terça-feira, 28 de fevereiro de 2012

Livros! As escolhas do Ratinho: António Nobre e o "Só"


Há dias vi o Ratinho Poeta a olhar para uma revista. Lia, pensava, fechava a revista, voltava a abrir na mesma página.

Até que me perguntou:
- Leste isto sobre as bibliotecas que estão a desaparecer, em Inglaterra?

Parecia verdadeiramente indignado.
- Oh! Oh!

E puxava os dois pêlos do bigode, muito enervado.
- Li. É chocante...
- Já pensaste que, se as bibliotecas públicas desaparecerem, onde vão as pessoas que não têm dinheiro para comprar livros, ler? Encontrar os livros de estudo?


Agora tinha saltado para o computador.
O ouricinho veio espreitar-nos. Trazia qualquer coisa na mão que nos queria mostrar.

- Há tantos estudantes em Inglaterra  que estudam nas bibliotecas. E cá, também- disse o Ratinho.
Reflectiu uns momentos e acrescentou:
Livraria Lumière

- Outros estudam por fotocópias. E isso é uma pena. Não podem “viver” com os livros, tocar-lhes!
- Tens razão...

- E mais ainda! Todo o trabalho de uma biblioteca desaparece! A atmosfera! O convívio com as outras pessoas que lá vão. O passeio que se dá, para o ir buscar um livro, trazer outro e, pelo meio, a conversa com quem lá está.

Largo da República e Palácio Acciaioli, à esquerda

Lembrei-me da velha Biblioteca do Palácio dos Acciaioili, em Portalegre, onde era o meu liceu. 
Uma biblioteca a sério!
O liceu fora “adaptado” para ser liceu, mas era uma antiga casa senhorial. 
Escadaria do velho Liceu, hoje Escola Superior de Educação

Vejo sempre as escadaria que subia para a biblioteca com as suas  filas de  prateleiras até ao alto e candeeiros lindos no tecto. Nas horas em que os professores faltavam, quantas vezes para lá fui ler um Camilo, o Júlio Dinis, poesias...

Pensei que o Ratinho tinha muita razão.

O Ratinho disse:
- Tu tens muitos livros, e fazes bem! Andei por aqui à roda e vi imensos títulos bons.

Espreitava os nomes e murmurou, contente:

- Oh! Oh! Olha o “Só” do António Nobre... Gosto muito!

Virou-se para o ouricinho que continuava muito calado.
- Tu não gostas de poesia, Dany?

O ouricinho, muito sério, respondeu:
- Sim. O “Só”?... Dizem que é o livro mais triste que se escreveu em Portugal!
- Foi o próprio poeta que o disse! Como é que sabes?, perguntei eu, divertida.
- Destino de poeta... é assim, disse o ouricinho. Era ele que o dizia...


Sentou-se num cofrezinho de madeira e declamou:


“Ao mundo vim, em terça feira
Um sino ouvia-se a dobrar”...

E encolheu os ombros, triste. O Ratinho olhava-o surpreendido e um pouco de lado.
- É bem verdade - concordou.

Abriu o livro que tinha na mão e leu, pausadamente:

"Caía a noite. Eu ia fora,
Vendo um estrela que lá mora,
no Firmamento português
E ela traça-me o meu fado
“Serás poeta e desgraçado!”
Assim se disse, assim se fez."

Quando acabou, perguntou ao ouricinho:
- Como é que tu sabias?
- Sabia. Cada um é poeta à sua maneira. E ser poeta é difícil. A solidão mata!

E continuou a dizer versos de António Nobre:

Adeus! Eu parto, mas volto breve,
À tua casa que deixei lá!
Leva-me o Outono  (não tarda a neve)
Leva-me o Outono  (não tarda a neve)
No meu regresso, que sol  fará!

Adeus! Na ausência meses são anos,
Dias são meses, que aí são ais:
Ah tu tens sonhos, eu tenho enganos,
Eu sou sozinho, tu tens teus Pais.”

O Ratinho concordou com um acenar de cabeça.
- "Eu sou sozinho. Tu tens teus pais..."

O ouricinho mostrou  finalmente o que trazia na mão.
- Olha! Vejam o que aqui tenho!
Fomos logo espreitar, curiosos. Era uma fotografia a cores. A fotografia de um ouricinho bebé, na concha de uma mão...

- É o teu retrato! - disse o Ratinho, com um ar enternecido.
- Não. Não tenho retratos desse tempo. Foi na internet! Mandaram-mo pela internet!

Virou-se para mim, excitado:
- Foi a Claudia, a tua amiga lá de Guildford. É a mão dela, com certeza!
- Mandou-te a ti?, espantou-se o Ratinho, talvez com aquele maldito ciúme a roer.
- A mim, sim! Eu é que sou um ouricinho e ela lembrou-se de mim. Pode ser de algum parente meu, lá em Inglaterra.

Olhou-nos com um ar empertigado.
- Algum Duque!

O ratinho interveio.
- Fico contente...


