quinta-feira, 31 de maio de 2012

Livros e livrarias: A livraria Lumière esteve na Feira do livro de Coimbra...

A livraria Lumière foi viajar até Coimbra, à Feira do Livro de Coimbra!


Gostei de saber e de imaginar a Cláudia no seu canto a vender lindos livros.


Vi na bancada (no blog Livraria Lumière) a Colecção Azul e recordei as histórias que lia na infância: as da Condessa de Ségur, por exemplo.


 "As Meninas Exemplares", que ainda me lembro se chamavam Camila e Madalena e o seu contrário a Sofia dos "Desastres de Sofia", com certeza retrato autobiográfico da sua autora que se chamava Sofia como ela...
A Condessa de Ségur (*) era uma condessa russa, nascida em São Petersburgo.

E também "O Pequeno Lord" que conta a história infeliz (que acaba bem) do jovem Lord Fontleroy.


Escrito também por uma mulher, a escritora anglo-americana Frances Hodgson Burnett. "Little Lord Fontleroy" foi publicado em 1885.

Fiquei a pensar no que se aprende com os livros...


Com um livro na mão, chegaremos sempre mais longe e nada nos mete medo: porque sabemos pensar! Não conseguem fazer de nós tudo o que querem, porque aprendemos!


Seguindo esta Livraria, estaremos sempre no bom caminho...



Imagem tirada do Facebook

(*) Sophie Condessa de Ségur nascida condesssa Sofyia Feodorovna Rostopchina nasceu em São  Petesburgo em 1799 e morreu em Paris em 1874 

quarta-feira, 30 de maio de 2012

"Que confusão!", disse o Ratinho...



E tinha razão. A casa parecia revolvida por um furacão. Loiças no chão, em cima das mesas, um pandemónio quando chega a hora de comer. Há muitos dias que o Ratinho protesta. 


O ouricinho segue-o sem palavras, olha-o, aprova mas não diz nada.
- Viste a cozinha em que estado está, insiste o Ratinho. Como é possível?
- Ratinho, não posso fazer nada. Estão a pintar os armários, o tecto. 
- É horrível!
- O que queres? Tinha e ser. Estavam feios  e velhos...

- Desde quando é que os velhos têm de ser pintados?, retorquiu, com um meio sorriso.
O Ratinho é muito irónico e não resiste à “blague”, como diria o Ega.
-  O trabalho tinha de ser feito!
- Sim, sim.. Mas tanto tempo...
- Pois é, muito tempo nisso tens razão.

Pensava no incómodo que tinha sido tudo aquilo. Passara uma semana. Havia pó branco por todo o lado, pegadas de fantasma que percorriam para trás a para diante o corredor, panos a tapar o que era impossível tapar...

- Já viste a tua sala? Eu cá nem lá ponho os pés. Poeirada, fico cheio de alergias!

O ouricinho acenava com a cabeça, que sim, que ele também.
- Dói-me a cabeça das tintas à noite, disse, suavemente. É do pó.

O  ratinho continuava, a espreitar agora à porta da sala, onde se recusava a entrar.

duas imagens da loja de antiguidades de Farnham (MJF)

- Olha para isto! Parece aquela loja de antiguidades que viste em Guildford!

Sacudiu as patinhas de um imaginário pó.

Ri-me a pensar nos argumentos que ele ia buscar. Lembrava-me dessa casa em Farnham e naquela confusão: uma vivenda cheia de coisas variadas, de cima a baixo, nas escadas, nos corredores, nas paredes...
- Percebo a tua impaciência. Não posso fazer mais nada. Temos de esperar mais um dia.
- Um dia?! Acreditas em tudo... Vais ver!

Foram-se embora para o meu quarto. Era ali que se tinham refugiado nos últimos dias, encostados ao vidro da janela, a olhar para fora, como se fosse uma barricada contra os bárbaros. Ele, o ouricinho e a gatinha japonesa, agora muito amiga deles.
Ouço um grande suspiro. É o ouricinho. Ele sabe que eu estou em grande tensão, que tudo aquilo me incomoda tanto como a eles.
- Ó Ratinho, acaba com isso! Ela não tem culpa!
Ficou para trás a olhar com os seus olhinhos preocupados. Foi buscar uma roda de plástico para brincar.

Olhei em volta, desconsolada.
Loiças por toda a parte, desarrumação total. E quem ia arrumar aquilo?
Até o pacote dos corn flakes do pequenos almoço estava ali misturado! E o chá de cidreira!


 Há anos que adiava aquela obra. Só me faltavam as queixas do ratinho!
Perdoo-lhe, claro, conheço o seu feitio impetuoso, protestatário. Está no feitio dele.  E exagera sempre. Sabia que naquele momento preciso já estava um pouco arrependido.

De facto, disse pouco depois:
-Eu não disse que tu tens culpa!
Parecia arrependido.

