sexta-feira, 5 de outubro de 2012

Apontamentos sobre Emily Dickinson




"When a little Girl, I had a friend, who taught me Immortality
 – but venturing too near, himself – he never returned.”
(1862)

Se bem que muitos soubessem - ou desconfiassem- que Emily escrevia versos, a verdade é que só depois da sua morte, em 1886, tiveram a certeza, quando Lavinia, a irmã, encontrou os seus versos escondido numa arca, e decidiu publicá-los.
primeira edição, 1880

Talvez só o crítico Higginson estivesse a par da sua obra – obra essa que no entanto aconselhou a “não publicar” porque “pouco dentro das conveniências”.
Thomas Wenthworth Higginson  era crítico literário na conceituada revista “Atlantic Monthly”.
retrato de Higginson, em 1823

Os termos por ele usados foram outros, claro, mas o pensamento era esse: ela podia chocar os bem-pensantes com os seus versos livres, vivos e inconvenientes.

Em 1862, Emily enchera-se de coragem e escrevera-lhe, mandando uns poemas. Ele não se digna responder e Emily insiste, numa carta cheia de humor, entre poema e prosa.

 “Mr. Higginson, está assim tão ocupado que não tem tempo para me dizer se os meus versos “têm vida”?
E continua, ironizando...

(Mr Higginson,
Are you too deeply occupied to say if my Verse is alive?
The Mind is so near itself – it cannot see, distinctly – and I have none to ask –
Should you think it breathed – and had you the leisure to tell me, I should feel quick gratitude –
If I make the mistake – that you dared to tell me – would give me sincerer honor – toward you –
I enclose my name – asking you, if you please – Sir – to tell me what is true?
That you will not betray me – it is needless to ask – since Honor is it's [sic] own pawn –“)

Em 1858, Emily começara a reunir as suas poesias em “fascículos”: folhas manuscritas e encadernadas à mão por ela mesma.

Depois desse “encontro” epistolar, corresponderam-se durante muitos anos, até à morte de Emily, mas ele nunca lhe disse para publicar a sua poesia. E ela respeitou sempre este conselho.

Os versos dela tinham vida, respiravam, traduziam sentimentos, saiam-lhe da alma, cândidos e  em catadupa, como nos dez anos em que escreve milhares de poesias.

Como diz Archibald MacLeish, estudioso da autora: “Continuamos a ler, sem conseguir deixá-la. “Algo” nos é comunicado - que não podemos deixar de escutar. E mais outra característica dessa voz: não só “fala”, como nos “fala” a “nós”.

E a voz fala-nos, acompanha-nos, ajuda-nos a aceitar a separação final. Fala-nos de Imortalidade, sem saber que um dia ela seria "imortal".

"When a little Girl, I had a friend, who taught me Immortality – but venturing too near, himself – he never returned” (1862).
("Quando era uma rapariguinha, tive um amigo, que me ensinou a Imortalidade - mas aventurando-se demasiado perto dela - nunca mais voltou.") 

"Ele" era Ben Newton, amigo do irmão, que morre em 1853. E faltou-lhe, para sempre.
Austin Dickinson, o irmão

Um dia, Emily apaixona-se pelo reverendo Charles Wadsworth, que encontra na Primavera de 1855 em Filadélfia, numa das suas poucas saídas, e a quem dedica as mais belas e sentidas poesias de amor. Ele era casado, afasta-se dela, volta. E um dia morre.

Em 1877, Emily estava decidida a casar com o Juiz Otis Lord, amigo de seu pai que ficara viúvo. Em 1882, ele adoece gravemente e, em 1884, morre.

Rodeada de amores mortos, esta voz espontânea, é sempre a da rapariguinha  que sabe falar da Imortalidade. Aquela voz que não conseguimos deixar de escutar e de seguir. 

Da rapariguinha que cresceu, amou, sofreu, viu a morte rondar sempre por perto, desesperou e escreveu, escreveu como quem canta, para afastar os males...


"Ah, exigente Morte

Ah, democrática Morte
Que fizeste nascer 
a mais alta zínia do meu jardim
e- e depois levaste
 abraçada 
a filhinha do meu criado!"

E Paramos para a ouvir...


A Morte, de Carlos Schawbe

Rafaello Sanzio, Angelo


A edição completa das suas Poesias apareceu só em 1955, curada por Thomas H. Johnson. 

