Estou
a pensar que o Ratinho e o Ouricinho estão com medo de que já eu não goste deles,
agora que os pombinhos estão na varanda, como se fosse a casa deles, e chamam a
minha atenção. E andavam tão contentes nesta Primavera!
Ontem ouvi
esta conversa entre os dois:
-
E nós já não contamos para nada?, perguntava, preocupado, o Ouricinho ao Ratinho Poeta.
-
Sim, tens razão. Nós não somos tão bonitos como eles?
De
facto, sem reparar que eles estavam ali perto, tinha dito ao Manuel:
“Que engraçados que são estes pombinhos! Viste os biquinhos? E as brincadeiras que fazem como se fossem dois meninos de verdade…”
“Que engraçados que são estes pombinhos! Viste os biquinhos? E as brincadeiras que fazem como se fossem dois meninos de verdade…”
Tudo
começou com a história que já aqui contei: uma pomba fez o ninho num vaso da
varanda. No vaso dos ibiscos amarelos. Por um lado, tive pena porque as flores
ressentiram-se por não serem regadas – mas como podia ir molhar a terra do vaso
onde a pomba ia pôr os ovos?
No entanto, como de vez em quando deito um poucochinho de água no lado oposto àqueles onde a família está instalada, rebentaram duas flores magníficas e há uns botõezinhos a quererem nascer.
No entanto, como de vez em quando deito um poucochinho de água no lado oposto àqueles onde a família está instalada, rebentaram duas flores magníficas e há uns botõezinhos a quererem nascer.
Pôs
um ovinho – lindo, quase transparente e branco - e, poucos dias depois, o
segundo ovo - igualmente pequenino e bonito. Fiquei deslumbrada com aquela vida
a criar-se mesmo em frente dos meus olhos.
Nunca tinha acontecido ter pássaros na minha varanda! As flores serviam de biombo para se esconderem e ficavam tão bonitos ká detrás.
Nunca tinha acontecido ter pássaros na minha varanda! As flores serviam de biombo para se esconderem e ficavam tão bonitos ká detrás.
Tive
andorinhas na casa amarela da minha infância e tive pássaros lindos e coloridos
no meu jardim de São Tomé: o truquis sum
deçu, passarinho delicado, com uma cauda comprida como uma vara de leque japonês,
a tremer, quando voavam. E uns pássaros verdes que faziam o ninho com tiras de
palha entrelaçada - num trabalho laborioso e difícil que durava horas. E que
baloiçavam suaves, pendurados dos ramos
da goiabeira…
Aqui
chegaram os ovos e agora era outra “saga”: chocar os ovos! E lá fiquei na
expectativa de ver se dos ovos saíam os pombos-filhos.
E
ora vinha a mãe, a pombinha de riscas pretas e brancas nas costas cinzentas ou
o pai que tinha o peito verde vivo mas era menos delicado e mais pesado no voo.
E sentavam-se tranquilos e as horas passavam e imóvel o pombo “de serviço”.
Nessa
altura, chamei os meus amigos para virem ver o espectáculo, mas eles
afastaram-se logo, amuados, e fizeram uma reunião com outro passarinho que já
cá vive há muito. O que disseram entre eles não sei, mas mantiveram-se
afastados da varanda.
O Ouricinho com o seu ar assustado espreitava às vezes à janela mas muito discretamente. Ou concentra-se a ver um quadro como se não fosse nada com ele.
O Ratinho, orgulhoso, esse isolou-se no quarto do Diogo. Ou vai espreitar as árvores da janela do meu quarto.
E faz yoga!
Dei por eles a brincar mais a gatinha japonesa com outros ovos pintados, como se nada lhes interessasse dos ovos da
varanda.
O Ouricinho com o seu ar assustado espreitava às vezes à janela mas muito discretamente. Ou concentra-se a ver um quadro como se não fosse nada com ele.
O Ratinho, orgulhoso, esse isolou-se no quarto do Diogo. Ou vai espreitar as árvores da janela do meu quarto.
E faz yoga!
Depois
de ouvir aquela conversa, tentei mudar a minha atitude e ser mais atenciosa. Claro,
ciúmes de meninos que foram muito mimados por mim, mas não quero magoá-los de modo nenhum!
Comecei a falar dos pombos que tinham nascido e que lutavam para viver, frágeis como eram. E como os pais deles estavam sempre atentos, com medo que alguma gaivota voasse baixo e visse as crias. Quantas vezes as gaivotas roubam os passarinhos recém-nascidos.
