Há dias vi o Ratinho Poeta a olhar para uma revista. Lia, pensava, fechava a revista, voltava a abrir na mesma página.
Até que me perguntou:
- Leste isto sobre as bibliotecas que estão a desaparecer, em Inglaterra?
- Leste isto sobre as bibliotecas que estão a desaparecer, em Inglaterra?
Parecia verdadeiramente indignado.
- Oh! Oh!
E puxava os dois pêlos do bigode, muito enervado.
- Li. É chocante...
O ouricinho veio espreitar-nos. Trazia qualquer coisa na mão que nos queria mostrar.
- Há tantos estudantes em Inglaterra que estudam nas bibliotecas. E cá, também- disse o Ratinho.
Reflectiu uns momentos e acrescentou:
- Tens razão...
- E mais ainda! Todo o trabalho de uma biblioteca desaparece! A atmosfera! O convívio com as outras pessoas que lá vão. O passeio que se dá, para o ir buscar um livro, trazer outro e, pelo meio, a conversa com quem lá está.
Largo da República e Palácio Acciaioli, à esquerda
Lembrei-me da velha Biblioteca do Palácio dos Acciaioili, em Portalegre, onde era o meu liceu.
Uma biblioteca a sério!
Uma biblioteca a sério!
O liceu fora “adaptado” para ser liceu, mas era uma antiga casa senhorial.
Escadaria do velho Liceu, hoje Escola Superior de Educação
Vejo sempre as escadaria que subia para a biblioteca com as suas filas de prateleiras até ao alto e candeeiros lindos no tecto. Nas horas em que os professores faltavam, quantas vezes para lá fui ler um Camilo, o Júlio Dinis, poesias...
Pensei que o Ratinho tinha muita razão.
O Ratinho disse:
Espreitava os nomes e murmurou, contente:
Virou-se para o ouricinho que continuava muito calado.
- Tu não gostas de poesia, Dany?
O ouricinho, muito sério, respondeu:
- Foi o próprio poeta que o disse! Como é que sabes?, perguntei eu, divertida.
- Destino de poeta... é assim, disse o ouricinho. Era ele que o dizia...
Sentou-se num cofrezinho de madeira e declamou:
Sentou-se num cofrezinho de madeira e declamou:
E encolheu os ombros, triste. O Ratinho olhava-o surpreendido e um pouco de lado.
- É bem verdade - concordou.
Abriu o livro que tinha na mão e leu, pausadamente:
"Caía a noite. Eu ia fora,
Vendo um estrela que lá mora,
no Firmamento português
E ela traça-me o meu fado
“Serás poeta e desgraçado!”
Assim se disse, assim se fez."
Quando acabou, perguntou ao ouricinho:
- Como é que tu sabias?
E continuou a dizer versos de António Nobre:
“Adeus! Eu parto, mas volto breve,
À tua casa que deixei lá!
Leva-me o Outono (não tarda a neve)
No meu regresso, que sol fará!
Adeus! Na ausência meses são anos,
Dias são meses, que aí são ais:
Ah tu tens sonhos, eu tenho enganos,
Eu sou sozinho, tu tens teus Pais.”
O Ratinho concordou com um acenar de cabeça.
- "Eu sou sozinho. Tu tens teus pais..."
O ouricinho mostrou finalmente o que trazia na mão.
- Olha! Vejam o que aqui tenho!
- É o teu retrato! - disse o Ratinho, com um ar enternecido.
- Não. Não tenho retratos desse tempo. Foi na internet! Mandaram-mo pela internet!
Virou-se para mim, excitado:
- Foi a Claudia, a tua amiga lá de Guildford. É a mão dela, com certeza!
- Mandou-te a ti?, espantou-se o Ratinho, talvez com aquele maldito ciúme a roer.
- A mim, sim! Eu é que sou um ouricinho e ela lembrou-se de mim. Pode ser de algum parente meu, lá em Inglaterra.
Olhou-nos com um ar empertigado.
- Algum Duque!
O ratinho interveio.
- Não sei... Mas ela era muito gorda! Não gostei dela.
- Ai o coração, o coração!, suspirou o ouricinho.
Sorri, deliciada, porque eles me enterneciam. Era a minha vez agora:
“Meu coração não batas, pára!
Meu coração, vai-te deitar!
A nossa dor, bem sei, é amara,
A nossa dor, bem sei, é amara:
Meu coração vamos sonhar..."