Apesar do cepticismo e das críticas desfavoráveis com que a sua poesia foi acolhida nos séc. XIX e princípios do XX, hoje é considerada um dos maiores poetas da Literatura Americana. E, com certeza, do mundo.
"Mulher solitária e infeliz?" Não, nem por sonhos! "Vivia nos seus versos?" Era ridículo se eu o dissesse.
Emily era uma mulher que exprimia a vida em verso, poeticamente. Verso livre, prosa poética? Tudo lhe saía com a  melodia e a cadência do verso.

Uma mulher cuja solidão era habitada pelos sentimentos e pelas recordações? 
Por um sentimento religioso?
Ou pela Morte? 


tirado da net

Tudo isso e muito mais.
Emily era uma força da natureza, mesmo sem o saber e amava de tal modo a vida que "viveu" intensamente cada instante. 
Tinha a sua poesia que a acompanhou até a Morte -essa tal figura "democrática"- a vir buscar. 

O que podia ter de melhor?

No seu enterro, Higginson vai ler o poema "A minha alma não é cobarde" - que outra Emily, a Emily Brontë, escrevera e que ela muito admirava: 
Emily Brontë


"No coward soul is mine,
No trembler in the world's storm-troubled sphere:
I see Heaven's glories shine,
And faith shines equal, arming me from Fear.
O God within my breast,
Almighty, ever-present Deity!
Life - that in me hast rest,
As I -Undying Life- have power in Thee!"

Emily tinha a sua força e a sua "esperança", mas era a mesma rapariguinha que se espantara com a morte do primeiro amigo...


Edward Burne-Jones, Anjo azul, com flauta

Poesias de Emily Dickinson

Dead Love

Oh never weep for love that’s dead
Since love is seldom true
But changes his fashion from blue to red,
From brightest red to blue,
And love was born to an early death
And is so seldom true.

Then harbour no smile on your bonny face
To win the deepest sigh.
The fairest words on truest lips
Pass on and surely die,
And you will stand alone, my dear,
When wintry winds draw nigh.

Sweet, never weep for what cannot be,
For this God has not given.
If the merest dream of love were true
Then, sweet, we should be in heaven,
And this is only earth, my dear,
Where true love is not given. 



I died for beauty
I died for beauty, but was scarce
Adjusted in the tomb,
When one who died for truth was lain
Is an adjoining room.

He questioned softly why I failed?
"For beauty", I replied.
"And I for truth - the two are one;
We brethren are", he said.

And so, as kinsmen met a-night
We talked between the rooms.
Until the moss had reached our lips,
And covered up our names.

 *****


http://arpose.blogspot.pt/2012/09/emily-dickinson-um-poema-vertido-para.html

4 comentários:

  1. Gostei muito de ler o post.
    As pinturas que escolheu para o ilustrar são lindas.
    Tenho alguma poesia de E.D. Não a acho muito fácil.
    Um beijinho

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  2. Uma pequena achega, MJFalcão: realmente a quase totalidade da obra poética de Emily Dickinson é póstuma - embora enorme: mais de 1500 poemas. Mas, em vida, publicou, pelo menos, 7 poemas em revistas de alguma circulação. No "Springfield Daily Republican", 6 poemas, e outro poema, na "Round Table".

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  3. Obrigada, eu tinha lido desses poemas, mas depois esqueci-me de pôr,,, Vejo que também a aprecia. Para mim foi uma redescoberta recente. Lera-a de passagem...
    Abraço

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  4. Como te disse, interessou-me tanto que estive mais de uma hora (...)a ler sobre ela. Creio recordar que Mr. Higgison lhe propôs umas correcções para os versos que ela felizmente recusou. Julgo que foi ele.
    Gosto muito de poesia, mas não traduzida, no entanto como não domino o inglés, irei ao Blog que propões logo que possa (!?!?).
    Também me apetece escrever-te, depois de fazer os deveres da semana, escrever um simples comentário a um filme... Ma che cosa fai con il tempo?!? ( Pergunto, com os dedos da mão direita todos juntos, dando voltas, por isso o faço em italiano, tu já me entendes. Não sei se está bem escrito, também não domino o italiano, e ao passo que vou não vou dominar nem o espanhol, e muito menos o portugués. Mamma mía!)

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