Licenciado
na velha Universidade de Coimbra, em Ciências Físico-Naturais, estudou na Escola
Normal Primária de Lisboa fundada por Dom Luís em 1862. Como Irene
Lisboa interessou-se pelos estudos pedagógicos, esteve em Bruxelas, foi, como ela, professor da Escola Normal e, como ela, afastado
pelo Estado Novo.
Afonso Duarte colaborou
n’ A Águia, na Litoral, revista mensal de Cultura (entre
1944 e 1945) e escreveu, também, nas revistas Atlântida
(1915-1920) e Contemporânea
(1915-1926).
Dirigiu Rajada, entre 1912-1914, uma "revista
de Crítica, Arte e Letras” - ligada ao Modernismo.
Leio algures: “Rajada teve como director um poeta importante deste período
do modernismo português, ligado a outras revistas, Afonso Duarte, poeta
bastante conotado com o universo nortenho do saudosismo e da nostalgia
bucólica.”
Essa "nostalgia bucólica" encontra-se facilmente nos seus poemas, na ingenuidade aparente dos seus versos, na forte ligação com a terra e as lides do campo.
Essa "nostalgia bucólica" encontra-se facilmente nos seus poemas, na ingenuidade aparente dos seus versos, na forte ligação com a terra e as lides do campo.
Afonso Duarte foi uma figura muito respeitada em Coimbra. Até pelos mais novos, que em 1927 foram os criadores da revista “presença” - de que José Régio, João Gaspar Simões e Branquinho da Fonseca foram os primeiros directores.
Creio ser curioso saber que é na figura do poeta que se inspira José Régio para criar a importante personagem de “A Velha Casa” -do Ricardo Abrantes, o Mestre, que aparece logo no Iº volume, "Uma Gota de Sangue".
Afonso Duarte além de poeta, foi um pedagogo e interessava-se profundamente pela educação, pela etnografia e pela arte popular, pelas crenças e mitos ancestrais. Foi professor de Desenho da Escola Primária.O seu livro "Barros de Coimbra" (lições de Afonso Duarte) era uma espécie de Manual de estudo para a disciplina de Desenho.
Interessavam-lhe os motivos ligados
à terra, ao povo, ao campo – de que se encontram referências na sua obra poética
e também nos livros que escreveu para a Colecção Desenhos na Escola, como “Barros de Coimbra” (2).
Fala
da beleza dos barros, a infinidade dos nomes populares para indicar o "pote", o
"vaso, as "bilhas", o moringue, a
ânfora. Interessava-lhe a íntima ligação entre as formas dos barros e a figura
humana. E tudo explicava da origem ao seu significado desses utensílios. Daí que se encontrem como peças destes vasos "palavras" geralmente usadas para falar do corpo humano. E cita uns versos populares:
Estes oleiros eram verdadeiros artistas e variavam os enfeites conforme a própria sensibilidade. Com uma capacidade criadora diferente de uns para outros.
"Cala-te aí, boca aberta,
Gargalo de almotolia"
"As refrescantes bilhas de barro dos oleiros de Coimbra, - bilhas de asas simples, espalmadas, bilhas de asas torcidas, e moringues, - derivam fundamentalmente, todas elas, da mesma curva. De volume abacial em ovoide, qualquer das formas exalta um tal equilíbrio de composição, uma tão bem achada harmonia com o uso que delas fazemos, que regala os olhos menos regionalistas." (op.cit. pg.9)Estes oleiros eram verdadeiros artistas e variavam os enfeites conforme a própria sensibilidade. Com uma capacidade criadora diferente de uns para outros.
bilha cuja forma lembra um peixe
Explicar o autor: "Na
figura acima uma bilha de asa singela, vista em silhueta,
horisontalmente, desenham-se-me (...) deformadora, com flagrante feitio
de peixe." (pg.11)E, no livro, ensina outras formas de utensílios de barro: as infusas (A e C), o pichel (B) e "a popular e humilde almotolia de barro vidrado (D) modelada em bojo pando, elipsoidal, e com o seu gargalo esganado pelos dedos do oleiro".
O
livro foi publicado em 1925 e tem muitíssimo interesse inclusivamente do ponto de vista etnográfico pois o autor não se limita a referir a origem e a história dos utensílios
de barro, ilustra o que diz acrescentando poesias populares, pequenos contos - até a Cantiga de Camões “Descalça vai pêra a fonte”.
“Descalça vai pêra a fonte
Lianor pela verdura;
vai fermosa e não segura.
