Falar
de Henry James é importante. Lê-se ainda este escritor? Muito menos do que se
deveria. Insisto nos romancistas ingleses porque –para mim- são os melhores.
Henry James, por Jacques-Emile Blanche
Henry James, por John Singer Sargent
0s tempos da "presença": Régio e logo atrás Gaspar Simões
Livro terrível, assustador e “envoûtant” (mágico, fascinante, que causa um "encantamento"), livro que se lê de um fôlego porque a atmosfera, o ritmo, a atracção criada em torno da trama são fortísssimos.
Há
quem o considere um “romance gótico” o que não quer dizer nada de especial, a não ser que "fala de assuntos que misturam ficção e horror." Como também a sua novela "Jolly Corner" será uma "história de fantasmas".
O
termo de Literatura Gótica aparece em Inglaterra a propósito da literatura
que combina o horror, a ficção e o Romantismo.
Atribui-se a sua origem ao escritor Horace Walpole e à sua novela The Castle of Otranto (1764) subtitulada- Uma história gótica.
Como "góticas" foram consideradas certas histórias de E. Alan Poe, ou A Dama de Espadas de Alexander Pushkin, ou Oscar Wilde (O Retrato de Dorian Gray) ou Karen Blixen (Contos Góticos).
Gótico, de Edgar Alan Poe
Atribui-se a sua origem ao escritor Horace Walpole e à sua novela The Castle of Otranto (1764) subtitulada- Uma história gótica.
Como "góticas" foram consideradas certas histórias de E. Alan Poe, ou A Dama de Espadas de Alexander Pushkin, ou Oscar Wilde (O Retrato de Dorian Gray) ou Karen Blixen (Contos Góticos).
Puschkin e Dama de Espadas
Retrato de Dorian Gray, na Lippincott's
História de fantasmas (Ghost stories)? Mas
o livro de Henry James é muito mais do que isso. É
o calafrio que, desde o início, nos prende e assusta -para não dizer
“aterroriza” - ao sentir a dúvida e a incerteza sobre a realidade dos factos. A tradução à letra referiria o "apertar do parafuso" que se gira infinitamente... E o que pode causar faz calafrios!
Nas primeiras páginas, muitas são as palavras que designam
“medo” ou “terror”: scared, dread, dreadful, fear, afraid… palavras que traduzem medo são repetidas, frequentemente.
Caspar David Friederich
Uma
história de mundos ocultos? De posse? Sobre pessoas possessas? E fantasmas perversos que vêm da morte
perturbar os vivos?
Ou, apenas, a infindável e angustiante alucinação de uma jovem preceptora que se vê metida numa "realidade" irreal, que não domina e que lhe escapa?
A professora-narradora (que imagino pintada por John Sargent) apercebe-se de uma relação
extra-sensorial dos seus pupilos Miles e Flora com alguém -desconhecido para
ela- que quer “levá-los”.
Quem são? Um criado do "tutor" e a antiga preceptora das crianças, Miss Jessel.
Ambos mortos no ano anterior sem se conhecer bem as causas. E que, segundo a boa cozinheira, Mrs Groves, "privavam demasiado com as crianças".
O ambiente é o dos poemas românticos, onde os personagens evoluem dentro de uma natureza bela que possa ser uma companhia.
Nessa natureza (que me lembra a de Caspar David Friederich), as crianças jogam - diante da governante-preceptora- um jogo perigoso. Um dia esta aperecebe-se que, nas suas brincadeiras, nos teatros, nas poesias que declamam, elas fingem
a vida e tentam comunicar com os mortos? Como saber mais? E como impedi-lo?
Ou, apenas, a infindável e angustiante alucinação de uma jovem preceptora que se vê metida numa "realidade" irreal, que não domina e que lhe escapa?
John Singer Sargent, "Conrad e Reine Hamond"
(a preceptora ao pé do lago?) John Singer Sargent, The Brook, 1903
Quem são? Um criado do "tutor" e a antiga preceptora das crianças, Miss Jessel.
John Singer Sargent: assim imagino Miss Jessel
Ambos mortos no ano anterior sem se conhecer bem as causas. E que, segundo a boa cozinheira, Mrs Groves, "privavam demasiado com as crianças".
