Não
conheço o Japão mas li muitos escritores japoneses desde Kawabata ou Soseki
a Akutagawa. Também gosto muito dos poemas curtos, os “haikus” - e a verdade é que nenhum
outro país no mundo me desperta tanta curiosidade nem tanto respeito pela sua cultura como o Japão. Pelo exotismo, tradições e porque no fundo a Ásia me atrai.
Não tinha lido ainda Hiromi Kawakami (1). Descobri o seu livro “Strange Weather in Tokyo” e encantou-me. Hiromi Kawakami nasceu em 1958 é, pois, uma escritora bastante jovem.
Contou-me há dias uma amiga italiana que, até há pouco tempo, não existia na língua japonesa uma tradução para "sujeito" ou "subjectividade" nem para "direitos" ou "deveres".
Este
é um belo livro nostálgico com uma simples história de amizade, de intimidade
hesitante crescente que, pouco a pouco, se transforma numa espécie de amor.
É a amizade amorosa "inverosímil" entre Tsukiko Omachi jovem mulher de trinta e poucos anos e o seu
antigo professor de Língua Japonesa da Universidade, agora com setenta.
É curiosa a diferença da tradução do título do livro nos USA “The Briefcase” - que se aproxima do título japonês Sensei no Kaban - “Sensei of the Briefcase" - e o título no Reino Unido, “Strange Weather in Tokyo”, cujo sentido parece menos claro. (2)
Segundo um artigo (cujo link deixo em baixo), este título seria devido a uma fala entre os dois personagens em que o professor Sensei se refere ao tempo estranho em Tóquio naquela altura do ano dizendo: “Este estranho tempo agora em Tokyo pode ter sido causado pelas coisas estranhas a que acabas de dizer, Tsukiko Omachi”.
Tsukiko Omachi é, pois, uma jovem mulher que vive só, longe da família, uma solitária que não casou, não tem namorado e preza a sua independência actual. Gosta de frequentar bares de saké onde come petiscos e bebe um pouco – o que parece não ser muito habitual nas mulheres do Japão.
É num desses saké-bar que um dia um senhor se lhe dirige e diz que a conheceu. Vira aquela figura sempre de costas e não reparara nela. É ele quem mete conversa. Não o tinha reconhecido mas o professor lembrava-se daquela aluna distraída que estava sempre distraída nas suas aulas.
Para Tsukiko ele era alguém que
nunca
pensara voltar a ver na vida: além de não gostar da disciplina de
Língua
Japonesa não simpatizava com o professor. Nunca soubera o verdadeiro nome dele, lembrava-se apenas que lhe chamava Sensei. E por isso chama-lhe Sensei.
(Tentei informar-me do sentido desta palavra japonesa e descobri que poderia tanto ser Doctor como Teacher mas que tinha sempre um sentido depreciativo. A pessoa que me informou (um "amigo" do FB, um japonês que se interessa por Jazz e toda a música) explicou melhor: "eu não gostaria que ninguém me chamasse Sensei.")
A verdade é que voltam
a encontrar-se - não moram longe um do outro e aquele bar passa a ser o ponto de
encontro. Falam de tudo e de nada, do que fizeram ou não realizaram, das
desilusões - ele perdera há pouco a mulher - trocam bebidas, provam os
pratinhos com as comidas que acompanham a bebida e conversam.
Começam a sair juntos, vão aos mercados e mantêm o hábito de comer e beber juntos. Num mercado, uma vez, Harutsuna Matsumoto - verdadeiro nome do professor - compra um par de chicks, sem perceber bem porquê e mete-os na pasta. O professor trazia sempre com ele essa pasta que nunca abre e da qual nunca se separa dando a ideia de ter dentro algo muito importante.
Um dia falam de cogumelos. O dono do bar que se chama Satoru ouve a conversa e dá a sua opinião. Para ele, falar de "cogumelos" é falar de dezenas de tipos de cogumelos com qualidades e gostos diversos, alguns superiores e difíceis de encontrar.
Pouco depois já estão a combinar uma ida às montanhas ali perto onde certa qualidade de cogumelos raros e selvagens aparece. Passado pouco tempo, vão numa manhã cedinho, à "caça" dos tais cogumelos especiais, na montanha. Acompanha-os um primo de Sartoru com um jeep, um especialista.
O passeio realiza-se com dificuldades e peripécias várias porque é preciso trepar muito alto por caminhos estreitos e perigosos. Colhem os cogumelos selvagens, cozinham-nos e comem-nos juntos.
A intimidade torna-se mais real. Sentem prazer nos encontros e apreciam a companhia um do outro.
O livro de Hiromi Kawakami, escrito em capítulos curtos, que fazem alguns críticos falar de haikus, fala dos acontecimentos aparentemente insignificantes do dia a dia que pouco a pouco fazem aproximar duas pessoas.
Entra dentro das personagens explorando certos aspectos da ambiguidade emocional e descrevendo acontecimentos e pormenores das relações sociais complexas de sempre.
Escritora de ficção e poesia, ensaísta, há quem a aproxime das histórias de Lewis Carroll e de outra escritora japonesa famosa, Banana Yoshimoto, por incluírem alguns elementos de fantasia e de um realismo mágico.
Por seu lado a autora confessa-se admiradora de James Graham Ballard (1930-2009) escritor de novelas curtas associado com o movimento New Wave de ficção científica.
É uma leitura muito interessante a de "Strange Wether in Tokyo" com um belo e triste epílogo que não vou contar é evidente.
Hiromi Kawakami foi professora até à publicação do seu primeiro livro que lhe granjeou o 'Prémio Pascal', no Japão. Algumas das suas obras foram adaptadas ao cinema, como "The ten loves of Mr.Nishino" (Nishino Yukihito no Koi to Boken) (2014).
Escreveu outras obras além deste livro: “Tread on a Snake”, "Os Amores do Sr. Nishino" (dez histórias de amor belas e invulgares, dizem), "People from my neighbourhood" ("Pessoas do meu Bairro") e muitos outros.
Kawakami foi traduzida em 15 línguas. Recebeu os Prémios Akutagawa e Tanizaki no seu país.
(1) Hiromi Kawakami nasceu em 1 de Abril de 1958.
(2) Sai no Japão em 2001 na Editora Heibonsha e o título japonês é Sensei no Kaban - “Sensei of the Briefcase"- ("O professor com a pasta"?). Em 2012 sai no Reino Unido na editora Counterpoint – a que li.
https://www.themodernnovel.org/asia/other-asia/japan/hiromi-kawakami/the-briefcase/
https://en.wikipedia.org/wiki/Hiromi_Kawakami
Voltaste, com a aplicação e o bom estilo de sempre. Hás-de me contar o final, só a mim...Como tu, se voltasse a ser jovem, agora que se viaja tanto, gostaria de ir por essas terras que citas. Ainda tens uma oportunidade, ir até Yakarta, agora que a tua Gui está lá de Embaixadora de Portugal, nada menos. É só apanhar o avião, e tudo o resto a pedir de boca. Anima-te, o mundo não é dos medricas... Un beijinho
ResponderEliminarEstive a reler a sua publicação com o pormenor e atenção que me mereceu da primeira vez... Na realidade, também me atrai a cultura do Japão, ainda com aspetos bem conservadores. Além de apreciar o modo delicado com que a MJ escreve.
ResponderEliminarO que será que contém a pasta do professor?!... (Sorrisos...)
Agradeço a sugestão de leitura.
Também agradeço o mimo que deixou no meu 'blog', um grande incentivo.
Esta semana, tenho um novo tributo -- muito simples -- a José Régio.
Dias aconchegantes e felizes. Beijinhos.
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