domingo, 15 de setembro de 2013

A propósito de uma exposição em Londres, em Maio passado, de um pintor italiano: Barocci...


S. João, o Evangelista

um esboço da cabeça de S. João


Bem, a notícia já vai atrasada pois a exposição de Federico Barocci, na National Gallery de Londres, a que me vou referir, encerrou em Maio passado: chamava-se “Barocci: Brilliance and Grace”.

Auto-retrato, 1595-1600


pormenor do rosto do evangelista João

Não, não a vi... E tenho pena, mas nem sabia da sua existência. Ontem a ler um suplemento literário (coisa que não existe por cá são suplementos literários...) do Financial Times – de 3 de Março, outro atraso, mas gosto de guardar certas coisas para ler com tempo. 

Valeu a pena, porque o artigo era muito interessante e explicativo. Intitula-se "A Study in Strictures" e assina-o Robin Blakes.    

Nele, fala da coragem que teve o director da célebre Galeria londrina, Nicholas Penny, ao afirmar, na apresentação da Mostra, que “o sujeito da exposição, Federico Barocci, foi um pintor melhor do que o seu contemporâneo El Greco”.

Pergunta Robin Blakes:“Merecerá Barocci este grande revival?”  

E responde, ao longo do artigo,  apreciando, pormenorizadamente, com lucidez e sabedoria, a pintura do pintor italiano, Federico Fiori, Il Barocci, considerado um proto-barroco.

Quem era Barocci? Nasceu em Urbino em 1528, onde morreu a 30 de Setembro de 1612. Estudou primeiro com o pai, Ambrogio Barocci, escultor, e depois foi aprendiz na bottega do pintor Battista Franco, em Urbino. 

Cristo e Anjo, deseho de Battista Franco

Acompanhou o pintor Bartolomeu Genga, seu tio, a Pesaro, e, em 1548, a Roma. Ali foi aluno de Taddeo Zuccari  e trabalhou com Federico Zuccari irmão de Taddeo. Quatro anos depois voltou a Urbino (in wikipedia).

Chegada de Carlos V a Paris, de Taddeo Zuccari

É importante saber que Urbino era, nesse tempo, um centro de cultura, na Corte Ducal de Federico da Montefeltro e, mais tarde, de Francesco Maria II Della Rovere. O Ducado de Urbino  foi uma das cortes mais cultas do Renascimento.


Palazzo Ducale, pormenor de um móvel, a Utopia 


Francesco Maria II


Palazzo Ducale de Urbino

As viagens de Barocci a Roma foram acidentadas, conta o autor:

Federico Barocci  “atravessou duas vezes os Apeninos para procurar trabalho junto do Papado, em Roma. Suscita o interesse do Papa, mas igualmente a inveja e os ciúmes dos rivais.”

O Papa  Pio IV vai chamá-lo de novo mais tarde para ajudar a decorar o Palazzo del Belvedere, no Vaticano. Pinta dois quadros: Madonna com il bambino e Santi e uma Anunciação, entre outros quadros.
Anunciação, 1592-6

Continua Blakes:

“Da segunda vez que vai a Roma, é envenenado.” Uma salada, num picnic, vai, supostamente, envenená-lo e nunca mais se recompõe.
Regressa a Urbino em 1563 mas a  sua saúde ressente-se, e não volta a sair da sua região - As Marcas-  até à morte.

“Pinta sempre, mas com um ritmo lento, uma das coisas que o vai distinguir.” 

Parece que ficou famoso “também” por isso. Entregava os quadros sempre com grande atraso.

Culpa do estado de saúde? Não só. Também pela preparação exaustiva: desenhos, esboços, sketches a pastel, giz e óleo simultaneamente – no que foi um inovador, ainda antes de Correggio, dessa técnica."

(Um aparte: talvez  mestre Correggio o tivesse influenciado na perspectiva em diagonal, mas os rostos de Barocci são sempre sorridentes, ao contrário dos do Mestre. Têm um ar de felicidade - que era a sua, com certeza, porque é natural.

La Madonna del Popolo

"Nos quadros definitivos não aparecerão muitas das coisas patentes nos desenhos da exposição" : não haverá nus, nem imagens pagãs ou menos religiosas. 

A pintura de Barocci é toda ela uma pintura religiosa, à excepção do quadro que pintou para  a corte do Imperador Romano Rudolfo II, de Praga. “Eneias fugindo de Troia”.
A Fuga de Eneias


Barocci foi, de facto,  um pintor da Contra-Reforma, respeitador das indicações da Igreja nesses assuntos. Entrara em 1566 na Ordem dos Capuchinhos, uma ordem menor saída dos Franciscanos e não se aventurou forado que a Igreja mandava.

