E
lá volto a falar de livros, de escritores e de leitores. Alguns amigos
pediram-me que continuasse a falar dos esquecidos. (Gábi, aqui estou!)
Seja
como for, é um vício bom. E abre-nos "mais mundos", como diz o belo título de José Régio!
Eu, em miúda, lia tudo o que apanhava, escondida num canto da sala de visitas. As vezes sentada no chão, outras
deitada de barriga para baixo em cima da carpete enquanto comia um pão com
manteiga ou um bolinho que a Florinda nos fazia. Outras vezes, era na quinta da Serra dos avós, debaixo dum pinheiro que passava a tarde a ler...
E
tenho pena que certos livros não se procurem nem se encontrem hoje. Penso em
autores portugueses. Dois ou três escritores que me fazem muita pena não ver por aí.
Estava
a pensar em Branquinho da Fonseca (1) que não sei se ainda é lido hoje como mereceria.
No entanto é um grande contista que teria o seu lugar de honra numa antologia de contos mundiais!~
Colaborou
na revista “presença” (que fundou em 1927 com José Régio e João Gaspar
Simões) onde escreveu com o pseudónimo de António Madeira. Antes, escrevera já na revista "Tríptico". Dedicou-se ao conto, à poesia, ao romance e ao teatro mas considerava que era o conto "a sua expressão mais
natural".
A
novela “O Barão” pode considerar-se uma obra-prima. Mas tantos outros títulos de
“Caminhos Magnéticos” são contos excepcionais - e dignos de uma antologia de contistas a nível mundial!.
O conto “O Anjo”, por exemplo, de que gosto muito: a história do "Anjo" ou da “Russa”?
“A vida é estar como morto até chegar o Anjo, que baterá três vezes”, pensava Amorim. “Para que sou eu? Para alguma coisa hei-de ser.” Ele sabia que cada homem nasce para fazer uma coisa pequena ou grande.”(…) a vida é andar aos tombos, até que um dia chega o anjo com a hora em que iremos fazer o que é preciso”. Até que um dia o Anjo bateu-lhe à porta. E a surpresa foi enorme. Para ele e para o leitor.
O conto “O Anjo”, por exemplo, de que gosto muito: a história do "Anjo" ou da “Russa”?
“A vida é estar como morto até chegar o Anjo, que baterá três vezes”, pensava Amorim. “Para que sou eu? Para alguma coisa hei-de ser.” Ele sabia que cada homem nasce para fazer uma coisa pequena ou grande.”(…) a vida é andar aos tombos, até que um dia chega o anjo com a hora em que iremos fazer o que é preciso”. Até que um dia o Anjo bateu-lhe à porta. E a surpresa foi enorme. Para ele e para o leitor.
“Felicidade,
ai felicidade!
Ai
quem ma dera na minha mão…”
“O Lobo branco” é um conto extraordinário que se deve ler, quanto a mim, se se quiser conhecer a nossa literatura. “D. Vampiro”, “Os olhos de cada um”, ou “A última
estrela” todos eles têm uma profundidade e uma capacidade de análise psicológica muito especiais. Para além da evocação feliz das personagens que vemos agir e quase entendemos.
O gosto da literatura ‘psicologista’ nesse sentido vem da revista “presença”. Da revista de
que foi director com Gaspar Simões e José Régio.
Outro livro de contos que me impressionou dele, foi “Bandeira Negra”. A história do Chinca e das amizades da adolescência e dos
amigos que se vão antes do tempo, sentimento incomunicável de abandono, de
traição, de pasmo perante a brutalidade da vida.
A novela "Rio Turvo" deixa-nos um amargo gosto na boca e, sempre, a sensação da impossibilidade de controlar a vida que, tantas vezes, é como as águas turvas e revoltas dum rio em cheia que tudo arrastam na passagem.
A novela "Rio Turvo" deixa-nos um amargo gosto na boca e, sempre, a sensação da impossibilidade de controlar a vida que, tantas vezes, é como as águas turvas e revoltas dum rio em cheia que tudo arrastam na passagem.
