cena do filme "Contos da Lua Vaga depois da Chuva", Mizoguchi
Hoje vou falar de um filme que vi pela primeira vez, há muitos anos, tinha eu vinte e três anos, em Paris, o filme japonês Os Contos da Lua Vaga ("Ugetsu Monogatari", 1953), (ou “Contos da lua vaga depois da chuva”, título francês do filme, que eu acho ainda mais belo), do realizador Kenji Mizoguchi.
Foi um filme que me deslumbrou e, mais tarde, voltei-o a ver, sempre com a mesma sensação de descobrir uma coisa extraordinária, de beleza e delicadeza incomparáveis. De uma tristeza infinita.
O seu autor nasce em 1898 e, começando como estudante de Belas-Artes, abandonou a pintura pelo cinema em 1920. Depois de ter interpretado papéis (femininos) no cinema realizou o primeiro filme com 24 anos.
Os Contos da Lua Vaga, obra-prima de Kenji Mizoguchi (1898-1956), talvez seja o mais famoso da sua curta carreira (apenas dez anos e quase cento e cinquenta títulos), que lhe rendeu a fama de "cineasta das mulheres", pela sua “paixão” em retratar o sofrimento silencioso e o espírito de sacrifício femininos.
Diz Vê-Hô (*), no seu livro “Mizoguchi”, colecção Classiques du Cinéma (Éditions Universitaires, 1963), citando um crítico japonês: “ o universo de Mizoguchi está povoado de mulheres muito belas, movendo-se com graça à procura do tempo perdido...” E continua: “de facto, a maior parte das personagens que põe em cena são jovens raparigas ou mulheres; é também verdade que a delicadeza impregna a obra do realizador; que as personagens têm um encanto que nos comove e que a visão dos corpos, dos objectos, ou do enquadramento na sua obra tem algo de inefável. E é ,enfim, verdade que a memória desempenha nos seus filmes um papel tão decisivo como o sonho.”( pg.161)
Muitas histórias vêm da sua infância, histórias que o traumatizaram: a perda da fortuna e completa falência do pai levam-no a vender a irmã de Kenji, como gueixa, coisa que ele nunca esqueceu e retratou, melancolicamente, noutro filme, O’Haru, vida de uma cortesã (La vie de O'Haru, femme galante), que ganhou pela primeira vez o Leão de Prata no Festival de Veneza, em 1952, e que se inspira também numa história de amor, da China do século VIII -da época dos Imperadores Tô. Outros filmes que lembro dele (mais tarde, pude ver uma retrospectiva) são, por exemplo, A Imperatriz Yang Kwei-Fei e O Intendente Sansho. Todos falam de histórias de mulheres e da evocação do passado, no momento doloroso em que ele vem atingir o presente. A memória apaga o tempo e o espaço...
A história de Os Contos da Lua Vaga é narrada por dois homens, mas eles são apenas o pretexto para se falar dos sacrifícios e da sabedoria femininos.
Dois irmãos, no Japão Feudal dos finais do século XVI, fogem com as mulheres, à guerra civil e são tentados pela aventura. Um sonha ser samurai, e larga tudo, inclusive a mulher que ama, para lhe provar - e a si próprio - que seu sonho não é apenas uma fantasia. O outro, Genjuro, aspira a tornar-se rico, para dar o melhor à mulher, que, no entanto, queria apenas tê-lo ao pé de si. Parte para a cidade e fica seduzido pelo fantasma da princesa Wasaka. Quando o encantamento se dissipa, regressa a casa e...encontra outro fantasma.
Não quero desvendar o fim da história, espero que um dia possam ver o filme!
Conto de fadas e conto filosófico ao mesmo tempo, narrativa dramática, história de aventuras e poema, o filme mistura o sonho e a realidade, os seres reais e os fantasmas, o simbólico e o quotidiano.
N’ Os Contos da Lua Vaga, Mizoguchi usa uma narrativa fragmentada, partindo dos indivíduos para atingir um aspecto colectivo. É a reconstrução de uma história escrita em tábuas de madeira no Japão Feudal de 1776, por Uéda Akinari (Shusei Uéda, 1734-1809). Aliás, a maior parte dos seus filmes são adaptações de obras-primas da literatura clássica japonesa que se situam na época Feudal, mas Mizoguchi, ao utilizá-las, não cedeu nunca à tentação do exotismo.
Tudo é narrado com poesia e grande beleza visual, numa cuidadosa reconstituição de época, com muitos planos gerais e belos enquadramentos e com movimentos de câmara delicados e discretos e mais um toque de sobrenatural, com a predilecção que os japoneses têm por fantasmas e espíritos que voltam do além.
A cena mais recordada do filme é a do lago (que me levou a um dia fazer uma aguarela inspirado nela...), que sintetiza o seu clima misterioso e trágico.
Enfim, este filme é um grande clássico do cinema japonês, e é premiado com o Leão de Prata no Festival de Veneza, de 1953 (**).
Conta com a participação da grande atriz japonesa Machiko Kyo, grande dama do cinema nipónico. Nesse filme, a sua maquilhagem imita a máscara de uma princesa do teatro Nô.
Foi um filme que me deslumbrou e, mais tarde, voltei-o a ver, sempre com a mesma sensação de descobrir uma coisa extraordinária, de beleza e delicadeza incomparáveis. De uma tristeza infinita.