- Que tal esta?
São assim os meus amigos...
SOBRE ANTÓNIO NOBRE:
Nasceu no Porto em 16 de Agosto de 1867. Ali estudou a escola primária e secundária. Depois foi para Coimbra onde se matriculou na Universidade, no Curso de Direito, em 1888. Desiludido com os resultados, magoado, deixa Coimbra em 1890 e vai para Paris onde faz uma licenciatura na Sorbonne em Ciências Políticas - que termina em 1894.
António Nobre, em Paris
Em Paris conheceu alguns poetas franceses entre eles Paul Verlaine.retrato de Verlaine, por Eugène Carrière, 1890
Em 1893 edita em Paris o seu único livro: "Só".
Depois a tuberculose leva-o pelo mundo fora à procura de reencontrar a saúde.
A cura não existe, porém, e volta para o Porto onde morre em 18 de Março de 1900.
Tinha 33 anos e era um grande poeta!
Estes versos foram tirados da edição do “Só”, Publicações Dom Quixote - Biblioteca de Bolso - clássicos, Lisboa, 2000, com um Prefácio do poeta Mário Cláudio.
O ratinho e o ouricinho têm um coração de poeta como a autora do post (ainda não li o "Só", mas depois do que li aqui vou tentar encontrar o livro).
ResponderEliminarum beijinho
Gábi
Vais gostar de certeza. E "deves" ler...
ResponderEliminarJá agora, conheces a Carson McCullers e este livro do "Coração solitário Caçador"? É lindo!!!!!
Fiquei rendida à poesia de António Nobre. Tenho que pesquisar mais.
ResponderEliminarO ratinho poeta e o Ouriço estão lindos!!
Que belos dias vicÊs passam, sim senhora!
Beijinhos para todos
Faltas cá tu!Quando apareces? Tenho saudades grandes!
EliminarMais um post lindo com estes bichinhos únicos.
ResponderEliminarUm beijinho
Esses dois quando esolvem tagarelar sempre sai coisa boa. Gostei de conhecer sobre o autor, confesso que não conhecia.
ResponderEliminarDeixo um fado cigano, como disse a Isabel.
http://cozinhadosvurdons.blogspot.com/2012/02/amalia-rodrigues-e-os-ciganos-de.html
bjs a todos em casa,
a rainha manda bjs
Vou ouvir o fado cigano! Obrigada pelos beijos de todas e da Rainha! Devolvo-os com ternura.
EliminarDe António Nobre ficou-me um par de versos na memória: "...Só,meu Deus! O que farão os mais?
ResponderEliminarA vida não é um rápido segundo. Que spleen mortal o destas noites imortais!"...Algo assim.
As bibliotecas não podem morrer JAMAIS.
A minha casa não é para nada uma mini biblioteca como a da menina, fiz muitas mudanças, cheguei a desfazer-me de coisas de que me arrependi toda a vida, dei muitos livros, e outros, mais queridos, só os emprestava, mas geralmente nunca mais os via.
Por isso adoro Internet, ajuda-me a recuperar todo o meu mundo, é um apoio maravilhoso à minha péssima memória, e aprendo coisas novas todos os dias. Usada com um pouco de sentido comum, é uma ferramenta incrível!
Diz ao ratinho que se puxa os dois pelos do bigode pode ficar sem ele. Eu já te disse alguma vez ( como as velhas nos repetimos tanto...)que tenho um burro de peluche desde que era pequena, que o meu pai me trouxe de Espanha, que está tão velho como eu?
Vou-te mandar ao gmail uma poesia que lhe fiz quando estava a estudar em Coimbra, para que te rias.
Beijinhos grandes
Pois tens razão, também acredito que não podem morrer! Ou então renascerão ainda mais belas! Gostava de ver a foto do teu burrinho...
EliminarHá sempre um burrinho, ou um ouricinho ou um ratinho ou ainda um ursinho nas nossas vidas!
Beijos
Confesso que António Nobre não é dos meus eleitos... Mas aqui, ganha outro sentido!
ResponderEliminarBeijinhos
Luísa
Magnífico post. E, António Nobre uma excelente escolha.
ResponderEliminarTambém tenho saudades de quando ia para a Biblioteca Pública do Porto... Têm um encanto especial.
A fotografia do ouriço bebé enterneceu-me. Adoro ouriços!
Beijinhos,
Cláudia