No entanto, como diz Robin Blakes, nos desenhos de preparação para as telas, essa religiosidade não impede que a realidade prevaleça: por exemplo, nos esboços para a “Deposição”, o Cristo aparece nu, em posição torcida, em sofrimento  na cruz.


desenho prévio


Barocci, Deposição de Cristo


Na pintura final, pelo contrário, a figura, com os flancos já cobertos,  é como que suavizada e a posição do Cristo parece menos dolorosa.

El Greco, Túmulo de Cristo, 1602

Caravaggio, Descida da Cruz

Outro caso era o cuidado na representação da Virgem - que pode aparecer despida nos desenhos desta exposição- que aparecerá, sempre coberta e envolta nas suas roupagens, com um rosto cheio de pureza. 

Barocci não tem qualquer intenção de lascívia nesses desenhos, está apenas a seguir os ensinamentos de Leonardo e Michelangelo segundo os quais não se podia pintar um corpo vestido sem, antes, o imaginar  (desenhar) nu...”

Sobre a importância de Barocci, conclui Robin Blakes: 

Barocci revela-se possuidor de uma suave técnica, de uma sensibilidade no desenho, um sentido maravilhosos da cor e a sua aproximação da composição é original, pessoal.”
Madonna delle Ciliege, ou Fuga para o Egipto, hoje no Museu Vaticano

Caravaggio, Repouso durante a Fuga para o Egipto

(...) Não é superior a El Greco ou a Caravaggio, seus contemporêos de valor, mas, em termos de História de Arte ele é um ponto de referência muito importante e útil porque na sua obra aparece apenas o que a Contra-Reforma permitia à Arte católica. Barocci merece, pois, a sua reabilitação.


A circumcisão de Jesus


Do artigo, concluo algumas coisas que todos sabemos:

- que a inveja e o ciúme existiram desde sempre;
- que esses sentimentos podem destruir;
- que há lugar para mais do que um “maravilhoso” artista, ao mesmo tempo: 

Assim, Caravaggio, El Greco e Barocci são três pintores geniais que foram contemporâneos. Basta comparar os 3 quadros que representam a Deposição de Cristo, por eles pintados.

Finalmente, deixo a minha contribuição pessoal para o post:

 Foi muito interessante, sem dúvida, tudo o que li! E aprendi muito.

Eu que amo Barocci desde que o vi em Urbino, na Galeria Nacional das Marcas, há tantos anos!
A Cidade Ideal (de que falarei a seguir)

Federico Barocci é terno, é doce e as suas virgens têm um ar de meninas! 

"Swooning virgins", chamaram-lhes, virgens desmaiadas. Eu diria que têm a palidez e a delicadeza das figuras de certas pinturas japonesas...




Natividade, 1597


Os seus meninos-Jesus são belos e verdadeiros como são os meninos-bébés deste mundo, todos que vi na vida. (E sem as bochechas gorduchinhas e pregas de gordura na barriguinha, como outros grandes pintores os representaram e que são igualmente lindos.)

Os seus temas são religiosos, sim, mas de uma grande humanidade nas figuras “divinas” e grande simplicidade nas atitudes ou gestos: como o São José que dá cerejas a um Jesus, rapazinho, na Fuga para o Egipto; ou a bela e simples Madonna del Gatto, onde S. João Baptista brinca com o gato; ou, ainda, o movimento e a alegria das figuras da Madonna del Popolo.

(1575)


4 comentários:

  1. Que bonito todo o post!
    Gosto da pintura de Barocci. Parece mais viva, com um colorido ou uma alegria (como refere) diferente. Muito bonito!

    Já por aqui estou às voltas com o trabalho!
    Amanhã já tenho alunos.
    Um beijinho grande e obrigada por tão lindos post!
    Bom domingo!

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    1. Obrigada, minha fiel visitante! Bom domingo também para ti e BOM COMEÇO!
      É sempre bom recomeçar, seja o que for! Beijinhos

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  2. Não conhecia Barocci, estou convencida de que não vale menos que Caravaggio ou El Greco, dois génios, sem dúvida. Tu achas que as pessoas com um grande talento são invejosas, ou isso é mais próprio das que, não valendo tanto e sendo muito ambiciosas, se tornam más e mesquinhas?
    A verdade é que há muita gente que vale ou valeu e nunca foi reconhecida, e até às vezes o seu mérito foi aproveitado por outros para sua maior glória, o que é indignante. A vida pode ser muito injusta.
    Um bonito post, imagino o que desfrutaste ao fazê-lo. A cabeça de São João é espectacular.
    Beijinho, vou sair e depois digo alguma coisa, apetece-me, e hoje não há "deveres", já os fiz, meia dúzia de linhas... Primeiro vi as uvas e enamorei-me delas, depois pus-lhes uma legenda. A inspiração não dá para mais!

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  3. Gostei sobremaneira de tudo o que li e da pintura não digo mais.
    Beijinho. :))

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