Lamb House, onde se "passa" a história
O ambiente é o dos poemas românticos, onde os personagens evoluem dentro de uma natureza bela que possa ser uma companhia.
H. James, desenho de John Sargent (1913)
o parque de Lamb House
Caspar David Friederich, Chalk Cillfs on Rugen
No cenário de sonho, duma casa-castelo encantada, com lagos e parques e salas e torres, é o mistério e o enigma que se abrem na nossa frente, nesses locais assombrados. Porque a vida e a morte se tocam e não querem separar-se.
Lago, do americano Henry Twatchman
Até
que ponto entendemos a história? Até que ponto as coisas são o que pensámos?
Vamos continuando, sem respirar quase, atrás dos acontecimentos e das interrogações
– daquilo que se vê do que se entrevê, através dos olhos da narradora, do que não se vê e queremos adivinhar.
Até ao fim, restam muitas dúvidas. As últimas páginas são intensíssimas, cada palavra pode ser isto ou aquilo. O que vai acontecer à pequena Flora e ao menino Miles?
Será que a preceptora teve razão em agir assim? Ou teria sido melhor não ter feito nada? Quando "despossuídos", o que acontecerá?
John Sargent
John Sargent
Há
mais mundos? Claro que há, já o dizia José Régio. E há mundos em que o mal predomina? Pelo que se lê, no livro de James, também
há.
E
existe o prazer do mal (malvado, perverso: o “evil”, palavra cujas "nuances" são tão difíceis de traduzir em português), o prazer de
perverter a inocência?
A
jovem governanta tenta proteger os seus pequenos educandos, vidas inocentes e
preciosas: “innocent precious lives” (p.32) E, sem saber como
melhor fazê-lo, dedica a sua vida a tentar “salvá-los”: uma missão quase impossível, quando o instinto de "posse" vem de outros mundos…
O
relato que a narradora escreve, ao recordar toda a história, é uma tentativa de explicação do
inexplicável, do “inominável” e da missão que ela assumiu: salvar e defender
aquelas alminhas contra o perigo forças das trevas. Ser um écran, um biombo
protector, na frente deles…
John Singer Sargent, ("Little Flora"?) Laurence Millet, 1887
“I was there to protect and defend the little
creatures - in the world the most bereaved and the most loveable in their helplessness
(…) we were together; we were united in danger. They had nothing but me, and I
–well, I had them, I was a screen – I was to stand before them.” (p.33-34)
Zinaida Serebriakova, Janela
Na bela janela de grandes vidraças, um dia "vê" uma pessoa estranha à casa. Procura no jardim e não encontra ninguém. Começa a falar das “aparições” que se sucedem. Visões suas, apenas? Imaginação? Quem mais vê as suas visões? As crianças "vêem" o que ela vê?
Um dia, outra vez da mesma janela, vê o pequeno Miles a olhar para uma das torres. Quando sai, a mesma personagem, que vira dias antes e a assustar, está no alto da torre, imóvel. Miles finge que não está a ver nada.
O equilíbrio emocional da jovem é abalado e o medo invade-a, não por ela mas por essas criaturas preciosas que ama. Quando elas a abraçam, acredita que são anjos. Mas serão?
John Sargent, (o pequeno Miles?) Lancelot-Allen, 1897
Um dia, outra vez da mesma janela, vê o pequeno Miles a olhar para uma das torres. Quando sai, a mesma personagem, que vira dias antes e a assustar, está no alto da torre, imóvel. Miles finge que não está a ver nada.
O equilíbrio emocional da jovem é abalado e o medo invade-a, não por ela mas por essas criaturas preciosas que ama. Quando elas a abraçam, acredita que são anjos. Mas serão?
Zinaida Serebriakova, Auto-retrato com crianças
John Sargent, Tempestade
“My
heart had stood for na instant with the wonder and terror of the question
whether she too would see.”
Paula Rego: perverter a inocência?
Teria
Flora “visto” o que ela viu? Mas como era possível que permanecesse calma, indiferente, como
se nada tivesse acontecido? E, se vira, porque fingira que não vira?
