No
livro de que já falei, “O Culto do Chá”, conta Wenceslau de Moraes lendas
e coisas interessantes que desconhecia.
Do
culto do chá já vos falei uma vez, mas não disse tudo. Porque esse culto
implica, no Japão, uma cerimónia de grande requinte ligada à
solenidade do momento. E dos ritos que a precedem, respeitados por todos os
japoneses, trate-se de ricos ou de pobres.
Escreve
o nosso escritor:
“No espírito europeu, despoetizado pela
chateza dos ideais da época, atribulado pelas multíplices exigências da vida,
pervertido pela febre do negócio, não medram de há muito os cultos de nada…”
(pg.7)
De
que época fala Moraes? Parece falar da nossa - de hoje – tão agitada pela pressa, pelos negócios, pela corrida
ao lucro, pela velocidade dos transportes, pela rapidez com que tudo acontece e
os meios de comunicação transmitem na hora. Mas não. Fala de um outro tempo, o século XIX…
Desse frenesim europeu, fugira o comandante da Marinha que foi Wenceslau
de Moraes, o homem que amou acima de tudo o país do sol nascente, o Japão.
Conhecera antes a China, onde viveu uns anos, no entanto é ao Japão que dedica o seu
amor.
O delicado Japão da cerimónia do chá, do culto da composição das flores, o ikebana.
O delicado Japão da cerimónia do chá, do culto da composição das flores, o ikebana.
"ikebana e chá"
O país da contemplação da beleza. Da delicadeza dos momentos que se vivem, nos romancistas japoneses, momentos sobre os quais escreveram Kawabata e Inoué: os
passeios que se fazem, no Outono, de comboio, só para irem ver os aceres vermelhos; ou, no início da Primavera, a floração das cerejeiras, sakura.
aceres vermelhos na zona de Kyoto
É também o país das camélias. “O Japão é a terra das camélias: da 'camellia japonica', como diz o latinório
dos botânicos.
Quando, por fins de Novembro começam os frios e as geadas e
pouco falta para as neves alvejarem no dorso das montanhas (…) é então que se
ostentam as belas flores d'esta esplêndida família das camélias.
Vêm primeiro as sazankas, umas brancas outras róseas, de mimosíssimas pétalas frisadas;
seguem-se as camélias simples, sanguíneas, surdindo da rama espessa de árvores
gigantes, espalhadas pelos campos;
e após vêem as flores cuidadas, de luxo, variando em inúmeras formas, variando em inúmeros tons, desde o branco de leite até ao róseo quase negro.
camellia japonica
Camélias "sazanquas"
e após vêem as flores cuidadas, de luxo, variando em inúmeras formas, variando em inúmeros tons, desde o branco de leite até ao róseo quase negro.
camellia reticulata
a flor do chá
É
então que desabrocha também a pequenina flor do chá, que também é uma camélia,
subtilmente perfumada, composta de cinco petalazinhas alvas contornando e
protegendo o feixe áureo dos estames.” (pg.13)
"o feixe áureo dos estames"
Nas páginas que seguem, descreve a beleza dos campos verdes e das plantações de chá, da camellia sinensis que, tal indica o nome, veio da China (sinensis, da China).
Fala das casas de chá -restaurantes- que existem por toda a parte e que se chamam “chayas” (casas de chá). Segundo o autor, estão perto do rio Uji, uma das mais belas regiões onde se cultiva esta planta do chá: a zona de Uji, “a quinze milhas de Kyoto”.
Fala das casas de chá -restaurantes- que existem por toda a parte e que se chamam “chayas” (casas de chá). Segundo o autor, estão perto do rio Uji, uma das mais belas regiões onde se cultiva esta planta do chá: a zona de Uji, “a quinze milhas de Kyoto”.
E deixo o pequeno poema que o Wenceslau de Moraes transcreve
sobre a maravilha dos campos de chá de Uji perto donde corre o rio Uji.
o Rio Uji
“Quando nasce o sol radioso
Por cima daquele oiteiro,
Todas as águas do rio
Parecem mesmo um braseiro.
N’estas águas do rio Uji
- tão milagrosas que são!-
Lavam-se todos os males
De que sofre o coração.”
E
contarei mais história. A próxima vai ser “a lenda de O-Hichi e de O-Hana”,
suicidas por amor, perto do rio Uji.