Comecei a falar dos pombos que tinham nascido e que lutavam para viver, frágeis como eram. E como os pais deles estavam sempre atentos, com medo que alguma gaivota voasse baixo e visse as crias. Quantas vezes as gaivotas roubam os passarinhos recém-nascidos.
Levei-os
à varanda, mostrei os ovos e contei-lhes como os pombos não têm casa, nem ninguém que lhes dê
de comer e como têm vidas difíceis.
Mais tarde mostrei-lhes os pombinhos nascidos. Curiosos como são, espreitaram tudo mas depois mostraram-se desinteressados.
Mais tarde mostrei-lhes os pombinhos nascidos. Curiosos como são, espreitaram tudo mas depois mostraram-se desinteressados.
Lembrei-me de uma "short story" de Isaac Bashevis
Singer que se chama “Pombos”. É um conto lindíssimo e comovente que vem incluído na colectânea de contos intitulada "Um amigo de Kafka".
De Singer que era uma 'amador' de pombos e que nunca saía à rua, em Nova Iorque, sem levar uns miolinhos de pão ou sementinhas para os seus amigos pombos que estavam na praça onde ia tomar o seu café. Quando algum polícia o “repreendia”, dava uma volta para entrar pelo outro lado. A verdade é que Singer amava tanto os animais que se tornou vegetariano!
De Singer que era uma 'amador' de pombos e que nunca saía à rua, em Nova Iorque, sem levar uns miolinhos de pão ou sementinhas para os seus amigos pombos que estavam na praça onde ia tomar o seu café. Quando algum polícia o “repreendia”, dava uma volta para entrar pelo outro lado. A verdade é que Singer amava tanto os animais que se tornou vegetariano!
Segundo ele, "um passarinho, um ser criado por Deus, não pode ser sujo"…
Nem as criaturas de Deus deviam ser comidas. Nem batidas, nem violentadas. Nem maltratadas e humilhadas. Ah, mas isso já é outro discurso...
E, então, decidi contar-lhes a história de Pombos. Fala de um velho professor que, depois da morte
da mulher, se reforma. Como companhia arranja uma série de passarinhos desde canarinhos a papagaios e tantas outras
aves pequenas. Abria-lhes as gaiolas e
deixava-os voar soltos, livres, por entre os livros da biblioteca. E eles
poisavam-lhe na mão quando escrevia, ou na haste dos óculos e isso não o
incomodava.
Um
dia o professor morre (não vos posso contar a história toda! Mas ao Ratinho e
ao Ouricinho contei) e qual não é o espanto dos que seguem o seu enterro? Um
bando de pombos de várias cores voa por cima – exactamente por cima – dele.
Acompanham-no até ao cemitério e desaparecem no ar que, de repente, ficou cinzento.
Acho
que eles gostaram do conto de Singer e penso que vão olhar os pombinhos de outra
maneira.
Eu
gosto tanto deles! Como podem desconfiar da minha amizade!?
Claro,
ciúmes de meninos é o pior que há na vida!
(*) Bashevis Singer nasceu em 1902, em Leoncin perto de Varsóvia. Não se sabe exactamente em que dia porque há duas versões... Poucos anos depois, a
família move-se para Radzymin. Morre em Miami em 24 de Julho de 1991. Em 1978, recebeu o Prémio Nobel de Literatura.
Adorei mais esta história dos amiguinhos!
ResponderEliminarCompreende-se que estejam um bocadinho ciumentos, pois se agora a Maria João tem aí esses hóspedes que lhes roubam o protagonismo...
Mas em breve tudo voltará ao normal, quando os pequenos pombos começarem a dar os primeiros voos e quando partirem. Depois, aposto que até o ratinho e o Ouricinho vão sentir saudades...
Ai estes Ratinho e Ouricinho! São uns mimados, é o que é!!
Um beijinho e uma boa semana:)
(A data do falecimento de Isaac Bashevis Singer, no link não está igual...)
Obrigada, Isabel, já emendei a data. Os teus amigos ficaram contentes com a tua compreensão... Boa semana!
EliminarQuem não sente ciúmes não ama, já o disse Santo Agostinho.....
ResponderEliminarHà cinco anos que me delicio com um ninho de andorinhas mesmo no centro do alpendre por cima da mesa onde escrevo com os pássaros e assim me sinto sequestrado no paraíso
ResponderEliminarQue ternura... E os ciúmes são até sinal de amor, às vezes.
ResponderEliminarBeijinhos