Hesitou, e disse:
- A mim também me mandaram uma vez a fotografia de uma ratinha, pela internet...
- Hi! Hi! Hi! Para namorares?, riu-se o Dany.
- Não sei... Mas ela era muito gorda! Não gostei dela.
- Ai o coração, o coração!, suspirou o ouricinho.

Sorri, deliciada,  porque eles me enterneciam. Era a minha vez agora:
- Ouçam mais uma poesia...
"Meu coração não batas", ou "Coração solitário Caçador"...

Meu coração não batas, pára!
Meu coração, vai-te deitar!
A nossa dor, bem sei, é amara,
A nossa dor, bem sei, é amara:
Meu coração vamos sonhar..."

- Que tal esta?

- Lindo!, disseram os dois em coro.


E abraçaram-se!

São assim os meus amigos...


SOBRE ANTÓNIO NOBRE:

Nasceu no Porto em 16 de Agosto de 1867. Ali estudou a escola primária e secundária. Depois foi para Coimbra onde se matriculou na Universidade, no Curso de Direito, em 1888. Desiludido com os resultados, magoado, deixa Coimbra em 1890 e vai para Paris onde faz uma licenciatura na Sorbonne em Ciências Políticas - que termina em 1894. 
António Nobre, em Paris
Em Paris conheceu alguns poetas franceses entre eles Paul Verlaine.
retrato de Verlaine, por Eugène Carrière, 1890


Em 1893 edita em Paris o seu único livro: "Só".

Depois a tuberculose leva-o pelo mundo fora à procura  de reencontrar a saúde.
A cura não existe, porém, e volta para o Porto onde morre em 18 de Março de 1900.
Tinha 33 anos e era um grande poeta!

Estes versos foram tirados da edição d“Só”,  Publicações Dom Quixote - Biblioteca de Bolso - clássicos, Lisboa, 2000, com um Prefácio do poeta  Mário Cláudio.

11 comentários:

  1. O ratinho e o ouricinho têm um coração de poeta como a autora do post (ainda não li o "Só", mas depois do que li aqui vou tentar encontrar o livro).
    um beijinho
    Gábi

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  2. Vais gostar de certeza. E "deves" ler...
    Já agora, conheces a Carson McCullers e este livro do "Coração solitário Caçador"? É lindo!!!!!

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  3. Fiquei rendida à poesia de António Nobre. Tenho que pesquisar mais.
    O ratinho poeta e o Ouriço estão lindos!!
    Que belos dias vicÊs passam, sim senhora!
    Beijinhos para todos

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  4. Mais um post lindo com estes bichinhos únicos.
    Um beijinho

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  5. Esses dois quando esolvem tagarelar sempre sai coisa boa. Gostei de conhecer sobre o autor, confesso que não conhecia.
    Deixo um fado cigano, como disse a Isabel.
    http://cozinhadosvurdons.blogspot.com/2012/02/amalia-rodrigues-e-os-ciganos-de.html

    bjs a todos em casa,
    a rainha manda bjs

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    1. Vou ouvir o fado cigano! Obrigada pelos beijos de todas e da Rainha! Devolvo-os com ternura.

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  6. De António Nobre ficou-me um par de versos na memória: "...Só,meu Deus! O que farão os mais?
    A vida não é um rápido segundo. Que spleen mortal o destas noites imortais!"...Algo assim.
    As bibliotecas não podem morrer JAMAIS.
    A minha casa não é para nada uma mini biblioteca como a da menina, fiz muitas mudanças, cheguei a desfazer-me de coisas de que me arrependi toda a vida, dei muitos livros, e outros, mais queridos, só os emprestava, mas geralmente nunca mais os via.
    Por isso adoro Internet, ajuda-me a recuperar todo o meu mundo, é um apoio maravilhoso à minha péssima memória, e aprendo coisas novas todos os dias. Usada com um pouco de sentido comum, é uma ferramenta incrível!
    Diz ao ratinho que se puxa os dois pelos do bigode pode ficar sem ele. Eu já te disse alguma vez ( como as velhas nos repetimos tanto...)que tenho um burro de peluche desde que era pequena, que o meu pai me trouxe de Espanha, que está tão velho como eu?
    Vou-te mandar ao gmail uma poesia que lhe fiz quando estava a estudar em Coimbra, para que te rias.
    Beijinhos grandes

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    1. Pois tens razão, também acredito que não podem morrer! Ou então renascerão ainda mais belas! Gostava de ver a foto do teu burrinho...
      Há sempre um burrinho, ou um ouricinho ou um ratinho ou ainda um ursinho nas nossas vidas!
      Beijos

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  7. Confesso que António Nobre não é dos meus eleitos... Mas aqui, ganha outro sentido!
    Beijinhos
    Luísa

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  8. Magnífico post. E, António Nobre uma excelente escolha.
    Também tenho saudades de quando ia para a Biblioteca Pública do Porto... Têm um encanto especial.
    A fotografia do ouriço bebé enterneceu-me. Adoro ouriços!
    Beijinhos,
    Cláudia

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