No
livrinho “O Culto do Chá” (1), falando do requinte e da solenidade sentimental
e do rito que precedem e criam o “culto do chá” no Japão, Wenceslau de Moraes
(2) escreve:
“No espírito ocidental, europeu, despoetizado
pela chateza dos ideais da época, atribulado pelas múltiplas exigências da
vida, pervertido pela febre do negócio, do benefício, não medram de há muito os
cultos.”
E refere o culto a Darumá, o grande apóstolo indiano do budismo,
que chegou à China no começo do século VI da nossa era cristã.
Este Darumá - uma espécie de santo homem- inspirou deste tempos remotos os pintores japoneses.
Katsushika Hokusai, esboço de Daruma
"O
voto de Darumá era passar a vida de joelhos, em solo pedregoso, absorto em
contemplação mística, sem se conceder nunca o regalo de dormir.”- explica Wenceslau de Moraes.
a enorme tela de Katsushika Hokusai
Entre outros, foi pintado por Katsushika Hokusai (1760-1849). E o nosso escritor fala dessa obra célebre –
e grandiosa - pintada em papel.
“Uma superfície
de duzentos metros quadrados, onde o
pintor usou oitenta litros de tinta, servindo-se não de pincéis mas de cinco
vassouras(!!!) à laia de pincéis. Tela
essa estendida sobre um “campo” que era o telhado dum templo, enquanto a
multidão aplaudia o mestre.”
Katsushika Hokusai, Daruma San
Mas
voltando ao culto do chá, na China e no Japão, o que tem a ver Darumá com isto?
É o que Wenceslau de Moraes nos explica: “De
joelhos, sem dormir, certo dia as pálpebras cerraram-se de fatiga e o bom
Darumá deixou-se adormecer para só acordar na manhã seguinte.”
Fica
furioso consigo próprio e castiga-se. Pede uma tesoura a alguém e “corta as pálpebras indignas e arremessa-as
ao solo, num gesto de despeito.”
A
plantazinha cresce, dá folhas e estas, por infusão em água quente, passam a ser
um remédio precioso contra o sono e contra o cansaço das vigílias.
“Estava conhecido o chã; tem pois origem na
China e é coisa santa. Crê quem quer; mas devo advertir que este livro foi escrito
para os crentes.” – refere o autor. (o.c. pg. 10-112)
Como
esta história, muitas lendas e outras coisas interessantes encontramos neste livrinho
precioso. Da próxima vez, contarei a história das camélias. Porque há muito que se lhe diga! Porque se fala de camelia sinensis e chá verde?
E tem ilustrações muito belas do pintor Yoshiaki, contemporâneo de Wenceslau de Moraes.
E tem ilustrações muito belas do pintor Yoshiaki, contemporâneo de Wenceslau de Moraes.
Yoshiaki, imagem do livro
chá verde ou camelia sinensis?
***
(1) "O
Culto do Chá" foi publicado pela primeira vez, em 1905, na Tipografia do “Kobe Herald” com gravuras
de Gotô Seikôdô.
A edição a que me refiro hoje de “O culto do chá” foi publicado em edição
fac-similada, em 1993, pela editora Vega, na colecção Mnésis.
Descobri que havia uma edição mais recente, da Relógio d'Água. O que não me surpreende pois é uma casa editora que "respeita" os autores!
Descobri que havia uma edição mais recente, da Relógio d'Água. O que não me surpreende pois é uma casa editora que "respeita" os autores!
“A presente edição de 1993 – escreve o
editor Assírio Bacelar- teve como base um
raríssimo exemplar da edição original cedido gentilmente pela viúva de Armando
Martins Janeira, assim como a autorização para publicar o prefácio da 2ª
edição, de Martins Janeira. (…)”
Armando Martins Janeira (imagem da net, sem indicações)
“Desde essa altura, o livro tivera, até hoje,
mais duas edições” - escreve o editor da edição de 1993, Assírio Bacelar. Uma
em 1933, pela Casa Ventura Abrantes, numa espécie de homenagem ao escritor e ao
Japão. Outra, em 1987, pelo Instituto Nacional do Japão, com um completo
Prefácio de Martins Janeira.”
(2) Wenceslau de Moraes nasceu em Lisboa em 30 de
Maio de 1854, viajou pelo Oriente, foi um escritor e igualmente um oficial da
marinha Portuguesa. Morreu em Tokushima em 1 de Julho de 1929. A sua obra mais
conhecida é “Dai-Nippon”.
Este blog é um espanto! Ainda bem que o descobri.
ResponderEliminarObrigada.
Não imagina o prazer que me dá com os seus comentários. Gosto deste 'trabalho', fui professora de Português e de Literatura e nunca consegui abandonar a ideia de continuar a aprender para ensinar o que vou descobrindo. Obrigada!
EliminarObrigado pela sugestão, fiquei muito curioso com o livro e como refere no seu texto à propósito da reedição do livro , há editoras que entendem o significado da palavra e editam porque gostam dos autores e não por razões puramente comerciais e a Relógio D'Água é um desses casos.
ResponderEliminarMuito bom dia!
É apaixonante a importância dos rituais na nossa vida interior e a sua história através dos tempos. Como adoro o chá e certas rotinas, acho especialmente exquisito este rito, tanto no japão como na Inglaterra. Happy week!!
ResponderEliminarA diversidade de temas publicados em detalhes, com leveza, uma escrita deliciosa e envolvente, faz do Falcão de Jade um blog para navegar sem lembrar que o tempo existe. Obrigado Maria!
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