Leva na cabeça o pote,
o texto nas mãos de prata.
Cinta de fina escarlata,
sainho de chamalote;
Traz a vasquinha de cote
Mais branca que a neve pura;
Vai fermosa, e não segura."
***
***
O livro é ilustrado com os desenhos de Telles-Machado que mostram as várias formas da Olaria Nacional.
"Em breve apresentarei duas que têm por modelo a própria figura humana. (...) o Cântaro e a Talha de Coimbra - que são nossos semelhantes."
E aqui estão 'elas' nos seus diversos formatos e tamanhos.
E aqui estão 'elas' nos seus diversos formatos e tamanhos.
Mais adiante escreve : "O mais elegante é o Cântaro ou Asado, como lá lhe chamam. É uma das formas mais voadas e gráceis que têm saído das mãos dos oleiros desta região de Coimbra (Miranda do Corvo), secularmente votadas ao fabrico de vasos cerâmicos."
A
dado momento, como que ao correr da pena, Afonso Duarte insere uma sua poesia, O Cântaro da Água/Canção do Oleiro – do “Cancioneiro das Pedras” (1912) - poesia bem
próxima do nosso 'lirismo tradicional' e da qual quero copiar alguns versos.
“Ao pé das águas correntes
De bruços matei a sede:
E, encanto que me faz mágoa,
Nas mãos depois encontrei
A concha de beber água.
Mas o vaso era imperfeito
E a sede não me parava
Por montes de áridas fráguas:
A modo que era de geito
Ter um regato comigo
Pelos desertos das águas.
E vai como era preciso,
Com juízo e longo adrêde
Da terra mãi fiz o vaso
Que bastasse à minha sede.
...
Dum barro côr de sol-pôsto,
- Ora vede que primor!-
Eu fiz o púcaro e o cântaro
À vista do meu amor."
Descobrimos como esses
oleiros eram verdadeiros artistas e variavam os enfeites conforme a
própria sensibilidade. Com uma capacidade criadora diferente de uns para
outros, conforme a inspiração - ou o modelo.
Ainda a propósito do Asado ou Cântaro, mostra a arte do oleiro : "As asas são simples fitas de barro que facilmente se arqueiam e ligam. E a obra frágil ainda, erguida pelo milagre da coesão das formas, é levada para o ar livre para secar e endurecer, enquanto não chega o afogueamento da cosedura.
Ainda a propósito do Asado ou Cântaro, mostra a arte do oleiro : "As asas são simples fitas de barro que facilmente se arqueiam e ligam. E a obra frágil ainda, erguida pelo milagre da coesão das formas, é levada para o ar livre para secar e endurecer, enquanto não chega o afogueamento da cosedura.
O Asado
Está feita a maravilhosa vasilha, tão admirada e cantada dos poetas e prosadores que indissoluvelmente o ligaram à mulher e à paisagem de Coimbra - o Asado." (pg 25)
Só um poeta, creio, conseguiria falar deste modo dos objectos que acima referi.
Este livro foi para mim uma descoberta importante porque pouco conhecia dessa Olaria de Coimbra - apesar de ter em casa, talvez oferecida pelos meus sogros, uma bela peça que não sei bem como identificar entre estes modelos.
Quero dizer que respeitei integralmente a grafia do tempo em que o livro saiu.
Quero dizer que respeitei integralmente a grafia do tempo em que o livro saiu.
NOTAS:
(1) Os desenhos que ilustram este livrinho são da autoria de Telles-Machado.
(1) Os desenhos que ilustram este livrinho são da autoria de Telles-Machado.
“ (2)"A
Escola Normal Primária de Lisboa foi fundada por decreto do rei D. Luís, no ano
de 1862, manteve-se em funcionamento até ser extinta em 1930 no decurso da
reforma educativa conduzido pelo governo da Ditadura Nacional. Era o
estabelecimento de referência em Portugal para a formação de professores do
antigo ensino primário (...) O regime saído do golpe de Estado de 28 de Maio de
1926 tornou-se numa Ditadura Militar ao suspender a Constituição de 1911”
(wikipedia).
Adorei as peças, quem me dera ter uma, para guardar como um tesouro. É algo em vias de extinção, como tantas coisas que valem a pena, mas sobram...
ResponderEliminarForam peças importantes antes da pandemia dos plásticos e do aparecimento do vidro refratário... Ainda lembro a água fresca das moringas ou moringues...
ResponderEliminarJusta homenagem a uma personalidade muito interessante que bem merece este destaque.
Gostei de ler, MJ.
Beijinho
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