Como esquecer o dia dela se a lembro sempre? Se a sua voz me obsessiona com o modo plangente de cantar?
"white lilies": flores para Billie Holiday (Etsuko)
Billie
nasceu em 7 de Abril de 1915 e morreu em 17 de Julho de 1959. Filha de pais quase adolescentes (o pai tem 15 anos e a mãe 13) e já abandonada
pelo pai ainda antes de nascer… A mãe, imatura, que a foi deixando ao deus dará, personalidade infantil até ao fim da vida. Foi sempre Billie quem tomou conta da mãe e não o contrário.
"Me, myself and I", sempre só, seguiu a sua vida.
"Me, myself and I", sempre só, seguiu a sua vida.
Li
uma biografia de Billie que vos aconselho, escrita por Donald Clarke e
intitulada “Billie Holiday, Wishing on the Moon”. Sim, a vida sonhada a desejar a Lua e a ter, na realidade, tanta dureza e incompreensão e solidão à sua volta.
Aos 12 anos era já uma mulherzinha, bonita e elegante, parecendo mais
velha do que era, com uma pele muito clara – herdada de um bisavô paterno irlandês e de uma escrava negra.
Com 12 anos, pois, já cantava nos bares de
Baltimore, já começara a drogar-se. “A vida custa”, diziam em São Tomé na placa
de um restaurante que se chamava exactamente “Petisqueira a vida custa”…
E
a vida dela custou muito. Desde a infância que lhe foi difícil viver. Fazendo a
vida na rua, abandonada, em casas de correcção, violada cedo, como tantas outras crianças negras do
West Baltimore. A tentar sobreviver, defendendo-se.
Crescida,
ainda novinha, cantou em Harlem, para onde foi viver. Cantou, depois, nos night-clubs brancos da moda, em Nova
Yorque. Eram os tempos dos contos do Jazz Age, de Scott Fitzgerald, os tempos do “swing” que, antes, tinham sido os do “charleston”. Eram os blues. E do jazz que surge, de repente.
com Louis Amstrong e a sua jazz band: no filme 'New Orleans'
com Louis Amstrong em "New Orleans"
Apreciada pelo público branco, isolada e “negra”
sempre, apesar de “clarinha” de pele, exibe-se e canta.
com Louis Amstrong, no mesmo filme
Cantou
com os grandes músicos! Saxofonistas, trompetistas e pianistas famosos -e ainda
hoje bem conhecidos dos apreciadores de jazz.
Como Count Basie, Gillespie, Coleman Hawkins, Charlie
Parker, Teddy Wilson, Louis Amstrong e Lester Young seu amigo e companheiro tão
“desgraçado” como ela e que morre poucos meses antes dela, doente como ela.
com Coleman Hawkins
Era ele que lhe
chamava “Lady Day”, enquanto ela lhe chamava “Pres” - porque, para ela, o
frágil Lester Young era Presidente.
com Lester Young
Uma noite (não era muito já muito nova Billie, nesses anos), completamente bêbeda, recusa-se a entrar em cena. Os fans enchiam o night-club, há mais de duas horas e, impacientes e barulhentos, chamavam por ela.
Ela não quer cantar, não quer nada. Está encostada ao balcão do
café no piso inferior, de copo na mão e de olhar ausente. O marido (da altura,
nem interessa o nome), dá-lhe encontrões e fá-la subir as escadas, à força, entre murros
e pancadas. Indiferente, resistindo, talvez drogada, vai sendo empurrada, escada acima, protegendo-se, encostada à
parede. Entra e nem olha o público, nem responde aos aplausos.
Como não
se aguenta em pé, senta-se numa cadeirinha ao lado dos músicos. Talvez
trouxesse o seu vestido branco de lantejoulas e gardénias brancas nos
cabelos.
Ou talvez vestisse de negro e tivesse os lábios pintados de vermelho vivo, como tantas vezes gostava de pintar.
Ou talvez vestisse de negro e tivesse os lábios pintados de vermelho vivo, como tantas vezes gostava de pintar.
Acena aos músicos para começarem a tocar a primeira música.
Seria a terrível canção da
tristeza absoluta (que levou gente ao suicídio, nesses anos loucos), Gloomy Sunday? Ou,
ironicamente, depois dos murros que levara, seria “My Man” ou "The Man I love"?
A voz dolente a
arrastada, o grito adormecido da alma levam o público a mais aplausos sem fim. Sem
se levantar, aponta com o dedo, um dos músicos, a canção que está no fim da lista das que deveria cantar.
Ele explica-lhe que não pode ser, que tem de cantar todas as canções. "Os espectadores tinham pago
muito dinheiro para a ouvir! Tinham esperado horas que ela chegasse…"
Ela
abana a cabeça, silenciosamente, e começa a cantar a canção que
decidira ser a última. Quando acaba, agradece e sai sem olhar para ninguém. O
público aplaude, grita o nome dela. quer que ela volte e cante. Mas a "sophisticated" Lady Day não volta ao palco...
Uma história de vida muito triste...
ResponderEliminarÉ a minha voz preferida, do jazz. Gosto muito de a ouvir.
Um beijinho grande:)
Um pássaro com voz de cristal
ResponderEliminar~~
ResponderEliminar~ ~ Impressionante! ~ ~
~A vida não era nada fácil para todas as mulheres,
com a raridade de oportunidade de empregos que
pudessem assegurar uma vida independente; mas
a situação das mulheres negras era, na realidade,
calamitosa!
~ ~
Uma homenagem que apenas os amantes do jaz,
entendem integralmente.
~~~Viva a música!~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~
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Gosto muito da sua voz. Reflecte a tristeza da sua vida. O que li sobre ela foi em jornais e revistas culturais, nunca li a sua biografia.
ResponderEliminarObrigada por esta partilha.:))
Beijinho.:))
Uma figura de todos os dias, Lady Day. Elevada ao altar dos predestinados tem vasta multidão de devotos.
ResponderEliminarMuito bom trabalho, MJ.
Sabia que Billie Holiday não tinha tido uma vida nada fácil,
ResponderEliminarmas a este ponto não!
Cantou e encantou até não poder mais...
É um nome incontornável do jazz.
Obrigada, Maria João, por esta exposição!
Um beijinho.:)
Uma vida duríssima, ao mesmo tempo com oportunidades únicas, mas toda a criança que cresce sem afecto está condenada a ser um adulto sem norte, perdido dentro de si mesmo. Os homens com que procurou a felicidade também já vinham marcados, como as cartas dum baralho maldito. Talvez viveu para que a sua voz obsessione sempre a pessoas como tu!
ResponderEliminarSou atriz e intérprete musical, e recebi a honrosa missão de interpretar a incrível Lady Day, no palco, num monólogo musical dramático, intitulado "Billie Holiday, a Canção". O texto descreve os últimos dias de vida da diva negra do jazz na enfermaria de um hospital. O autor, Hunald de Alencar, um dos mais importantes dramaturgos do nordeste, e fã incondicional de Billie Holiday, escreveu o texto para a minha interpretação, por achar similaridade entre as nossas vozes, após me ouvir cantar num festival de música. Desde o dia 05 janeiro de 2015 estou mergulhada de "body and soul" em sua magnânima história, mesmo sendo ela envolta à sombra e tristeza. A busca incessante por mais informações sobre a ilustre personagem me fez chegar a este site. E que bom que encontrei! Tem muitas informações aqui que ainda não tinha tido acesso. Muito obrigada por este compartilhamento! (Tânia Maria)
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