Tolstoi (1902), pelo pós-impressionista russo, Leonide Ossipovitch Pasternak
Ivan Bunine, pintado por Tourzhanski em 1905
A libertação (da vida?), a libertação
na morte do corpo, vida da alma?
A vida que ele afirmava: "não é um jogo, é algo muito difícil". Em que cada mudança lhe parecia terrível. Quando escreve sobre o fim da infância, como bem o cita Bounine, diz:
"No fundo da alma, sentia-me profundamente triste, sentia que perdia irremediavelmente a inocência e a felicidade."
E mais: "Só o sentimento da dignidade e da consciência de cumprir um dever me sustentava. Ao longo da vida, aconteceu-me viver momentos semelhantes nas encruzilhadas da vida (...). Tinha a tristeza doce do irrevogável, do irreparável. E não acreditava que aquilo me ia acontecer." (p.51,o.c.)
A vida que ele afirmava: "não é um jogo, é algo muito difícil". Em que cada mudança lhe parecia terrível. Quando escreve sobre o fim da infância, como bem o cita Bounine, diz:
"No fundo da alma, sentia-me profundamente triste, sentia que perdia irremediavelmente a inocência e a felicidade."
E mais: "Só o sentimento da dignidade e da consciência de cumprir um dever me sustentava. Ao longo da vida, aconteceu-me viver momentos semelhantes nas encruzilhadas da vida (...). Tinha a tristeza doce do irrevogável, do irreparável. E não acreditava que aquilo me ia acontecer." (p.51,o.c.)
Não vou falar disso, era demasiado
longo um discurso do género. O livro é muito bom, tem a sensibilidade necessária
e o poder de nos fazer pensar em tudo o que Tolstoi pensou, nesse seu longo
aprender da libertação.
... Até ao momento em que escolheu
partir longe, para ir morrer, despido das riquezas e do orgulho, sozinho, na pequena estação de Astopov.
Lev Tolstoi, por Ivan Repin, 1891
Um dia, Bounine vai procurá-lo na casa de Moscovo, na ulitsa Khamovniki. Bounine escreveu
“Como contar o que se passou? É uma noite de luar muito fria. Corro, paro, continuo. Em redor, tudo silencioso e deserto. Entro numa rua estreita, iluminada pela lua, vejo a entrada, uma portinha aberta e estou no pátio interior, coberto de neve. Ao fundo, uma velha casa de madeira, onde nas janelas brilha uma luz avermelhada.”
Entra, comovido, na casa de Tolstoi,
onde espera que o Mestre o receba.
“ (...) vejo sair de uma porta à esquerda, ou, melhor, vejo emergir, com uma vivacidade desajeitada, um velho de barba branca, pernas um pouco arcadas, com uma larga camisa de algodão, de fabrico caseiro, e calças do mesmo tecido, tão largas que pareciam calças turcas (...). Um homem ágil, ligeiro, impressionante, de olhar penetrante e sobrancelhas em desordem. Vem direito a mim e tenho ainda o tempo de reparar que o seu modo de andar e mesmo todo o seu aspecto me faz lembrar o meu pai; aproxima-se inclinando-se um pouco para a frente e estende-me, ou, antes, lança-me uma grande mão, com a palma virada para cima onde fecha a minha que aperta ao de leve. E, de repente, sorri com um sorriso encantador e bom e ao mesmo tempo triste e compassivo, e vejo agora que o olhar dos seus pequenos olhos não nada tem de terrível nem de penetrante, apenas observador, conservando algo de triste e comovido."
Tolstoi, por Ilya Repin, 1901
“ (...) vejo sair de uma porta à esquerda, ou, melhor, vejo emergir, com uma vivacidade desajeitada, um velho de barba branca, pernas um pouco arcadas, com uma larga camisa de algodão, de fabrico caseiro, e calças do mesmo tecido, tão largas que pareciam calças turcas (...). Um homem ágil, ligeiro, impressionante, de olhar penetrante e sobrancelhas em desordem. Vem direito a mim e tenho ainda o tempo de reparar que o seu modo de andar e mesmo todo o seu aspecto me faz lembrar o meu pai; aproxima-se inclinando-se um pouco para a frente e estende-me, ou, antes, lança-me uma grande mão, com a palma virada para cima onde fecha a minha que aperta ao de leve. E, de repente, sorri com um sorriso encantador e bom e ao mesmo tempo triste e compassivo, e vejo agora que o olhar dos seus pequenos olhos não nada tem de terrível nem de penetrante, apenas observador, conservando algo de triste e comovido."
"Os cabelos cinzentos, raros,
ligeiramente encaracolados nas extremidades estão separados por uma risca
direita, as orelhas grandes estão colocadas muito no alto, as arcadas escondem
os olhos e a barba, fina, seca, desigual e transparente deixa entrever a maxila
inferior, ligeiramente saliente.”
