domingo, 4 de março de 2012

As coisas da vida : ou nunca olhar para baixo...Ouvir "Looking Up" - Homenagem a Michel Petrucciani

As coisas da vida...


Estava a pensar nas coisas da vida, nos queixumes...
Pensei que, no fim e a o cabo, nos queixamos muito.

Recebi um email de uma amiga referindo um poema de Maiakovskji que, ao longo dos tempos, foi “refeito”, como faziam os maneiristas italianos, por outros escritores:  Bertold Brecht, Martin Niemöler etc.

túmulo de Maiakovski, em Moscovo 

Falava da Indiferença. Do olhar, que afastamos. Quando, distraídos connosco,  não olhamos para o que se passa à nossa volta, virados, egocentricamente, para nós, para as nossas pequeninas dores,  as angústias da manhã ao acordar desorientados, as saudades do que ficou para trás e parece irrecuperável.
Um dia será tarde de mais...

Na primeira noite
Aproximaram-se a olhar
E tiraram uma flor do nosso jardim
E não dissemos nada.
Na segunda noite, já
Não se escondem, pisam
As flores, matam o nosso cão. E
Não dizemos nada.
Até que um dia, um deles  vem e
Rouba-nos a lua e,
conhecendo o nosso medo,
Arranca-nos a voz da garganta
E, porque não dissemos nada,
Já não podemos dizer nada...”

E sofremos pequeninamente - desculpem o neologismo mas em tempos de acordos ortográficos em que não se percebe  nada  -nada é impossível!- a pensar em nós e na nossa infelicidade do dia a dia.

Oh! Já não somos os mesmos, como nos doem as costas, como as pernas já não querem ir tão longe...
Oh! E o passado que nunca mais volta?...

Perdemos a cabeça  só por isso? Deixamos de pensar como gente só por isso?
Desistimos de viver só por isso? Arrumamo-nos num cantinho, a gemer, só por isso?

E então a nossa força de vontade? A velha ilusão de criar um mundo melhor? A esperança de ter coisas para escrever até ao fim da vida - e escrevê-las? Coisas para dizer, aquelas que são só "nossas", como dizia o Bashevis Singer.


Deixar-nos secar, apenas, como as árvores de Inverno, sem esperar mais nada?

                                                   árvores de Inverno, em Guildford (M.J.F.)

Acabou tudo? Resta-nos morrer como uma flor que murchou? Não queremos ter outra vez folhas, flores?
                                                    plátano na Primavera (MJF)


 Não queremos pensar que o mundo continua a girar e que nós temos uma função nele, até para o ajudar a girar melhor...
                                                                 flores na varanda (M.J.F)


Houve “talentos” que nos foram dados, talentos que  podem ir desde o fazer bem umas botas, ou cestos, ou cozinhar, a "poetar", pintar, filosofar, ensinar.


Ou, simplesmente, contemplar um pôr do sol de Outono, perto de um lago, e dizer a quem está ao nosso lado, mesmo que o não conheçamos:


Portalegre, Lago do Tarro (M.J.F)

- Olha o lago cheio de folhas douradas, tão bonito!


E alguém responder:
                                                               Portalegre, sunset, foto de J.F.


- Já viu que lindo pôr do sol!?

Pois é, nada tão útil como olhar para o lado - e ver, realmente. Não o que queremos ver – amarfanhando-nos na nossa infelicidade de seres incompreendidos - mas a realidade dos outros.


E a vontade que levou os outros a não desistir, e a criar!

Em situações bem mais difíceis do que as nossas. E não me venham com queixinhas (eu, própria, para começar).
Há um mundo lá fora ainda para descobrir! Há gente para ajudar! Há um mundo para “revolver” até ele voltar a estar direito! A solidariedade que é dar aos outros o que somos capazes de fazer...
                                                                  Graffiti, na internet

Não podemos baixar os braços. Não podemos olhar para baixo! Cada um tem o seu talento - o tal gift de que gostamos tanto!- que, segundo a Bíblia, Deus nos terá dado, ou não...


Usemo-lo pois!


"Looking Up" e não olhando para baixo... 


Desculpem a indignação matinal.

Mas estava à procura de músicas para o domingo e descobri Michel Petrucciani que já tinha ouvido tocar (no canal musical Mezzo).

Quem é Petrucciani?

Nasceu em 28 de Dezembro de 1962, em Orange, no Vaucluse, França.


