Hoje volto com José Régio e a obsidiante "Toada de Portalegre", cantilena repetitiva e obsessiva, num crescendo quase insuportável, que me faz sempre girar a cabeça -como o vento suão, de que me lembro tanto...
Com ela vêm as cores, os bons e maus cheiros, as oliveiras, os sobreiros, as "serras deitadas nas nuvens/vagas e azuis na distância/ azuis, cinzentas, lilases/roxas" .
Vejo as serras e penhascos, o amarelo e verde das searas, sinto a terra queimada pelo "vento suão/que enche o sono de pavores/faz febre/esfarela os ossos/ e atira aos deseperados/a corda com que se enforcam... "
Cidade que se entrega "ao sol que abrasa/ao frio que tosse e que gela/ao vento que anda e desanda e sarabanda e ciranda..."
Com as suas noites negras e "os céus estrelados/ boiando em lua/ou fechados"...
Foi disso tudo que tive saudades hoje.
Toada de PortalegreEm Portalegre, cidade
Do Alto Alentejo, cercada
De serras, ventos, penhascos, oliveiras e sobreiros
Morei numa casa velha,
À qual quis como se fora
Feita para eu
Morar nela...
Cheia dos maus e bons cheiros
Das casas que têm história, antigas gentes e traças,
Cheia de sol nas vidraças
E de escuro nos recantos,
Cheia de medo e sossego,
De silêncios e de espantos,
- Quis-lhe bem como se fora
Tão feita ao gosto de outrora
Como as do meu aconchego.
Em Portalegre, cidade
Do Alto Alentejo, cercada
De montes e de oliveiras
Ao vento suão queimada
( Lá vem o vento suão!,
Que enche o sono de pavores,
Faz febre, esfarela os ossos,
E atira aos desesperados
A corda com que se enforcam
Na trave de algum desvão...)
Em Portalegre, dizia,
Cidade onde então sofria
Coisas que terei pudor
De contar seja a quem fôr,
Na tal casa tosca e bela
À qual quis como se fora
Feita para eu morar nela,
Tinha, então,
Por única diversão,
Uma pequena varanda
Diante de uma janela
Toda aberta ao sol que abrasa,
Ao frio que tosse e gela
E ao vento que anda, desanda,
E sarabanda, e ciranda
Derredor da minha casa,
Em Portalegre, cidade
Do Alto Alentejo, cercada
De serras, ventos, penhascos e sobreiros
Era uma bela varanda,
Naquela bela janela!
Serras deitadas nas nuvens,
Vagas e azuis da distância,
Azuis, cinzentas, lilases,
Já roxas quando mais perto,
Campos verdes e
Amarelos,
Salpicados de
Oliveiras,
E que o frio, ao vir, despia,
Rasava, unia
Num mesmo ar de deserto
Ou de longínquas geleiras,
Céus que lá em cima, estrelados,
Boiando em lua, ou fechados
Nos seus turbilhões de trevas,
Pareciam engolir-me
Quando, fitando-os suspenso
Daquele silêncio imenso,
Sentia o chão a fugir-me,
- Se abriam diante dela
DaquelaBelaVaranda
DaquelaMinhaJanela,
Em Portalegre, cidade
Do Alto Alentejo, cercada
De serras, ventos, penhascos, oliveiras e sobreiros
Na casa em que morei, velha,
Cheia dos maus e bons cheiros
Das casas que têm história,
Cheia da ténue, mas viva, obsidiante memória
De antigas gentes e traças,
Cheia de sol nas vidraças
E de escuro nos recantos,
Cheia de medo e sossego,
De silêncios e de espantos,
À qual quis como se fora
Tão feita ao gosto de outrora
Como as do meu aconchego...
(...)
NOTA (1) Não a acabo, porque a "toada" não tem fim e é linda de se ler ... E tem suspense até ao fim! O que vai acontecer?
Vão lê-la!
NOTA (2 ) Já agora: o desenho de Portalegre fui eu que o fiz, a lápis de cor, há muitos, muitos anos! Quando ainda lá vivia.
lindo!! já guardei!! gui
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