali comigo.
(Canto III, 21)
Não sabia da saída desta biografia. Já vou ver dela, porque me interessa muito.
ResponderEliminarBom post, como sempre:))
Beijinhos e uma boa semana:))