Foi um pianista francês, nascido numa família ítalo-francesa, com um passado musical, que se apaixonou, um dia, em pequenino pelo Jazz, ao ouvir Duke Ellington.

O pai, Tony, tocava guitarra, um dos irmãos, Louis, baixo, e o mais novo, era um guitarrista como o pai. Tudo normal, tudo bem. Só que Michel nasceu com uma doença congénita incurável, que o impedia de crescer. A dada altura parou de crescer, ficou sempre pequenino.

Não desistiu, apesar disso, de tudo o que sonhara e queria: aprender a tocar como os grandes pianistas de Jazz.


Estudou, aprendeu música, perseverou, tocou piano com as suas mãozinhas pequeninas, e com as pernas  que não chegavam ao chão.


O tempo foi passando à volta dele e tudo mudou. Ele ficou igual.

O primeiro concerto dá-o aos 13 anos. Aos 18, faz parte de um trio. Persiste em avançar. Mais. Sempre mais.

Em 1982, vai para os USA.  Encontra o pianista Charles Lloyd que se entusiasma com ele e o anima. Ajuda-o.
Charles Lloyd e o Town Hall de N.Y.

Um dia, num concerto seu, no Town Hall de New York, Charles Lloyd entra pelo palco adentro com Michel Petrucciani nos braços e senta-o no banquinho do seu piano.

É um sucesso do qual sairá o filme “One Night with Blue Note”, filmado por John Charles Jopson (1988).
Mais tarde, toca com Dizzie Gillespie.
Dizzie Gillespie

 Confessa que  Bill Evans e Keith Jarrett o inspiravam. E é uma maravilha a tocar piano. Como eles os dois...
Bill Evans


Keith Jarrett

Morreu em 6 de Janeiro de 1999 em New York City, com 37 anos. Sem nunca ter crescido.

É um prazer ouvi-lo!

7 comentários:

  1. Se leres o meu artigo de hoje, verás que estamos na mesma onda. Deve ser coisa da primavera, ou da idade, ou sei lá de quê!!
    Petrucciani teve uma vida afortunada, não cresceu por fora mas por dentro voou muito mais alto que a maioria de nós.
    Um beijinho grande, com sabor a bom tempo.

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  2. Um post excelente, para nos lembrarmos que devemos sim, ser agradecidos à vida e olhar um pouco mais para o lado.

    Há pessoas extraordinárias cujas vidas difíceis não as impediram de ser felizes e criar para dar felicidade aos outros. E mesmo perto de nós se olharmos bem, há pessoas que são heróis e heroínas que lutam todos os dias contra uma doença ou algum infortúnio da vida e que apesar de tudo levam sempre um sorriso no rosto. Conheço mesmo algumas que me vieram à lembrança neste momento.

    Um beijinho grande

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  3. Que coincidência maravilhosa, minha querida M. J. Falcão!
    Saiba que estou, neste momento, escrevendo uma resenha sobre este pequeno grande pianista! E abordo, exatamente, a sua luta contra as dificuldades físicas. Apesar de tudo, ele triunfou sobre as adversidades.
    Foi um gigante, aprisionado em um corpo miúdo e frágil.
    Grande abraço, diretamente do Brasil!

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  4. Gostei de ouvir e de ficar a conhecer um pouco sobre Michel Petrucciani
    um beijinho
    Gábi

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  5. MJ,
    É beleza o que se encontra por aqui. É inconformismo, é luta e o prazer de se ser lutador.
    Há árvores que perdem a folha por ser inverno mas esperam atentos o florescer da Primavera.
    O "eu" sem os "outros" não é nada morre atrofiado enrolado em si mesmo.
    Ao abraço, à subida lenta mas triunfante no caminho para a humanidade. Dêem-se as mãos.
    Beijinhos. :)

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  6. Diz o ditado e bem: "Tristezas não pagam dívidas".
    Por mais controversa que seja a vida, por muitas dificuldades que apareçam pela frente, devemos tentar levantar a cabeça e seguir enfrente. E, como não estamos sozinhos por cá, devemos tentar transmitir esse estado de espírito às pessoas com quem nos cruzamos.
    É importante valorizar o que deve ser valorizado, os valores, a ética, o respeito por nós e pelo próximo, o humanismo, a integridade,...
    Muito interessante post.
    Beijinhos

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