Me, myself and I
(homenagem a Billie Holiday)
“Quando eu nasci, a parteira envolveu-me numa toalha e mostrou-me ao meu pai. Ele pegou-me com as suas mãos grandes, aparentemente desastradas, e olhou-me. Penso que me senti segura ao pé dele, e que essa sensação a levei pela vida fora. Eu tinha uns cabelos negros e lisos, no ar, uns olhos de chinesa, ainda meio fechados.
O meu pai olhou para a D. Eduarda, numa interrogação muda. Julgara que eu era um rapaz. Ela disse-lhe, abanando docemente a cabeça:
- Não, Sr. Doutor, é mais uma menina...
Suponho que o meu pai teve pena, mas depois encolheu os ombros, com ar de resignação, no seu modo desajeitado, e foi pôr-me ao lado da minha mãe. Fez-lhe uma festa nos cabelos suados e ela sorriu, penso eu.”
("Histórias da casa amarela", livro em preparação)
Esta história é para Billie Holiday, Elinor de seu nome, que não sentiu essa segurança, ao nascer, em 7 de Abril de 1915, ela, filha de pais quase adolescentes, abandonada pelo pai ainda antes de nascer e com uma mãe, infantil toda a vida, que pouco ou nada cuidou dela e a deixou ao Deus dará.
Leio a biografia, bem feita, séria, de Donald Clarke, que se intitula “Billie Holiday, Wishing on the Moon”.
Aos doze anos, bonita, corpo elegante, aparentando mais idade do que a real, com a pele muito clara -herdada de um bisavô paterno irlandês que a tivera de uma escrava negra-, já cantava nos bares de Baltimore e começava a drogar-se.
Infância difícil? Como muitas outras crianças negras do West Baltimore. A escola da rua, tentando sobreviver...
“Quando eu nasci, a parteira envolveu-me numa toalha e mostrou-me ao meu pai. Ele pegou-me com as suas mãos grandes, aparentemente desastradas, e olhou-me. Penso que me senti segura ao pé dele, e que essa sensação a levei pela vida fora. Eu tinha uns cabelos negros e lisos, no ar, uns olhos de chinesa, ainda meio fechados.
O meu pai olhou para a D. Eduarda, numa interrogação muda. Julgara que eu era um rapaz. Ela disse-lhe, abanando docemente a cabeça:
- Não, Sr. Doutor, é mais uma menina...
Suponho que o meu pai teve pena, mas depois encolheu os ombros, com ar de resignação, no seu modo desajeitado, e foi pôr-me ao lado da minha mãe. Fez-lhe uma festa nos cabelos suados e ela sorriu, penso eu.”
("Histórias da casa amarela", livro em preparação)
Esta história é para Billie Holiday, Elinor de seu nome, que não sentiu essa segurança, ao nascer, em 7 de Abril de 1915, ela, filha de pais quase adolescentes, abandonada pelo pai ainda antes de nascer e com uma mãe, infantil toda a vida, que pouco ou nada cuidou dela e a deixou ao Deus dará.
Leio a biografia, bem feita, séria, de Donald Clarke, que se intitula “Billie Holiday, Wishing on the Moon”.
Aos doze anos, bonita, corpo elegante, aparentando mais idade do que a real, com a pele muito clara -herdada de um bisavô paterno irlandês que a tivera de uma escrava negra-, já cantava nos bares de Baltimore e começava a drogar-se.
Infância difícil? Como muitas outras crianças negras do West Baltimore. A escola da rua, tentando sobreviver...
Mais tarde viveu, e cantou, em Harlem, depois nos night-clubs brancos, da moda, de New York, negra sempre e isolada.
Eram os tempos do swing, do jazz -aparentados, mas em lados opostos, com os tempos dos Contos do Jazz Age, de Scott Fitzgerald. E dos magníficos músicos, saxofonistas, trompetistas, e pianistas que a acompanhavam, de Count Basie a Gillespie, de Charlie Parker –que morre destruído, gasto, aos 32 anos- a Teddy Wilson, de Louis Amstrong (cuja colocação e timbre de voz lhe serviu de exemplo) ao maravilhoso Lester Young, o Pres, seu companheiro e amigo, que morre poucos meses antes dela, ela Lady Day, ou Lady apenas, como lhe chamavam, que vai morrer em 1959 (vai fazer 50 anos dentro em pouco), aos 44 anos, gasta pela vida, pelos homens que amou e lhe batiam e se serviam dela, destruída pelo álcool e pela droga em que se iniciara ainda miúda.
Quero apenas contar uma história dela.
Uma noite, já para o fim da vida, completamente bêbeda, recusa-se a entrar na sala cheia do night onde a esperam os fans há quase duas horas. Encostada ao balcão do café que fica no andar de baixo, com um copo de vinho na mão, teima em não subir. O marido –o daquele tempo- bate-lhe, dá-lhe um murro e vai-lhe dando encontrões, empurrando-a pela escada acima. Ela sobe, entra na sala, indiferente aos aplausos, e vai sentar-se numa cadeirinha ao pé dos músicos.
Talvez vestisse o seu vestido branco de lantejoulas, e tivesse duas gardénias brancas, na orelha esquerda como sempre, entaladas nos cabelos lisos puxados para trás, as mãos finas e a tremer.
Faz sinal para começarem a primeira canção.
Canta com a sua voz fantástica, um pouco arrastada, plangente, um pouco mais mortiça, talvez o Strange Fruit, talvez Gloomy Sunday ou, ironicamente, My man...
Acabada a canção, depois dos aplausos do público que ensurdecem tudo e todos, vira-se e faz sinal para tocarem a última canção da lista. Alguém vem sussurrar-lhe ao ouvido que não pode ser, que a plateia espera mais, não pode cantar apenas duas canções para quem pagou e esperou por ela...
Sem o olhar, começa a cantar e, quando acaba, levanta-se, agradece e vai-se embora sem olhar para trás.
Lá de dentro chamam-na, gritam por ela, mas a Lady não volta.
(Podem encontrar o livro de D.Clarke na Amazone)
uauuuuu....está fx!!bjosssss marty
ResponderEliminaruuuaaauuu..está fx este blog..msmo msmo..1 bjo grande!!
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