***
Algumas curiosidades que considero importantes:
~A nossa palavra “chá” é, em quase todas as línguas europeias (*), a forma que difere das outras. Se
repararmos, em inglês é “tea”, em francês “thé”, alemão “tee”, o italiano “tè”,
o espanhol é “té”.
Explica-se do
seguinte modo a diferença:
Deve-se ao facto de os portugueses terem sido dos primeiros povos a terem contacto com a forma como se dizia chá no chinês “mandarim”, enquanto os outros povos receberam a palavra através de outros meios.
As missões comerciais a Macau (já colónia portuguesa na China) precisavam de um nome para comerciar esse produto e, para simplificar, repetiram a palavra que ouviam dizer aos chineses, chai, do mandarim.
A nossa palavra “chá” veio, pois, da mesma origem dialectal do termo em japonês. É a mesma palavra que se encontra no hindi, no persa, no romeno, no grego, no croata, no checo e no russo, turco, vietnamita e outros…
Deve-se ao facto de os portugueses terem sido dos primeiros povos a terem contacto com a forma como se dizia chá no chinês “mandarim”, enquanto os outros povos receberam a palavra através de outros meios.
As missões comerciais a Macau (já colónia portuguesa na China) precisavam de um nome para comerciar esse produto e, para simplificar, repetiram a palavra que ouviam dizer aos chineses, chai, do mandarim.
A nossa palavra “chá” veio, pois, da mesma origem dialectal do termo em japonês. É a mesma palavra que se encontra no hindi, no persa, no romeno, no grego, no croata, no checo e no russo, turco, vietnamita e outros…
No entanto, a língua mandarim usava, igualmente, a palavra “tei” de outro dialecto que se
falava na zona em que os ingleses comerciavam, em Fujian, no sudeste da China onde
existia a forma que soava como “té” ou “tei” – daí o uso de “tea”. Termo que se usa, ainda, no dinamarquês, húngaro, finlandês e outros.
portugueses no Japão (biombos namban)
~Os
primeiros a introduzir o chá na Europa foram os Portugueses que chegaram ao
Japão em 1543. O chá usava-se, como “bebida social”, desde a época da dinastia
Tang (618-907), na China, a qualquer hora do dia.
Catarina de Bragança, mulher de Charles II
O
chá foi introduzido em Inglaterra por Catarina de Bragança, princesa
portuguesa, mulher de Carlos II de Inglaterra, por volta de 1660.
´
Foi ela quem criou as “tea parties”, à tarde (five o'clock tea), festas do chá, para mulheres: só mais tarde a cerimónia foi alargada aos homens.
Já agora outra curiosidade: a origem da palavra "bule" que, se estivermos com atenção, vemos que é muito diferente de todas as outras da Europa (théière, tea-pot, etc).
´
Foi ela quem criou as “tea parties”, à tarde (five o'clock tea), festas do chá, para mulheres: só mais tarde a cerimónia foi alargada aos homens.
Já agora outra curiosidade: a origem da palavra "bule" que, se estivermos com atenção, vemos que é muito diferente de todas as outras da Europa (théière, tea-pot, etc).
Vem, de facto, do malaio “buli” que queria dizer frasco, mais uma palavra que os portugueses
trouxeram da Ásia.
É lindissima a imagem em cima - interrompi a leitura do "post" para vir escrever este comentário, agora vou voltar lá para cima outra vez e continuar a leitura
ResponderEliminarum beijinho e até já
Gostei muito deste post, pelas imagens, pelas histórias, pela história das palavras.
ResponderEliminarum beijinho e boa noite
Gábi
Obrigada, Gábi. É realmente linda a flor do chá! A "Camellia sinensis". nem sabia que existia! beijinhos para ti
EliminarGostei imenso de ler este texto e mais uma vez fiquei com esse desejo ainda não concretizado de ver o filme que Paulo Rocha fez sobre Wenceslau de Moraes, por outro lado mantenho a esperança de um dia conhecer o Japão, tal como a senhora aqui de casa, amante de chás.
ResponderEliminarMuito boa tarde!
Obrigada...
EliminarLindo texto e lindas imagens ! Gostei muito, só é pena eu não gostar de chá... Kisses !
ResponderEliminarFazes mal, Mamé, é tão bom ! bjs
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