- É só que nos sentimos muito desconfortáveis... Gosto tanto da tua casa! De estarmos sossegadinhos contigo a ouvir as nossas músicas. A ver o céu lá fora, ir à varanda ver as flores da primavera...

- E o tomateiro!, disse o ouricinho entusiasmado. E as cebolinhas...
Também a mim me faltava esse sossego!

A nossa música, tem razão. Ele adora ouvir Chet Baker, Lester Young e a voz de Ella Fitzgerald e Dinah Washington. Mas a sua preferida é sem dúvida Billie Holiday.  
Quantas vezes, dou por ele, sentado no cantinho do sofá amarelo a ouvi-la.
Quando os pintores acabaram o trabalho, vieram os três ter comigo.

- Desculpa, mas sentíamo-nos tão desconfortáveis!

- Eu sei, Ratinho, todos nos sentimos mal nesta confusão. Temos que pensar, porém, que há coisas na vida que têm mesmo que ser feitas. Mesmo que nos contrariem a tranquilidade e não sejam agradáveis...

O ratinho e o ouricinho estavam de cabeça baixa. A gatinha já estava empoleirada na janela.
Voltei a olhar em volta e agora o suspiro foi meu:
- Meu Deus! E como vou eu arrumar tudo isto?


Havia pó, livros, tudo estava fora do sítio...

O ratinho apresou-se a dizer:

- Ora! Tens o teu anjo loiro, a Masha, Ela limpa tudo!
Pintura da pintora francesa Marie Laurencin

Era verdade: abençoada Masha, a minha amazona ucraniana!

De repente, o Ratinho ergueu a cabeça, deu a sua gargalhada e pediu:

- Vamos fazer as pazes? Pões-nos uma música da Billie Holiday?


http://youtu.be/ubG3jZ-h0AU


CHET BAKER e a canção "Almost Blue"

"Let's Get Lost" documentário sobre Chet Baker e a canção "Almost blue"



CHET BAKER E O FILME DE BRUCE WEBER


Na segunda-feira, dia 28, passou na Arte (TV franco/alemã), o filme de Bruce Weber sobre Chet Baker "Let's get lost".

Gillespie

Filme, ou documentário, breve, com imagens muito belas e uma filmagem extraordinária. Fala dessa grande figura do Jazz e da música de sempre: O ícone do Jazz da Costa Oeste dos USA. 

Que foi "parceiro" de outros grandes: Gerry Mulligan, ou Dizzy Guillespie.

O filme ganhou o Prémio Internacional da Crítica, no Festival de Veneza em 1988.
Mostra-nos Chet no ano que precedeu a sua morte, às voltas com a droga, a abstinência que dolorosamente por vezes aguenta. 

Uma vida queimada pela droga que o rói, por dentro, e o destrói pouco a pouco. 
O grande trompetista e vocalista tem um rosto de velho, em que a pele parece cobrir uma caveira.
Tem o mesmo olhar triste e a melancolia das suas canções. 

Bruce Weber entrevista-o, segue-o, ouve-o. Ouve os amigos, as mulheres com quem viveu, os filhos.

Delineia-se uma personalidade complicada como não podia deixar de ser. Uma sensibilidade em que  a doçura alterna com a violência que se transfigura quando toca ou canta: uma voz límpida, uma música luminosa!

Um rosto de velho "que contrasta violentamente com a sua voz quase infantil, adolescente" (Hélène Delye, "le Monde").

Guardo o conselho que ele deixa aos filhos, já crescidos: "Escolher bem o que se quer fazer uma coisa de que se goste. E, depois, tentar fazê-lo o melhor possível, para se ser o melhor."

monumento a Chet Baker, Amesterdão

Suicidou-se, em Amesterdão, deitando-se da janela do hotel onde residia. Ano de 1988. Tinha 58 anos, "um rosto de velho e um corpo de jovem", disse a polícia.

No seu campo, ele foi sem dúvida um dos melhores!




domingo, 27 de maio de 2012

Edward Hopper - o pintor da melancolia e da solidão


"Blue night"

"Auto-retrato"

O pintor Edward Hopper  nasceu em Nyack (USA, estado de Nova  Iorque), em 22 de Julho de 1882 e morreu em 15 de Maio de 1967.

Leio na "wikipedia":Foi conhecido pelas suas misteriosas pinturas de representações realistas da solidão na contemporaneidade. Em cenários urbanos e rurais, as suas representações de reposição fielmente recriadas reflectem a sua visão pessoal da vida moderna americana.
"The City", 1927


Robert  Henri é a figura do meio

Estudou “arte comercial” e pintura. Um dos seus professores, Robert Henri (Escola de Ashcan), queria que os seus alunos se empenhassem a “ fazer mudanças no mundo”, usando o poder da arte.