Branquinho dedicou-se
ao conto, poesia, romance e ao teatro - mas considerava o conto como a “sua expressão mais natural”.
Gostaria
de reler o seu romance, “Porta de Minerva”, sobre os tempos de Coimbra - que
tenho na lista dos meus (muitos) livros a reler.
E vem-me à memória João
Gaspar Simões: tão ignorados os seus romances “Pântano”, "Internato"(1940), “Elói, ou romance numa
cabeça”, ou o seu teatro. Ele que, além de crítico e ensaísta, se revelou um escritor notável.
Crítico literário, na melhor acepção da palavra -o crítico que "abre" aos leitores um livro- foi um escritor completo e é ignorado.
Autor da primeira biografia de Fernando Pessoa e biógrafo de Eça de Queiroz, escreveu muitos outros ensaios de teoria literária e biográficos (2).
Foi um dos mais activos intelectuais a traduzirem e a divulgarem entre nós a literatura estrangeira. Traduziu vários autores russos (de outra língua) como Dostoievski, Tolstoi ou Pushkin.
Grande apreciador do romance inglês, Gaspar Simões traduziu Henry James, "The turn of the Screw" (com o título de "Calafrio", leitura que aconselho vivamente!) e outros- cuja literatura muito apreciava, ajudando a combater o francesismo então reinante.
Não só outros, mas "outras", pois Gaspar Simões admirava as grandes mulheres da literatura! Como a George Eliot, Jane Austen e Elizabeth Gaskell -escritora e biógrafa de Charlotte Brontë- e as irmãs Brontë.
Crítico literário, na melhor acepção da palavra -o crítico que "abre" aos leitores um livro- foi um escritor completo e é ignorado.
Autor da primeira biografia de Fernando Pessoa e biógrafo de Eça de Queiroz, escreveu muitos outros ensaios de teoria literária e biográficos (2).
Foi um dos mais activos intelectuais a traduzirem e a divulgarem entre nós a literatura estrangeira. Traduziu vários autores russos (de outra língua) como Dostoievski, Tolstoi ou Pushkin.
Grande apreciador do romance inglês, Gaspar Simões traduziu Henry James, "The turn of the Screw" (com o título de "Calafrio", leitura que aconselho vivamente!) e outros- cuja literatura muito apreciava, ajudando a combater o francesismo então reinante.
Não só outros, mas "outras", pois Gaspar Simões admirava as grandes mulheres da literatura! Como a George Eliot, Jane Austen e Elizabeth Gaskell -escritora e biógrafa de Charlotte Brontë- e as irmãs Brontë.
José
Régio, sem dúvida um grande poeta, contista e romancista, pertence ao
número dos grandes escritores portugueses mais “conhecidos”, reconheço (3). Lamento,
apenas, que a edição das “Obras Completas”, da Imprensa Nacional-Casa da
Moeda, tenha preços demasiado altos para a camada dos estudantes e dos jovens em
geral.
A poesia de Régio é bem conhecida, claro, mas a sua prosa já o não é. O que lhe pesava, porque considerava ter igualmente valor. Recomendo a quem a não conhecer a leitura do romance "A Velha Casa" - vários volumes de uma 'saga' interessantíssima que passa por vários momentos da vida do escritor e que deixou inacabado.
E tentem ler a história maravilhosa d' "O Príncipe com Orelhas de Burro", ou os contos de "Há mais Mundos" e as "Histórias de Mulheres" cheias de humanidade e compreensão...
Recordo, ainda, o nome de Tomaz de Figueiredo (4) romancista e contista excepcional. Hoje quem
o conhece ou quem o lê? E perde muito quem o não tiver lido.
