Na
minha viagem a Portalegre, há poucos dias, a minha intenção principal foi ver duas pessoas que estão na
minha vida há muitos anos e cuja forte amizade dura - desde que, com três anos,
parti para o Porto, com os meus avós, para assistir a um casamento. O casamento do meu tio, irmão da minha mãe.
Única
sobrinha presente pois a mais velha das minhas irmãs estava doente e a mais
pequena tinha nascido há menos de uma semana.
O
meu tio ia casar com uma mulher linda. Gostei logo dela e dos seus olhos alegres,
do sorriso perfeito e confiante com que nos olhava.
Vejo-me na fotografia -que a minha tia me mostra agora- de mão bem agarrada à mão da minha avó a subirmos as escadaria da igreja, ela com o noivo de braço dado. Séria, composta, a minha avó vai de cabeça erguida e em cima um grande chapéu com flores de que não recordo a cor.
Vejo-me na fotografia -que a minha tia me mostra agora- de mão bem agarrada à mão da minha avó a subirmos as escadaria da igreja, ela com o noivo de braço dado. Séria, composta, a minha avó vai de cabeça erguida e em cima um grande chapéu com flores de que não recordo a cor.
Eu
levo um vestidinho de tule azul claro de que me lembro tão bem como se tivesse sido
ontem. Um vestido feito de propósito, talvez pela Tia Leopoldina, para a ocasião, e um lacinho na cabeça. A minha irmã que tinha um vestidinho igual ficou de cama, doente.
Sei que andei pelas salas a correr, a brincar, e que acabei à varanda, já de laço desfeito, a deitar rebuçados e bolinhos lá para baixo, para uns meninos que estavam a olhar para as nossas janelas.
Sei que andei pelas salas a correr, a brincar, e que acabei à varanda, já de laço desfeito, a deitar rebuçados e bolinhos lá para baixo, para uns meninos que estavam a olhar para as nossas janelas.
Noutra
fotografia vejo-me no meio das jovens damas de honor e da noiva. Lá estou eu, de
cabeça virada, a olhar para o fotógrafo, com os pés quase em cima da cauda do
vestido de noiva que tanto me impressionara. A noiva lá está a rir-se.
o vestidinho de tule azul, noutro casamento
O
tempo correu, correu. Eu cresci, mas sempre ligada àqueles dois. Estive de
férias com eles, no campo. Para mim, eram como os pioneiros do far-west, de monte em monte, de aldeia
em aldeia, descendo o Alentejo profundo. De camioneta, de moto, de barco, até de carroça -lembra-se ela- nada os assustava.
O meu tio era desenhador técnico de
engenharia e o seu trabalho era fazer medições, cálculos, para os mapas
cartográficos da região. Iam os dois, primeiro sozinhos, depois com um filho,
depois ainda com uma filha mais.
E
a noiva nunca se queixava e tinha sempre o sorriso aberto. Empoleirada numa
escada de madeira encostada a uma meda de feno gigantesca (outra fotografia que
me estende agora para eu ver) ou de bicicleta, com um ar, desafiador, de aventureira sem medo de nada.
E
os dois sempre sorridentes, divertidos, irónicos sempre como se a vida fosse o
jardim do paraíso!
Hoje,
depois de tantos e tantos anos passados juntos, continuam amparando-se ou protegendo-se. Ela sempre a
dar tudo o que pode, a todos, na sua generosidade infinita, com o mesmo sorriso
amigo. Ele, menos presente, com um certo ar de tristeza no olhar, conheceu-me bem, sorriu-me e falou um pouco. Depois, devagarinho, ausentou-se, de olhos no jornal.
"Ainda jogamos ao dominó", conta a minha tia. E é o meu tio quem ganha a maior parte das vezes. E vai-nos explicando: "Faz palavras cruzadas, quer ler o jornal todos os dias". Lerá? Ninguém sabe bem. Vejo-o fixar as páginas, com olhos sérios, distantes, como que isolado num mundo só seu.
Por onde andará o olhar de olhos verdes risonhos (a minha mãe chamava-lhes "olhos garços") que recordo da minha infância?
"Ainda jogamos ao dominó", conta a minha tia. E é o meu tio quem ganha a maior parte das vezes. E vai-nos explicando: "Faz palavras cruzadas, quer ler o jornal todos os dias". Lerá? Ninguém sabe bem. Vejo-o fixar as páginas, com olhos sérios, distantes, como que isolado num mundo só seu.
Por onde andará o olhar de olhos verdes risonhos (a minha mãe chamava-lhes "olhos garços") que recordo da minha infância?
Tudo
gira, tudo passa. Como um carrossel que, de improviso, perdesse o controle e
continuasse a girar, a girar sem parar, confundindo-se nesse movimento as
imagens que, antes, eram bem definidas. Um carrossel enlouquecido que não sabe
parar.
Onde os cavalos, a girafa, o galo e as cadeiras que giravam sobre si?Tudo ficou para trás, confuso na memória.
Onde os cavalos, a girafa, o galo e as cadeiras que giravam sobre si?Tudo ficou para trás, confuso na memória.
O
abraço que lhes dei esse guardo-o dentro de mim. E o que me vem à lembrança enquanto
escrevo é esse dia de Junho maravilhoso em que viajei de comboio até ao Porto
para encontrar a bonita jovem que ia ser mulher do meu tio! E sinto-me feliz!
Que bonito é tudo o que foi nosso! Levá-lo dentro já é importante, mas voltar aos mesmos rincões ou reencontrar as mesmas pessoas é uma maravilha. Entendo muito bem os sentimentos que te embargam, querida.
ResponderEliminarMuito intenso pela ternura e amor manifestados!
ResponderEliminar~~~
ResponderEliminar~ MJ, beijinho grato pela tocante e agradável leitura.
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Que bonito!
ResponderEliminarVê-se que a Maria João teve uma infância feliz e ainda bem que tem esses tios ainda para visitar.
Era muito linda a sua tia e o seu tio, quando novos.
Um beijinho :)
Maria João,
ResponderEliminarEste regresso às memórias de infância e o carinho registado fazem sorrir.
Que bom tê-los ainda no presente, mesmo que o tio tenha o mundo só dele quando lê o jornal.
Beijinho. :))
Maria João, Muito intenso. Carregado do Tempo, e das tropelias que ele faz. Beijinhos
ResponderEliminarE é assim que somos feitos, de histórias, de sorrisos, olhares, vestidinhos nunca esquecidos ... como é bom.
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