terça-feira, 27 de fevereiro de 2018

Irene Lisboa escreve sobre Fernando Pessoa e eu aprendo!



 Fernando Pessoa não se esgota, eu sei, mas foi de tal modo super-espremido, super-valorizado, com a sua vida de 'homem comum' tão desconhecida e diminuída - ao ponto de se esquecer verdadeiramente quem foi - e como foi um grande poeta! 

Irene Lisboa apreciava-o e escreveu sobre ele.
'Num dia soturno como este, Fernando Pessoa que se tem lido – ontem e há mais tempo, que se leu disperso e reunido, e até com vário interesse – acompanha-nos perfeitamente. (pg. 129). 
Ele é mais solitário ainda que a solidão, que toda a ausência e todo o abstraimento…'
(1888-1935)
Di-lo ela, não eu, apesar de o dia de hoje estar igualmente soturno, chuvoso, com uma chuvinha que vai e vem e entristece.

Também para mim, Fernando Pessoa é acima de tudo o grande solitário, melancólico, (fina e subtil a sua melancolia) ausente, alheio, de passagem - mais solitário ainda que a solidão... 
Vejo-o sempre em fuga, em perseguição de algo inatingível por aqui, sem um lugar de seu...
Como Irene bem o define: "um amador amargo dos seus sonhos sem esteio.' 
Releio  o livro “Apontamentos” (1) de Irene Lisboa e dele voltarei a falar mais vezes, pois é um livro muito rico e especial. Encanta-me a linguagem simples, directa, o modo que tem de  exprimir o que sente ou o que pensa esta mulher invulgar.

Sobre Fernando Pessoa, a páginas tantas, escreve:
É um poeta sofredor e orgulhoso, desviado daquilo que o rodeia, extraordinariamente mental, confinado em pensamentos e sensações tão complexas e exaustivas! É um narcisista elevado, um amador amargo dos seus sonhos sem esteio, da existência das suas irrealidades.”
E a escritora pergunta-se:
“Como teria ele vivido?
Como se fez ele?
Quem ou o que é que o tornou aquilo que foi?
a mãe de Pessoa
Cada um é tanto o que nasce como o que o fazem!” - responde ela. (pg. 130)

Fernando Pessoa, depois da morte do pai

Pessoa, em Durban, com a irmã, e a 'nova família' de sua mãe

Enquanto vai lendo Pessoa, ela vai anotando:
Pessoa, a diafaneidade. O seu mar e Oriente…elegância criada, de espírito. Coisa que se perdeu, qualquer coisa alígera que se apanha em sentido. Lêem-se as frases, soltas; depois o seu brusco sentido, claro.
...
Oh! Tão fina e subtil a sua melancolia… E o que os outros pretendem tirar dela? Desenvolvido, racionalizado, estúpido. (…)
em fuga...

Poeta doloroso encantado! Como a rima lhe ajuda o pensamento…Tudo é espírito e tudo é forma. As palavras entram-lhe num movimento espiritual, muito sensível.”
em fuga...

E a autora escreve, adiante:
Irene Lisboa
É um poeta que sente, mas que desdobra, centuplica e rarefaz todas as suas sensações… deixa-nos cheios e penetrados delas.
E tão duvidosos!
(...)
O seu sorriso audível das folhas… Um poema quase de esperança.
Mas não também de incerteza e de receio? 
"Tudo é vento e disfarçar."
Pouco? Muito? Que importa?
"Claro; imagético e claro" – diz Irene Lisboa.
Vem uma flor, como uma coisa móvel, que vibrasse, escondida e ele diz: Oiço como se o cheiro das flores me acordasse
E logo continua Irene:
"Impalpável lembrança, sorriso de ninguém. (...) Quantos poemas sobre o que não existe, sobre o que de leve existe.
Fernando Pessoa, em Durban
E continua a poetiza: “a afinidade que se procura com este poeta é quase inacessível, alta, muito alta.
Ele sonha, conhece, afirma-se, nega-se? É mental, fugido, expatriado, reconduzido permanentemente a si próprio?
Terrível solitário!”
Fernando Pessoa, na Baixa
                             
“Tanta abstracção, tanta reserva, tanto amor disperso e despersonalizado.”
Irene Lisboa
Não concluindo, porque nada há a concluir sobre um poeta, que nunca será entendido completamente, diz: “Pessoa escreveu como quis. Foi o rei do seu reino de palavras e de imagens. Que começo de poemas, tão nobre sempre!”
"As coisas por ele divinizadas?", pergunta Irene Lisboa. Irene gosta de assinalar, interrogando (-se), o que acha essencial, neste seu "estudo" de poucas páginas.
E o encanto da água para ele, quando dela fala? 

"Das coisas da terra parece-me que é a água a que ele mais belamente evoca. Tanta água vista, lembrada, tornada corpo do seu espírito." (pg. 135)

"A brisa, o lago mudo, os trémulos vincos risonhos na água adormecida."
...
'Onda que, enrolada, tornas, pequena ao mar que te trouxe'.
...
‘Vou vendo o que o rio faz quando o rio não faz nada’… 
Anjo Musicante, de Melozzo da Forlì
Música? Companhia? Regresso a alguma coisa? Irene Lisboa acrescenta as recordações que lhe trazem estes versos de Pessoa
"Lembra-me a mim os meu gostos infantis, a minha exaltação pueril à borda dos ribeiros. Como o correr da água me despertava o espírito poético e me prendia.” (pg.133)

E o amor? Que amor?
“Pobre amor, o seu amor. Sem par, os seus poemas levíssimos", quando escreve: 
'Tudo isto é nada e cessa o teu canto!”

"E os poemas dele impressionantes, dolorosos", acrescenta Irene Lisboa, citando:
“Doo-me até onde penso. Que eu não sinta o coração! Meu sonho conduz minha inatenção. Gastei tudo que não tinha”.
***
Para mim, foi uma enorme ajuda e um prazer para o espírito ler o que Irene Lisboa tinha a dizer de seu – porque ela é sempre autêntica, profunda e séria no que diz dos outros - sobre Fernando Pessoa: a sensibilidade dolorosa e profunda de Irene muito tinha a entender, a poder ir ao fundo dum poeta de difícil e vário entendimento, de sensibilidade delicada -sonhador e racional - como o foi Pessoa.

(1)Irene Lisboa, Apontamentos, “Gráfica Lisbonense”, Lisboa, Abril de 1943, (capítulo: "De Setembro 1942 a Fevereiro de 1943"). Irene Lisboa nasce a 25 de Dezembro de 1892. Morre em 25 de Novembro de 1958

(2)“alígera”, de alado, com asas, que voa.




2 comentários:

  1. Muito interessante, ainda mais se pensarmos que foi escrito há tantos anos, quando ainda não havia tanta coisa "explorando" o tema Fernando Pessoa. Parece que Irene Lisboa o compreendeu muito bem. Ela também era uma pessoa muito interessante.

    Gostei muito deste post que já tardava...tem andado muito recolhida:(

    Beijinhos e continuação de boa semana:)

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  2. Que bom falar de Irene Lisboa a falar de Fernando Pessoa. Tres almas sensíveis, a deles e a tua.
    Que a tormenta Emma te seja leve...Beijinho

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