Tolstoi, pintado por Leonide Ossopovitch Pasternak
E Tolstoi, curioso, interroga-o logo:
“ – Bounine? foi o seu pai que conheci
na Crimeia? está há muito tempo em Moscovo? Por que veio? Para me ver? Jovem
escritor? Escreva se tiver vontade, mas
não esqueça que não é esse o fim da sua vida. Sente-se e fale de si...”
Bounine não se cansa de o
olhar e de o ouvir.
“- Quer uma vida simples de trabalho? É
bom, mas não se force, não faça disso um uniforme. Pode-se ser bom em tanta
coisa...”
Repin, graffite, 1889
Mas o encontro dura poucos momentos. A
dada altura, uma mulher - Sofia Nicolaievna com certeza-, com um lindo vestido
de seda preta, olhos brilhantes, negros também, vem chamá-lo:
Lev e Sofia Tolstoi, por Repin, 1907
o lago e a casa de Tolstoi , em Iasnaïa Polyana (MJF)
Ele também se levantara, sorrindo
como se formulasse um pedido de desculpa. Ergueu as sobrancelhas fixando-me com
os olhos pequenos cheios de uma tristeza obscura, fechou outra vez a minha mão
na sua.
- Adeus, adeus, que Deus o proteja! Venha ver-me quando voltar a Moscovo. Não espere da vida nada de excepcional. Nunca será mais feliz do que é hoje. Não há felicidade na vida, há explosões de felicidade. Aproveite-as, aprecie-as, viva delas...”
- Adeus, adeus, que Deus o proteja! Venha ver-me quando voltar a Moscovo. Não espere da vida nada de excepcional. Nunca será mais feliz do que é hoje. Não há felicidade na vida, há explosões de felicidade. Aproveite-as, aprecie-as, viva delas...”
o belo quadro de Repin (1909), um ano antes de Tolstoi morrer
nenúfares no lago da casa de Tolstoi, em Iasnaïa Polyana (MJF)
Achei este encontro maravilhoso pela
admiração sincera de Bounine, o respeito e a ternura pela figura do grande
escritor, que considerava seu Mestre; pelos conselhos de Tolstoi ao jovem
escritor: primeiro a vida! Procurar – e receber?- a felicidade nos instantes pequenos de todos
os dias... e guardá-la bem...
(*) Quem era Ivan Bounine? Nasceu em Voronej, na Rússia central, em Outubro
de 1870, e morreu em Paris em 8 de Novembro de 1953. Recebeu o Prémio Nobel da
Literatura, em 1933. A sua obra só foi publicada na URSS depois da morte de Staline.
Museu Bunine
Bounine, "Uns Olhos Bizantinos" (ed. Sirius)
Tolstoi e Repin, em Iasnaïa Polyana
Repin, estudos para retrato, 1891
Repin, Tolstoi a lavrar, 1887
Tolstoi por Repin, 1901
Nikolai Nikolaievitch Ge, 1884
Mikhail Nesterov, Tolstoi em 1907
http://russiashow.blogspot.pt/
(*) NOTA: Leonide Ossipovitch Pasternak, judeu
russo, foi um importante pintor pós-impressionista.
Foi pai do famoso escritor Prémio Nobel em 1958, Boris Pasternak, autor entre
outras obras do inesquecível romance Doutor Jivago, prémio esse que não foi autorizado a receber por razões políticas.
"O meu pai ilustrava os livros de Tolstoi. Fui visitá-lo e respeitava-o muito. A casa inteira estava imbuída do seu espírito”.
Mais informações:
http://russiashow.blogspot.pt/2011/09/arte-russa-lev-tolstoi-modelo-ideal.html
L.O. Pasternak pertencia ao "movimento tolstoiano". Tolstoi
era amigo próximo da família e Leonide visitava-o frequentemente.
Escreveu Boris Pasternak, sobre essa relação de amizade:
"O meu pai ilustrava os livros de Tolstoi. Fui visitá-lo e respeitava-o muito. A casa inteira estava imbuída do seu espírito”.
Mais informações:
Adorei!
ResponderEliminarAprende-se sempre tanto com os seus post.
Obrigada.
Um beijinho
Belíssimo!
ResponderEliminarBeijinho grato. :)
Tolstoi é tão relevante como pessoa como universal é a sua obra.
ResponderEliminarDava também para uma grande novela a sua própria vida e contradições, foi escritor, mas também filósofo, lider moral sempre à procura de si mesmo e da autêntica verdade. Enfim, como tu dizes, seria demasiado longo falar aqui de um personagem tão apaixonante.
Beijinhos