Hopper olha em volta e faz descrições realistas da vida e da paisagem urbana de Nova Iorque. 
Desta escola - chamada Escola de Ashcan-  faziam parte outros pintores como John Sloan ou Smith ou e alguns deles foram nomes importantes da pintura norte-americana..
Hopper, acabado o curso de pintura, segue para a Europa. 
Queria estudar o que se passava na arte europeia nesses primeiros anos do século XX. 
Mas entre a arte abstracta, o cubismo e outras experiências que ali decorriam, o que Hopper prefere é a pintura realista: o idealismo dos pintores realistas.
Falo de Manet, Corot, Courbet.

"A casa ao lado da linha do comboio" (1925)

Em 1925, Hopper pintou um quadro que é famoso, um quadro "clássico”, “A casa ao lado da ferrovia” – um dos seus mais famosos trabalhos. 
Pintura já da sua  maturidade.
Com as linhas finas, a luz fora do comum, trate-se de paisagem do campo ou da cidade  - é no fundo a captura da solidão das pessoas que lhe interessa fixar.

"Vagão de mercadorias"

"Nighthawks", em Colónia

Fala dos ofícios mais duros ou solitários: em ferrovias, bombas de gasolina, ou nos drugstores sem gente.
"Drugstore"


Pinta o farol solitário, no alto da colina, onde se adivinha o bater das ondas do mar e o isolamento total.
"Lighthouse"

Pinta as ruas vazias, as fachadas das casas ao nascer do dia.

"Sunday Morning"


Ou os quartos de hotel e o desencanto.


Ou os cafés na noite, e as solidões que se acompanham com um cigarro, um olhar, um encolher de ombros.
As carruagens do metro onde todos se ignoram, ou nos comboios, como se tivessem medo de comunicar...
"Train"


Tanta vontade de sonhar no meio dessas vidas “arrumadas”, que se aceitaram como tal.
Expectativa, ainda, talvez? O pasmo, sobretudo. E a solidão sempre. Mesmo quando acompanhados.
"Sala em Nova Iorque"


Só o olhar para fora, o olhar para mais longe, os anima ainda. Mas muitas vezes estão virados para si, prisioneiros do vazio que trazem.

"Nighthawks"

Como “Os Falcões da Noite” (Nighthawks, 1942). Assim chamado porque é o nome dado aos noctívagos que, como essas aves, os falcões, que voam de noite e que apreciam a noite avançada e o silêncio.
"Citação" dos Falcões da Noite, por Robert Brown (portoriquenho)

Segundo o artigo da wikipédia, este café representaria o restaurante de Greenwich Village (Manhattan), onde Hopper se acolhia na noite - uma espécie de “lar” para ele.

O pintor Edward Hopper era grande espectador de cinema, daí que alguns críticos notaram semelhanças com filmes de gangsters (Scarface, 1932), ou Little Caesar (1931).


Não é por acaso que um dos seus quadros mais impressionantes de solidão é um cinema, em Nova Iorque, onde a tristeza da figura feminina, abstraída nos seus pensamentos, solitária, nos toca.

"Cinema em Nova Iorque"

Por que não pensar que o inverso também possa ter acontecido? Quantos filmes de série noir não terão “seguido” o pintor? 


fotografia no facebook: "Olive Street, dia 28 de Novembro de 1939, no meio do smog"


Ou, também, quantos romances não terão escolhido esta figura? E lembro os nomes de Hammett, Hartley Howard, Chandler e os detectives Sam Spade, Bowman ou Philip Marlow...
Quem não se lembra logo d' "O Falcão de Malta" e das figuras que Humphrey Bogart representou?

Humphrey Bogart "O falcão de Malta"

Como não pensar no homem do chapéu tombado para a frente que olha distraidamente para o casal sentado do lado de lá do balcão?
Parece-me muitas vezes “encontrar” traços dos quadros de Hopper no cinema americano dos anos 40 ou 50. 

"Casa na colina"

O próprio Hitchcock segue "de perto" alguns dos seus quadros. Como a casa da colina, que "aparece" no thriller "Psycho"?
Recentemente impressionou-me encontrá-lo no filme de Claude Miller, “Garde à vue”:  ver como todo o “décor”, os tons verde-folha, castanho avermelhado dos sofás  e a atmosfera da esquadra da polícia  são hopperianos!
A verdade é que muitos realizadores reconhecem nele a “fonte” de inspiração como Wim Wenders (The end of violence), ou  Ridley Scott (no Blade Runner), ou inclusivamente Dario Argento, num seu filme de terror...

Na música, descobri um CD de Tom Waits que homenageia esse quadro no álbum "Nighthawks at diner".


Capa do CD de Tom Waits

Dizia Hopper de "Nighthawks": "Inconscientemente, estava a pintar a solidão de uma grande cidade”. É o que nos deixa. E é maravilhoso!




http://youtu.be/D3-pTLDP0K4