“A Toca do Lobo” (1947)é um grande romance e Tomaz de Figueiredo um mestre em escrever um português riquíssimo. E os contos? “O Muro Amarelo” -em "Vida de Cão" ou, em "A Outra Cidade", ou por exemplo, "Um senhor triste", ou "Cova Funda" e "Gente de Paz". Ou "Contos de bichos". Contos de grande poesia. E saudade do que passou um dia e não voltará mais. A nostalgia de um mundo irrecuperável. E do amor perdido para sempre, nostalgia que encontramos nos seus livros, a par duma ironia por vezes corrosiva.
“A Toca do Lobo” (1947)é um grande romance e Tomaz de Figueiredo um mestre em escrever um português riquíssimo. E os contos? “O Muro Amarelo” -em "Vida de Cão" ou, em "A Outra Cidade", ou por exemplo, "Um senhor triste", ou "Cova Funda" e "Gente de Paz". Ou "Contos de bichos". Contos de grande poesia. E saudade do que passou um dia e não voltará mais. A nostalgia de um mundo irrecuperável. E do amor perdido para sempre, nostalgia que encontramos nos seus livros, a par duma ironia por vezes corrosiva.
"A que era de chegar, nunca chegou.
Passaram anos, passou a vida.
Talvez que haja caído, perdida,
Em braços de quem a não amou.”
Saiu em 2013 um estudo muito completo sobre a obra do autor, de Albertina Fernandes (*), em "Calendário de Letras".
Fala-se
muito de Miguel Torga (5) hoje, mas da sua poesia sobretudo, ou do "Diário". Mas quem leu “Os contos da montanha” ou “Novos contos da montanha”?
A rudeza da vida primitiva, a pobreza que um médico de aldeia descobre, as agruras das gentes perdidas nas montanhas do seu “mundo maravilhoso” de que tão bem falou.
A rudeza da vida primitiva, a pobreza que um médico de aldeia descobre, as agruras das gentes perdidas nas montanhas do seu “mundo maravilhoso” de que tão bem falou.
Outro
autor que reli há pouco foi Manuel da Fonseca (6), “Aldeia Nova” (1942), e li-o
comovida.
"eram campos, campos, campos..."
O conto “O primeiro que ficou pelo caminho” faz-me sempre chorar. E tantos
contos dele nos deixam marcas e recordações, como “Campaniça”, “Mestre Finezas”.
Como
esquecer a figura de Maria Campaniça, a camponesa, da história que começa
assim: “Valgato é terra ruim…”
E "Cerromaior"? “O Fogo e as Cinzas” e o vazio das vidas perdidas no interior das aldeias? E as suas poesias?
E "Cerromaior"? “O Fogo e as Cinzas” e o vazio das vidas perdidas no interior das aldeias? E as suas poesias?
E - para terminar- como esquecer Raul Brandão (7)? Lembro imediatamente o livro “Pescadores” com tantas páginas
confrangedoras, tanta dor, tanta tragédia, tanta coragem. “Respondo por ele” era um dos meus contos preferidos.
Igualmente terrível e grande literatura é “A Morte do Palhaço”, “A Árvore”, “O Diário de K. Maurício” são peças magníficas da nossa literatura. Ou "Os Pobres"?
E a terrível “A Farsa” e “O Gebo e a Sombra”? Ou a maravilha de "As Ilhas Desconhecidas"? A fantástica descrição da Ilha do Corvo, nos Açores?
Igualmente terrível e grande literatura é “A Morte do Palhaço”, “A Árvore”, “O Diário de K. Maurício” são peças magníficas da nossa literatura. Ou "Os Pobres"?
E a terrível “A Farsa” e “O Gebo e a Sombra”? Ou a maravilha de "As Ilhas Desconhecidas"? A fantástica descrição da Ilha do Corvo, nos Açores?
Como
esquecê-los? Seria imperdoável.
(1) Branquinho da Fonseca nasceu em 4 de Maio de 1905, em Mortágua, e morreu em Cascais em 7 de Maio de
1974. Colaborou na revista “presença” (que fundou em 1927 com José Régio e João
Gaspar Simões) e onde escreveu com o pseudónimo de António Madeira.
