sábado, 9 de setembro de 2017

O 150º Aniversário de Camilo Pessanha


Camilo Pessanha nasceu no dia 9 de Outubro do ano 1867 em Coimbra e morreu em Macau no dia 1 de Março de 1926. 
Passa, pois, em Outubro próximo, o 150º aniversário do nascimento de Camilo Pessanha. 
Festeja-se neste mês, em Macau, esse 'centenário e meio' do poeta, com várias manifestações artísticas evocativas do poeta e que vão da fotografia à poesia, a livros e a ensaios. 
E, muito importante: vai sair uma nova edição da "Clépsidra" em papel e formato "bíblia".

 É bom lembrar o grande poeta. Poeta simbolista por excelência, que participa já de muitas características do futuro Modernismo. 
Antes dele, Eugénio de Castro (1869-1944) - o primeiro simbolista português- que, no Prefácio de “Oaristos”, define o movimento. O que não impede que Camilo Pessanha tenha sido o exemplo mais forte e sofisticado do movimento simbolista.
Modelos, inspirações? Sem dúvida a dos grandes simbolistas franceses - de Mallarmé a Baudelaire e de Verlaine a Rimbaud. 
E, por cá, Eugénio de Castro, insisto, que viveu em Paris e 'absorveu' a atmosfera simbolista.
Eugénio de Castro, esboço de Valotton
Simbolismo, simbologia, símbolo. Como definir símbolo: "é a palavra poética, na medida em que ele pode criar afinidades surpreendentes entre as coisas que significa: sentidas, recordadas, sabidas.” Coisas “sentidas”, sabidas pelo sentimento, e re-criadas pelo sentido, relação acentuada pelo som. 
Verlaine a Rimbaud, por Delacroix

Quem não recordará, ao ler o seu "Violoncelo", o poema “Les violons de l’Automne”- o Outono e os violinos de Verlaine? 

Baudelaire é, indubitavelmente, um dos mais influentes precursores do Simbolismo – com o soneto “Correspondances” (in"Les fleurs du mal") poema que dizem estar na "base" do simbolismo. 


O poeta Baudelaire recupera neste poema a função romântica do poeta-mago. Só o poeta pode entender perfeitamente o mundo sensível, sua fonte de inspiração. Sinestesias, correspondências, equivalências sensoriais. Os utensílios serão as metáforas e as comparações: sons, perfumes e imagens em simbiose. Formulando, aqui, uma verdadeira 'arte  poética', um projecto estético.
O Simbolismo, essa “arte da sugestão” que fora teorizada, em 1886, por Jean Moréas, no seu “Manifeste Littéraire de l’Ecole Symboliste”, publicado no jornal Le Figaro (*), e que vai inspirar todo o fim do século XIX e de grande parte do XX.
Jean Moréas (1910)

Escreve Moréas: "(...) esperava-se uma nova manifestação da arte, necessária, inevitável. Essa manifestação surgiu neste momento. (…) Propusemos antes o nome de simbolismo como o único capaz de designar de modo racional a tendência actual do espírito criador na arte. (…) 
Digamos, pois, que Baudelaire deve ser considerado como o verdadeiro precursor do movimento; M. Stéphane Mallarmé encheu-o do sentido do mistério e do inefável; M. Paul Verlaine quebrou em sua honra os cruéis estorvos do verso.” (*)
Chagall, "Les fleurs au port"

Por sua vez, o título da recolha de Poesias de Camilo Pessanha, Clépsidra, terá ele ido buscar a Baudelaire, um dos seus poetas bem amados. 
Verlaine a Rimbaud

Águas que correm de clepsidras, tempo que passa, marcas, música e arcos que choram nas cordas dos instrumentos, alaúdes e alabastros. Os sons, a evocação dum perfume, as imagens diáfanas...
"Metaforismo e imagismo? Interseccionismo e Pessoa? Surrealismo? Relações analógicas e sugestões significante/significado." Onomatopeias, aliterações e tantas figuras de estilo que estudámos todos e vamos encontrar neste simbolista. 


E muito lhe foram descobrir - que ainda ignoro - os novos estudiosos das universidades (***). Fragmentação sintáctica como ordenação do mundo? Mundo fundado sobre a ambiguidade a transitoriedade e a fragmentação – o que o aproximaria mais do modernismo do que do simbolismo? -tantas coisas novas ou já conhecidas...
Ouço os lamentos, as irremediáveis ruínas do que passou, os choros convulsivos, águas passadas, tormentos e pesadelos: a poesia de Camilo Pessanha.
Que importam hoje para mim os pormenores, os fragmentos? Gosto de o ler, soube-o de cor, ensinei-o. 
À minha maneira, claro…
a violoncelista Jacqueline du Pré
Violoncelo
“Chorai arcadas
do violoncelo!
Convulsionadas,
Pontes aladas,
De pesadelo…
De que esvoaçam,
Brancos os arcos…
Por baixo passam,
Se despedaçam,
No rio, os barcos.
Fundas, soluçam
Caudais de choro…
Que ruínas, (ouçam)!
Se se debruçam,
Que sorvedouro!...
Trémulos astros,
Solidões lacustres…
- Lemes e mastros…
E os alabastros
Dos balaústres!
Urnas quebradas!
Blocos de gelo…
- Chorai arcadas,
Despedaçadas,
Do violoncelo.”
ouvir a violoncelista Jacqueline du Pré
Paul Verlaine
E volta-me, associada, a música dolente dos versos de Paul Verlaine que falam dos violinos do Outono, numa canção melancólica de saudade sufocante, de abandono e de perda, de desistência.

o violino do escritor Italo Svevo

Chanson d’Automne

“Les sanglots longs
Des violons
De l’Automne
Blessent mon coeur
D’ une langueur monotone.
Tout suffocant
Et blême, quand
Sonne l’heure,
Je me souviens
Des jours anciens
Et je pleure;
Et je m’en vais
Au vent mauvais
Qui m’emporte
Deçà, delà,
Pareil à la
Feuille morte."
Automne, Van Gogh

Chagall, Le violoniste

***
(*) o artigo de Jean Moréas, foi publicado, no suplemento do jornal Le Figaro, em 18 de Setembro (**)
(**) Fernando Cabral Martins, in Poesia Simbolista Portuguesa, Colecção Textos Literários, Editorial Comunicação, 1990.
(***) vide estudos de Maria do Carmo Pinheiro Mendes, Universidade do Minho, e de Adriano Carlos

E deixo, para ouvirem o poema, a interpretação de Léo Ferré da Canção do Outono, extraordinária versão.
Arrisco uma tradução, só para facilitar quem não recorde bem o seu Francês...
Canção de Outono
“Os soluços longos
Dos violinos do Outono
Atingem o meu coração
Com monótona melancolia.
Oprimido e lívido,
quando soa a hora,
lembro os dias antigos
e choro; e, levado 
por um vento mau,
vou,
por aqui por ali,

 folha morta.”


2 comentários: