Gäelle Boissonard (1)
"Vai começar uma nova vida!", dizemos a nós próprios todos os anos, na ânsia de acreditar que algo se vai mover - e que será evidentemente para bem! Não é assim, claro. Vamos começar um novo ano à procura do tempo perdido, a tentar recuperá-lo, no presente, em cada dia.
À procura do sentido dos dias, contra a força negativa -ou longínqua?- do 'céu sereno' de que fala o grande Camões: a indiferença do céu! Ou a inexistência dele.
E não posso deixar de copiar a extraordinária estância d' Os Lusíadas, onde o destino do Homem e a sua 'condição' estão tão bem delineados!
"No mar tanta tormenta, tanto
dano,
Tantas vezes a morte apercebida!
Na terra tanta guerra, tanto
engano,
Tanta necessidade avorrecida!
Onde pode acolher-se um fraco
humano
Onde terá segura a curta vida,
Que não se arme, e se indigne o
céu sereno
Contra um bicho da terra tão
pequeno?" (2)
A beleza é, porém, uma ajuda maravilhosa. A beleza do mar. que bate, violento, contra os rochedos, ou vem, devagarinho, espalhar a espuma branca na areia.
A beleza efémera das flores que nascem. E que murcham e secam, a seguir. E que tantas vezes são belas nessa forma quase artística de murchar.
Como hoje. Vejo a minha velha árvore, um salgueiro que era um pequeno arbusto quando cheguei a esta casa e que hoje chega à janela no quarto andar. É belo, ainda. E belo será sempre será em todas as estações.
Voltará a ter as suas folhas verdes a tremerem, na brisa suave das tardes de Primavera, e voltará a dourar quando o Outono vier.
É a vida. E é a natureza que se renova que quer viver.
É a vida e a morte dos objectos e dos seres, que foram belos um dia. E novos. E é tudo isso que o tempo vai gastando : a cor dos barcos, a tinta das paredes desbotadas, os brinquedos...
Lamentava-se Baudelaire da passagem do tempo devastador:
“O
relógio! Deus sinistro, assustador, impassível,
Cujo
dedo nos ameaça, dizendo: “Recorda!”
A vida são os
dedos indiferentes do relógio que apontam as horas, os minutos, os segundos da
nossa vida. A ampulheta que marca o tempo que nos resta. Todos o sabemos! É a
condição do homem que vive um tempo e passa como sombras…
“O
tempo devora a vida,
E
o obscuro inimigo que nos rói o coração
E
do sangue que perdemos a sofrer
Cresce
e fortifica-se.”
Mas
para que pensar nisso? O tempo é também o presente e, nesses minutos, segundos ou
horas podemos viver procurando não o tempo perdido mas o tempo que se ganha em cada gesto. Como cada momento pode
ter beleza, amor, esperança, e a possibilidade da doçura de olhar em volta. Ou a serenidade de uma manhã de Inverno a ver o mar.
E a Arte!
Os artistas encantam-nos com as suas obras, ajudam-nos a viver. A música, a poesia e o romance ensinam-nos a amar e a imaginar! Criam mundos novos, personagens que nos aquecem e envolvem na sua vida “mágica”.
E a Arte!
Os artistas encantam-nos com as suas obras, ajudam-nos a viver. A música, a poesia e o romance ensinam-nos a amar e a imaginar! Criam mundos novos, personagens que nos aquecem e envolvem na sua vida “mágica”.
Tal como a natureza é um quadro que nunca cansa, assim a pintura é uma maravilha para
os que sabem observar e têm o coração aberto à beleza e ao sentimento
artístico. A vida é feita dessas coisas também.
John Duncan, Sleeping beauty
Dizia, também, Baudelaire:
“O belo é sempre estranho. A pintura é uma
evocação, uma operação mágica (se pudéssemos consultar a alma das crianças sobre
isto!), e quando uma figura é evocada, uma ideia ressuscitada, vão-se erguer
diante de nós e olhar-nos, e não teremos direito de discutir as fórmulas invocatórias do feiticeiro”.
Ah, sim, "se pudéssemos consultar a alma das crianças sobre isto tudo!", como imaginava Baudelaire. O que diriam, na sua pureza e esperança? Talvez nos aconselhassem a olhar tudo com um olhar novo: um olhar de criança.
É o tal ano novo que vai começar de novo: com um olhar de criança. Fotografei Renoir e, para mim, este rosto desfocado é o símbolo do ano novo desconhecido, ainda um pouco desfocado aos nossos olhos que tanto desejam.
(1) "Gäelle Boissonard nasceu em 1969, num dia de neve. Licenciatura em Ates Plásticas em Saint-Etienne (1991). Durante anos consagra-se inteiramente á pintura. Um dia começa a criar imagens para edições de livros. É hoje esse o seu trabalho desde 2001". Gosto do traço e da suavidade das cores e dos motivos dela. Escolhi-a para este novo ano!
(2) Camões, Os Lusíadas, Canto I, estância 106
Ah, sim, "se pudéssemos consultar a alma das crianças sobre isto tudo!", como imaginava Baudelaire. O que diriam, na sua pureza e esperança? Talvez nos aconselhassem a olhar tudo com um olhar novo: um olhar de criança.
É o tal ano novo que vai começar de novo: com um olhar de criança. Fotografei Renoir e, para mim, este rosto desfocado é o símbolo do ano novo desconhecido, ainda um pouco desfocado aos nossos olhos que tanto desejam.
um olhar de criança, de Pierre-Auguste Renoir
Renoir, Parapluies
(2) Camões, Os Lusíadas, Canto I, estância 106
Sempre belas as precárias definições
ResponderEliminarBj
Talvez a beleza só exista porque é breve, talvez só tenha sentido o que acontece para acabar depois, como a vida. Talvez eu goste de ti porque escreves posts como este, talvez.....etc.
ResponderEliminarAponto aqui a beleza da sua existencia amiga.
ResponderEliminarmil beijos para acompanhar 2016
~~~
ResponderEliminarA arte é um verdadeiro lenitivo, à brevidade da vida...
Também gosto da arte de G Boissonard ...
~~~ Dias ternos e agradáveis.
~~~~~~~ Beijinho, MJ. ~~~~~~~
Gostei muito deste post. A beleza é o que importa, mesmo que efémera.
ResponderEliminarBeijinho.:))
Ainda bem que existe a beleza e/da arte para nos alegrar os dias:)
ResponderEliminarUm beijinho:)