O seu autor nasce em 1898 e, começando como estudante de Belas-Artes, abandonou a pintura pelo cinema em 1920. Depois de ter interpretado papéis (femininos) no cinema realizou o primeiro filme com 24 anos.
Os Contos da Lua Vaga, obra-prima de Kenji Mizoguchi (1898-1956), talvez seja o mais famoso da sua curta carreira (apenas dez anos e quase cento e cinquenta títulos), que lhe rendeu a fama de "cineasta das mulheres", pela sua “paixão” em retratar o sofrimento silencioso e o espírito de sacrifício femininos.
Diz Vê-Hô (*), no seu livro “Mizoguchi”, colecção Classiques du Cinéma (Éditions Universitaires, 1963), citando um crítico japonês: “ o universo de Mizoguchi está povoado de mulheres muito belas, movendo-se com graça à procura do tempo perdido...” E continua: “de facto, a maior parte das personagens que põe em cena são jovens raparigas ou mulheres; é também verdade que a delicadeza impregna a obra do realizador; que as personagens têm um encanto que nos comove e que a visão dos corpos, dos objectos, ou do enquadramento na sua obra tem algo de inefável. E é ,enfim, verdade que a memória desempenha nos seus filmes um papel tão decisivo como o sonho.”( pg.161)
Muitas histórias vêm da sua infância, histórias que o traumatizaram: a perda da fortuna e completa falência do pai levam-no a vender a irmã de Kenji, como gueixa, coisa que ele nunca esqueceu e retratou, melancolicamente, noutro filme, O’Haru, vida de uma cortesã (La vie de O'Haru, femme galante), que ganhou pela primeira vez o Leão de Prata no Festival de Veneza, em 1952, e que se inspira também numa história de amor, da China do século VIII -da época dos Imperadores Tô. Outros filmes que lembro dele (mais tarde, pude ver uma retrospectiva) são, por exemplo, A Imperatriz Yang Kwei-Fei e O Intendente Sansho. Todos falam de histórias de mulheres e da evocação do passado, no momento doloroso em que ele vem atingir o presente. A memória apaga o tempo e o espaço...
A história de Os Contos da Lua Vaga é narrada por dois homens, mas eles são apenas o pretexto para se falar dos sacrifícios e da sabedoria femininos.
Dois irmãos, no Japão Feudal dos finais do século XVI, fogem com as mulheres, à guerra civil e são tentados pela aventura. Um sonha ser samurai, e larga tudo, inclusive a mulher que ama, para lhe provar - e a si próprio - que seu sonho não é apenas uma fantasia. O outro, Genjuro, aspira a tornar-se rico, para dar o melhor à mulher, que, no entanto, queria apenas tê-lo ao pé de si. Parte para a cidade e fica seduzido pelo fantasma da princesa Wasaka. Quando o encantamento se dissipa, regressa a casa e...encontra outro fantasma.
Não quero desvendar o fim da história, espero que um dia possam ver o filme!
Conto de fadas e conto filosófico ao mesmo tempo, narrativa dramática, história de aventuras e poema, o filme mistura o sonho e a realidade, os seres reais e os fantasmas, o simbólico e o quotidiano.
N’ Os Contos da Lua Vaga, Mizoguchi usa uma narrativa fragmentada, partindo dos indivíduos para atingir um aspecto colectivo. É a reconstrução de uma história escrita em tábuas de madeira no Japão Feudal de 1776, por Uéda Akinari (Shusei Uéda, 1734-1809). Aliás, a maior parte dos seus filmes são adaptações de obras-primas da literatura clássica japonesa que se situam na época Feudal, mas Mizoguchi, ao utilizá-las, não cedeu nunca à tentação do exotismo.
Tudo é narrado com poesia e grande beleza visual, numa cuidadosa reconstituição de época, com muitos planos gerais e belos enquadramentos e com movimentos de câmara delicados e discretos e mais um toque de sobrenatural, com a predilecção que os japoneses têm por fantasmas e espíritos que voltam do além.
A cena mais recordada do filme é a do lago (que me levou a um dia fazer uma aguarela inspirado nela...), que sintetiza o seu clima misterioso e trágico.
Enfim, este filme é um grande clássico do cinema japonês, e é premiado com o Leão de Prata no Festival de Veneza, de 1953 (**).
Conta com a participação da grande atriz japonesa Machiko Kyo, grande dama do cinema nipónico. Nesse filme, a sua maquilhagem imita a máscara de uma princesa do teatro Nô.
Deixo outras imagens, de uma beleza invulgar, de outros filmes de Mizoguchi..., um desenho meu, e um pequeno vídeo youtube.
(*) Vê-Hô dirige uma revista literária e artística. É uma vietnamita, nascida em Saigão, em 1939, que estudou cinema em Paris, onde vive.
(**) A partir de 1952, os filmes de Mizoguchi apresentados em Festivais ganham todos os anos prémios, até à morte do criador, em 1956.
1. do filme: "A Imperatriz Yang-Kwei-Fei" (1955)
2. do filme: "O herói sacrílego" (1955)
3. do filme: "O Intendente Sansho" (1954)
Sem comentários:
Enviar um comentário