(2)
João Gaspar Simões nasceu em 25 de Fevereiro na Figueira da Foz e morreu em
Lisboa a 6 de Janeiro de 1987, estudou em Coimbra. Crítico literário conhecido,
foi também romancista e poeta. Autor da primeira e biografia de Fernando Pessoa e muitos
outros.
(3)
José Régio (pseudónimo de José Maria dos Reis Pereira) nasceu em Vila do Conde
em 17 de Setembro de 1901, onde morre em 22 de Dezembro de 1969.
(4) Tomaz de Figueiredo nasce em Braga em 6 de Julho de 1902 e morre em Lisboa em 29 de Abril de 1970. Anteriormente
publicado pela editorial Verbo, hoje a sua obra completa está a ser reeditada
pela Imprensa Nacional.
(5)
Miguel Torga é o pseudónimo do médico Adolfo da Rocha. Nasceu em São Martinho da
Anta em 12 de Agosto de 1907 e morreu Coimbra
em 17 de Janeiro de 1995. Poeta, contista, romancista, dramaturgo.
(6)
Manuel da Fonseca nasceu em Santiago do Cacém em 15 de Outubro de 1911 e morreu
em Lisboa em 11 de Março de 1993. Poeta, contista, romancista.
(7) Raul Brandão nasceu na Foz do Douro em 12
de Março de 1867 e morre em Lisboa em 5 de Dezembro de 1930. Militar, escritor, contista, dramaturgo.
(*) Albertina Fernandes, licenciada em Filologia Românica, Mestre em Língua e Literatura Francesas e em Expressão Dramática, é professora do ensino secundário na Escola Secundária de Arcos de Valdevez.
(*) Albertina Fernandes, licenciada em Filologia Românica, Mestre em Língua e Literatura Francesas e em Expressão Dramática, é professora do ensino secundário na Escola Secundária de Arcos de Valdevez.
Escusado será dizer que gostei muito. Vi livros que já li outros que não. De todos há um que gostaria de ler e ter a biografia de Pessoa do Gaspar Simões.
ResponderEliminarUm beijinho muito especial e grato por esta viagem.:))
Agradeço-lhe imenso este post.
ResponderEliminarUm beijinho.
Fico contente, Patrícia, que não sei quem és...
EliminarUma mera leitora que muito aprecia o que escreve.
EliminarBelíssimo post!
ResponderEliminarEu sou daquelas (já sabe...) que compra muitíssimo mais do que lê, mas faço o possível!
Tenho vários dos livros que refere. Li poucos:(
Beijinhos e continuação de boa semana:)
Um dia vais-te por a ler todas essas maravilhas que foste juntando! Graças também à Livraria Lumière e à Cláudia..
EliminarGraças à Livraria Lumière e à Cláudia e graças à Maria João e ao Manuel. Na verdade devo mesmo muito à Maria João e ao Manuel com quem tenho aprendido tanto e me abriram horizontes:)))
EliminarObrigada:)))
Bem, fico mesmo contente! Tu deste-nos muito sabes? a tua vontade de aprender e de querer mais cultura, sempre mais livros, também foi bom! Um beijo
Eliminar...esqueci-me de dizer: que linda a menina da fotografia:))))
ResponderEliminarGostei muito, muito deste texto e estive a guardá-lo para um dia destes ir procurar os autores e livros que ainda não li, obrigada
ResponderEliminarum beijinho
Os bons livros são para ler e reler, e tu tens muitas jóias na tua vasta biblioteca. Só que o tempo passa demasiado depressa, hélas!
ResponderEliminarBjs gds
É!... Realmente aqui se aprende muito. Mas o que mais gostei, além do Branquinho, foi de José Régio. Esse cara foi enorme, e pouco se fala do grande poeta, principalmente. Parabéns, pela postagem! Abraço. Laerte.
ResponderEliminarMuito bom!!! Obrigada.
ResponderEliminarEu agradeço a sua visita!
Eliminargood article, i like it.
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