segunda-feira, 4 de janeiro de 2016

Novo ano, nova vida? à procura da beleza da vida...


Gäelle Boissonard (1)

"Vai começar uma nova vida!", dizemos a nós próprios todos os anos, na ânsia de acreditar que algo se vai mover - e que será evidentemente para bem! Não é assim, claro. 
Vamos começar um novo ano à procura do tempo perdido, a tentar recuperá-lo, no presente, em cada dia. 
À procura do sentido dos dias, contra a força negativa -ou longínqua?- do 'céu sereno' de que fala o grande Camões: a indiferença do céu! Ou a inexistência dele. 
E não posso deixar de copiar a extraordinária estância d' Os Lusíadas, onde o destino do Homem e a sua 'condição' estão tão bem delineados!

"No mar tanta tormenta, tanto dano,
Tantas vezes a morte apercebida!
Na terra tanta guerra, tanto engano,
Tanta necessidade avorrecida!
Onde pode acolher-se um fraco humano
Onde terá segura a curta vida,
Que não se arme, e se indigne o céu sereno
Contra um bicho da terra tão pequeno?" (2)

E, apesar disso, "pobre bicho da terra tão pequeno" que somos, lá vamos nós à luta, sempre, com a mesma vontade de fazer o que achamos importante, a querer defender o que é justo e a saber apreciar o que é belo. O "bicho da terra", na roda da vida, que gira e gira, ora está em baixo, ora em cima, mas não desiste nunca!
A beleza é, porém, uma ajuda maravilhosa. A beleza do mar. que bate, violento, contra os rochedos, ou vem, devagarinho, espalhar a espuma branca na areia. 
A beleza efémera das flores que nascem. E que murcham e secam, a seguir. E que tantas vezes são belas nessa forma quase artística de murchar.

E lembramos as meninas que brincam com fitas e arcos e passeiam pelos campos, adolescentes, e que, depois, crescem. E o tempo vai passando, passando...

As árvores, cheias de verdes folhinhas, ou douradas pela luz do Outono, ou nos seus ramos despidos, altas e esguias, a subirem para o céu, no Inverno. 
Como hoje.  Vejo a minha velha árvore, um salgueiro que era um pequeno arbusto quando cheguei a esta casa e que hoje chega à janela no quarto andar. É belo, ainda. E belo será sempre será em todas as estações.
Voltará a ter as suas folhas verdes a tremerem, na brisa suave das tardes de Primavera, e voltará a dourar quando o Outono vier. 
É a vida. E é a natureza que se renova que quer viver. 
É a vida e a morte dos objectos e dos seres, que foram belos um dia. E novos. E é tudo isso que o tempo vai gastando : a cor dos barcos, a tinta das paredes desbotadas, os brinquedos...

É o tempo que passa... E é o que fica, depois de o tempo passar: a memória da poesia das coisas e a beleza que é eterna! 
Lamentava-se Baudelaire da passagem do tempo devastador:
“O relógio! Deus sinistro, assustador, impassível,
Cujo dedo nos ameaça, dizendo: “Recorda!”

A vida são os dedos indiferentes do relógio que apontam as horas, os minutos, os segundos da nossa vida. A ampulheta que marca o tempo que nos resta. Todos o sabemos! É a condição do homem que vive um tempo e passa como sombras…
“O tempo devora a vida,
E o obscuro inimigo que nos rói o coração
E do sangue que perdemos a sofrer
Cresce e fortifica-se.”

Mas para que pensar nisso? O tempo é também o presente e, nesses minutos, segundos ou horas podemos viver procurando não o tempo perdido mas o tempo que se  ganha em cada gesto. Como cada momento pode ter beleza, amor, esperança, e a possibilidade da doçura de olhar em volta. Ou a serenidade de uma manhã de Inverno a ver o mar.
E a Arte! 
Os artistas encantam-nos com as suas obras, ajudam-nos a viver. A música, a poesia e o romance ensinam-nos a amar e a imaginar! Criam mundos novos, personagens que nos aquecem e envolvem na sua vida “mágica”.
Tal como a natureza é um quadro que nunca cansa, assim a pintura é uma maravilha para os que sabem observar e têm o coração aberto à beleza e ao sentimento artístico. A vida é feita dessas coisas também.
John Duncan, Sleeping beauty

Dizia, também, Baudelaire:
O belo é sempre estranho. A pintura é uma evocação, uma operação mágica (se pudéssemos consultar a alma das crianças sobre isto!), e quando uma figura é evocada, uma ideia ressuscitada, vão-se erguer diante de nós e olhar-nos, e não teremos direito de discutir as fórmulas invocatórias do feiticeiro”.

Ah, sim, "se pudéssemos consultar a alma das crianças sobre isto tudo!", como imaginava Baudelaire. O que diriam, na sua pureza e esperança? Talvez nos aconselhassem a olhar tudo com um olhar novo: um olhar de criança.

É o tal ano novo que vai começar de novo: com um olhar de criança. Fotografei Renoir e, para mim, este rosto desfocado é o símbolo do ano novo desconhecido, ainda um pouco desfocado aos nossos olhos que tanto desejam.
um olhar de criança, de Pierre-Auguste Renoir

Renoir, Parapluies

(1) "Gäelle Boissonard nasceu em 1969, num dia de neve. Licenciatura em Ates Plásticas em Saint-Etienne (1991). Durante anos consagra-se inteiramente á pintura. Um dia começa a criar imagens para edições de livros. É hoje esse o seu trabalho desde 2001". Gosto do traço e da suavidade das cores e dos motivos dela. Escolhi-a para este novo ano!
(2) Camões, Os Lusíadas, Canto I, estância 106

6 comentários:

  1. Sempre belas as precárias definições

    Bj

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  2. Talvez a beleza só exista porque é breve, talvez só tenha sentido o que acontece para acabar depois, como a vida. Talvez eu goste de ti porque escreves posts como este, talvez.....etc.

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  3. Aponto aqui a beleza da sua existencia amiga.
    mil beijos para acompanhar 2016

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  4. ~~~
    A arte é um verdadeiro lenitivo, à brevidade da vida...

    Também gosto da arte de G Boissonard ...

    ~~~ Dias ternos e agradáveis.

    ~~~~~~~ Beijinho, MJ. ~~~~~~~

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  5. Gostei muito deste post. A beleza é o que importa, mesmo que efémera.
    Beijinho.:))

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  6. Ainda bem que existe a beleza e/da arte para nos alegrar os dias:)

    Um beijinho:)

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