"E passamos como sombras...", dizem os salmos.

E a cidade ficou às escuras...

Somos sombras que passam e a nossa efemeridade é aterradora, às vezes. Depois, consolamo-nos, e continuamos a viver. E um dia um amigo morre e tudo volta a ser posto em questão...

Sandro Botticelli, Anjos

Costumamos dizer: "Só morre verdadeiramente quem não deixou alguma coisa atrás de si..."

Deixar o quê? Uma árvore plantada? Uma flor? Um livro escrito ou, simplesmente, um poema? Algo que ensinámos a quem não sabia? Uma palavra que se disse? Um momento de beleza criado? Ou vivido? Algo que se viu de um modo diferente e se contou? A beleza, fixada numa tela? 

Ou, numa película, a imagem repetida da terra que amámos? Incansavelmente, em todos os momentos ou estações do ano, com chuva ou com sol, cair da tarde ou manhãzinha, com névoa cerrada ou céu azul? Isto fez o meu conterrâneo e amigo, José Fernando.

E é uma pequena consolação, claro. Quero lembrar um amigo que "partiu", inesperadamente, há dois dias. Um amigo que nunca vi mas que era como um verdadeiro amigo: presente, pessoa sensível, delicada, e um grande fotógrafo da sua (e minha) cidade: Portalegre.

Foi isso que, aliás, nos "aproximou" no Facebook. Também, a vila de Alegrete a que estava ligado e tantas fotografias soube "fixar" da bela terrinha! A que eu também estava ligada pois, pouco depois  de nascer, fui para lá viver com os meus pais.

Preparava-se, aliás, a sua participação numa Exposição de fotografias, neste mês, no Castelo da cidade. 

vista do interior do Castelo (MJF)

Enviou-me o convite.

Depois, comunicou que, por motivos de saúde, a exposição teria de ser adiada. Ainda pôs um comentário numa ou noutra coisa dos seus amigos do Facebook. E, subitamente, a notícia da sua morte.

Chamava-se José Fernando Simão Pinheiro. Era um homem bom. Era um bom fotógrafo. 

Dizem os judeus que "quando um justo deixa a cidade, esta fica às escuras..." Penso que a sua cidade vai ficar na escuridão uns tempos.

Lembrado hoje, no blogue portalegrense "largo dos correios", confirma-se, dito por amigos “reais”, o que eu -amiga virtual- tinha percebido das suas qualidades.

Portalegre e o Calvário, esta Primavera

“Desinteressado, isento de calculismos, sincero e simples, como sinceros e simples são os mais autênticos sentimentos. Era um veterano no amor a Portalegre, um sábio no seu profundo conhecimento.(…) Sentiremos todos a ausência do fotógrafo da cidade, sentiremos todos a partida de um cidadão dos melhores entre todos. Discreto mas sempre presente.”

Portalegre, ao Luar e Céu de Trovoada

Diz-se, também, que "não morremos enquanto alguém nos recordar."

Por isso, o recordo, com as suas fotografias (*) e o poema de Antonio Machado "Entierro de un amigo".

“Tierra le diéron una tarde horrible

del mês de Abril, bajo el sol de fuego 
(…)

Definitivamente,

Duerme un sueño tranquilo y verdadero.”

As fotografias que usei são todas da página do Facebook do José Fernando SP que me autorizava sempre a publicá-las...