quinta-feira, 28 de novembro de 2013

E a noite caía no meu jardim de África...





O dia amanhecera cheio de sol. 

Mas a noite vinha  à mesma hora, monotonamente, durante o ano inteiro, chovesse ou fizesse sol, fosse a estação das chuvas ou a Gravana...  


E era como se uma cortina se cerrasse de repente e tudo escurecesse à minha volta.

Sempre igual, a noite sucedia ao dia.

Cinco da manhã? De súbito a claridade jorrava nas janelas, com o ruído dos pássaros acordando para a vida!



Cinco da tarde? Era o manto negro e aveludado da noite que me envolvia.

E acentuava-se o perfume enjoativo das flores, o cheiro da terra molhada entranhava-se na noite e a humidade entrava nos ossos.



O dia chegava ao fim e parecia-me nada ter acontecido de especial enquanto passara.  Sentia, porém,  que cada momento desse dia fora único, à força de o inventar, para mim, todos os dias diferente.

Sim, era necessário inventar os dias! Tudo sempre igual. Sim, era preciso querer! Porque era difícil...



No olhar, voluntariamente diferente, com que cada manhã, cada tarde,  me debruçava sobre as pequenas coisas insignificantes da vida, tentava encher os minutos que teimavam em não passar.



Por vezes a chuva caía, violenta, mas depressa o sol brilhava.

Deitada na minha rede, ao fim da tarde, quantas vezes contemplei o intenso colorido da realidade que me rodeava e que, tempos antes, desconhecera: as cores quase agressivas do crepúsculo, o pôr do sol e o céu rubro, as árvores desenhadas a pincel negro.

Via as flores com folhas carnudas, mais resistentes, mais brilhantes, com um cheiro tão diferente,  plantas que não existiam na minha terra...

À tardinha, no ligeiríssimo vento que surgia, lembro-me de passar a mão pelos braços e pela cara, perlados de suor, procurando enxugá-los, para sentir melhor o vento.

E todas as tardes me espantava agradavelmente com aquele momento de frescura que desaparecia, rápido, na noite abafada.

As noites eram iguais às noites já passadas, na ilha:  o céu escuro sarapintado com as mesmas estrelas do dia anterior e que, imóveis, brilhavam altas e indiferentes.

o Cruzeiro do Sul e a Cassiopeia


Pouco antes, no lusco-fusco, ouvira os risos abafados da miudagem e os ralhetes da Milly, a preparar a trouxa para voltarem à casa da Chácara, onde iam dormir.

A Milly e a casa da Chácara

A escuridão trazia um silêncio tão completo que eu quase não respirava. Era bom aquele silêncio! Repousava-me. Queria que não acabasse nunca...
Durava pouco. Logo sentia o ruído do ar condicionado, a arrefecer a casa, quando havia luz.

E, pouco a pouco, chegavam os ruídos da minha rua, que eu já esperava. O barulho dos pratos e panelas, as gargalhadas dos vizinhos, a televisão em altos berros, uma música cantarolada, interrompida por risos...

Sim, poreque - e isso também era para mim uma novidade- havia canções na minha rua, havia gritos, palmas, sinais da alegria de uma gente boa que sabia ser alegre.

Depois, seguia-se o deambular dos cães vadios, que davam a volta ao quarteirão, com ladridos agudos que se aproximavam e se afastavam. O meu cão Zac, que descansava na relva ao meu lado, levantava-se e corria dum lado ao outro do jardim, a ladrar, num nervosismo que todas as noites se repetia.


A noite parecia abafar os ruídos, por momentos, ou talvez fosse eu que me abstraía nos pensamentos.
Era a hora da nostalgia, das saudades da casa, dos filhos, dos amigos, dos dias que me pareciam tão cheios...

Os mosquitos começavam a descer dos coqueiros e das mangueiras, o zumbido suave e irritativo aproximava-se, e vinham, em voo picado, atacar os meus braços nus.

O encanto da noite terminara. Recolhia a casa com o meu cão. O ar condicionado parara. Mais um dia fora embora...


Na penumbra da sala,  era no sofá de flores azuladas de linho inglês que me sentava. De cabeça encostada na mão, perdida nas lembranças outra vez, punha-me a olhar a escuridão lá fora, enquanto o Zac, companheiro fiel,  deitava a cabeça no meu colo.


(Nota: Usei apenas as  fotografias tiradas em São Tomé, penso que poderão ilustrar melhor o que conto.)

6 comentários:

  1. O tempo lá tinha outra dimensão e a invenção dos dias só é possível para quem tem uma grande riqueza interior, como a Maria João.
    Gosto das suas histórias. A Maria João está muito bonita nesta foto ( com o seu Zac ).

    Um beijinho grande :)

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    1. Sim, Isabel, era tudo tão diferente, outra dimensão dizes bem! Ainda não percebi bem o que sentia realmente... Vou tentando explicar. beijinhos

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  2. Devem ter sido anos inesquecíveis!!
    As cores, os cheiros, o silêncio e o barulho, a noite e o dia...
    E, a Maria João, partilha de uma forma encantadora essas vivências!
    Gostei de a ver... e ao Zac.

    Um beijinho amigo.:)

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  3. Magnífica descrição de uns dias que certamente foram muitas coisas, diferentes, duros mas apaixonantes, inesquecíveis, enriquecedores, eu sei lá que mais! Tenho a certeza que deixas muitas coisas no tinteiro, e é pena.
    Beijinhos

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    1. Não posso esquecer nada, tenho de recordar mais coisas, eu sei... Vamos ver minha querida... beijinhos

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