O
drama desenrola-se e sentimos como nossa a ansiedade da que é a responsável única
pelas crianças (porque o tutor delas, no seu enorme egoísmo, assim o quisera e fora essa a condição por que a aceitara) e
desespera-se, no terror de as não poder salvar.
E, seguindo Henry James, perdemo-nos indo atrás do sentido do "indizível". Onde os mortos querem voltar à vida para buscar os vivos que amaram.
É o artista quem nos conduz. "O artista esse monstro esquisito, na sua caminhada obstinada e na sua sensibildade incansável", como ele diz (citado por R.W.B. Lewis na Introdução à edição americana de Bantam Books, 1981).
James fala da sua experiência, sempre. Neste caso, é a recordação de uma estadia numa casa maravilhosa, a Lamb House, no Rye, Sussex, onde sente a beleza, o repouso e o prazer enorme do local e, simultaneamente, quase incompreensivelmente, o medo dos lugares. Vive ali entre 1897 e 1916.
Dessa estadia vai sair a novela que se "passa" - alterando os nomes- em Bly (em vez de Rye), no Essex (e, não, no Sussex), que se transforma num lugar assustador. Termina o livro em Dezembro de 1897.
John Sargent, Gordon Fairchild
E, seguindo Henry James, perdemo-nos indo atrás do sentido do "indizível". Onde os mortos querem voltar à vida para buscar os vivos que amaram.
É o artista quem nos conduz. "O artista esse monstro esquisito, na sua caminhada obstinada e na sua sensibildade incansável", como ele diz (citado por R.W.B. Lewis na Introdução à edição americana de Bantam Books, 1981).
Rye, no Sussex
James fala da sua experiência, sempre. Neste caso, é a recordação de uma estadia numa casa maravilhosa, a Lamb House, no Rye, Sussex, onde sente a beleza, o repouso e o prazer enorme do local e, simultaneamente, quase incompreensivelmente, o medo dos lugares. Vive ali entre 1897 e 1916.
Lamb House, onde Henry James viveu
Dessa estadia vai sair a novela que se "passa" - alterando os nomes- em Bly (em vez de Rye), no Essex (e, não, no Sussex), que se transforma num lugar assustador. Termina o livro em Dezembro de 1897.
(1) Henry James nasce em
Nova Iorque em 15 de Abril de 1843. Era irmão do médico, psicólogo e filósofo, William James e de Alice James, diarista e epistológrafa, personalidade psicótica que morre muito cedo com um cancro do seio.
Henry estudou em Harvard. Depois veio para a Europa, e continuou os estudo em Inglaterra, França e
Suíça. Por volta de 1869, acaba por fixar residência em Inglaterra, no Rye. Vive na Lamb House, no Sussex, de 1897 a 1916.
Em 1915, obtém a nacionalidade britânica. Morre em 28 de Fevereiro de 1916.
Nomeado para o Prémio Nobel de Literatura em 1911, 1912 e 1916.
William James (1842-1910)
Alice James (1848-1892)
Em 1915, obtém a nacionalidade britânica. Morre em 28 de Fevereiro de 1916.
Nomeado para o Prémio Nobel de Literatura em 1911, 1912 e 1916.
John Singer Sargent (1856-1925), Auto-retrato
(2) João Gaspar Simões, um dos fundadores da revista "presença", foi também romancista (Elói ou
romance numa cabeça, 1932, Pântano 1940, Amigos Sinceros 1941), crítico literário, tradutor de Dostoievsky, Tolstoi, George Eliot e Jane Austen.
Vi o filme The Innocents, basado no livro. É sem dúvida um escritor importante, que eu nunca li. Quando vejo toda uma "saga" de irmãos com muito talento fico extasiada, não é o mais frequente pois parece ser que a genialidade não é hereditaria...
ResponderEliminarBjs
Interessante!
ResponderEliminarEste não é o tipo de literatura que prefiro. Gosto de ler, mas como o tempo não é muito, gasto-o com outro tipo de leituras.
Gostei muito das pinturas que escolheu, principalmente as pinturas de Zinaida Serebriakova. É uma pintora que descobri com a Maria João e com o Manuel, no Sobre o Risco, e gosto muito da pintura dela.
Um beijinho grande:)